Acórdão nº 3125/11.3TJCBR-B.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelFERNANDES DO VALE
Data da Resolução17 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. nº 3125/11.3TJCBR-B.C1.S1[1] (Rel. 165) Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça 1 – “AA – ..., Lda” instaurou, na comarca de Coimbra, por apenso à respectiva acção de insolvência (nº 3125/11.3TJCBR – 4º Juízo Cível), acção declarativa, a processar sob a forma ordinária e por si denominada de “acção de impugnação de resolução de acto jurídico”, contra a “Massa Insolvente de BB, pedindo que, na procedência da impugnação, deva subsistir a compra e venda a que a impugnada resolução havia posto termo.

Fundamentando a respectiva pretensão, alegou, em resumo e essência: / --- Foi notificada pela Sra. administradora da correspondente insolvência da resolução do contrato de compra e venda celebrado, em 13.11.07, entre o insolvente e a, ora, A., bem como da resolução do contrato de compra e venda celebrado, em 11.11.10, entre a, ora, A. e CC, relativos ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial (CRPred.) de …, sob o nº…, da freguesia de ... e inscrito, na respectiva matriz predial, sob o art. nº1; --- Porém, os factos invocados pela Sra. administradora para fundamentar essas resoluções não correspondem à realidade, visto dos contratos não terem resultado para as partes obrigações manifestamente desproporcionadas, o insolvente não estar, à data, em situação de insolvência iminente e a venda não ter dificultado a satisfação dos credores da insolvência; --- O prédio em causa foi adquirido não apenas ao insolvente, mas aos seus dois proprietários de então e o preço da compra foi efectivamente pago, tendo, para o efeito, a impugnante entregue ao insolvente dois cheques, no valor global de € 50 000,00 e pago o remanescente através de uma conta-corrente caucionada; --- O imóvel estava, à data, muito degradado, correspondendo o preço da compra ao valor real do bem.

A massa insolvente contestou, invocando os fundamentos de resolução (do dito contrato em benefício da massa) constantes da comunicação que dirigiu à, ora, A., a saber: que o negócio foi simulado, tendo-se destinado apenas a retirar o imóvel do património do insolvente; que não foi pago o preço pela compradora; e que, de todo o modo, o valor indicado na escritura, de € 100 000,00, é substancialmente inferior ao valor do imóvel e respectivo mobiliário, à data da venda, dado que o prédio (que fora recuperado pelo insolvente) tinha o valor comercial de € 1 085 000,00.

Mais invocou que a A. não ignorava este facto quando adquiriu o prédio, tendo-o, aliás, posto à venda por € 750 000,00 e que, tanto pela relação familiar existente entre o seu gerente e o insolvente (primos), como pelos laços de amizade existentes entre as partes, tinha conhecimento que este se encontrava com graves dificuldades económicas.

Acentuou, ainda, que quer os vendedores, quer a sociedade compradora conheciam a situação económica do insolvente e sabiam que a venda agravava a situação de insolvência deste e prejudicava os respectivos credores.

Aditou, ainda, que se presume ser o negócio prejudicial à massa, sem admissão de prova em contrário, nos termos dos arts. 120º, nº3 e 121º, nº1, al. h), ambos do CIRE, prescindindo-se, ainda, da verificação da má fé dos intervenientes, em conformidade com o art. 120º, nº4 do mesmo diploma, pelo que, tendo o negócio sido celebrado nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência, estão verificados os pressupostos da resolução em benefício da massa insolvente do negócio celebrado entre a A. e o insolvente.

* 2 – Também CC instaurou, na mesma comarca, acção declarativa, a processar sob a forma ordinária e por si denominada de “acção de impugnação de resolução de acto”, contra a “Massa Insolvente de BB” e por apenso a esta, pedindo que seja declarada inválida e ineficaz a declaração (provinda da Sra. administradora da correspondente insolvência) de resolução da compra e venda que celebrou com a sobredita A.

Para o efeito, alegou, em resumo e essência: / --- A administradora da insolvência dirigiu-lhe uma declaração de resolução incondicional do negócio de compra e venda por si celebrado com a sobredita A., em 11.11.10, negócio este através do qual o A. adquiriu um imóvel (o prédio supra id.) pelo preço de € 90 500,00, que, efectivamente, pagou por transferência bancária; --- Tal resolução não tem fundamento, porque, até à data, não conhecia o vendedor, o imóvel estava em estado de degradação e abandono e o preço pago correspondia ao respectivo valor de mercado; --- A compra do imóvel não causou qualquer prejuízo à massa insolvente, que, à data do negócio, nada tinha a ver com o insolvente, desconhecendo o negócio celebrado entre este e a sua mulher e a sociedade “AA”, além de que agiu com boa fé, inexistindo, assim, qualquer justificação para a pretendida resolução do negócio.

/ A “Massa Insolvente de BB” contestou a acção proposta por CC, onde, além do mais, invoca os fundamentos de resolução em benefício da massa do negócio celebrado entre o insolvente e “AA, Lda”, antes resumidos, e, no que concerne ao negócio celebrado entre esta sociedade e o A., alegou que este conhecia todos os intervenientes no negócio anterior, sendo amigo do insolvente e da sua família, tanto mais que chegou a emprestar-lhe € 20 000,00 (crédito este que, aliás, baseou o pedido de insolvência), tendo, por isso, conhecimento da situação económica e financeira do insolvente, do carácter prejudicial do negócio celebrado entre este e a sociedade “AA”, bem como de que se trataria de um negócio simulado.

Mais referiu que também a venda que foi feita a esse A. consistiu num negócio simulado que se destinou apenas a evitar que a dita sociedade fosse obrigada a pagar IMT sobre a transacção inicial e foi ditado pela amizade que mantinha com os sócios gerentes desta, que a sociedade “AA” não pagou, sequer, o preço, não procedeu à entrega do imóvel e continuou a diligenciar pela venda do imóvel junto de terceiras entidades.

Invocou também que esta venda diminuiu o património do insolvente, na medida do prejuízo sofrido e que mesmo que as transmissões tivessem sido feitas pelos preços declarados seriam altamente prejudiciais ao insolvente, dado o valor do prédio ser muito superior.

Concluiu que este A. agiu de má fé e que se verificam os pressupostos da resolução do negócio com o mesmo celebrado, estabelecidos nos arts. 120º e 121º, nº1, als. b) e h) do CIRE, devendo também esta acção improceder.

/ Cumprindo o determinado no despacho de fls. 151 a 153 da acção instaurada por “AA”, procedeu-se à apensação a esta da que foi instaurada por CC.

Foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente selecção da matéria de facto reputada relevante para a instrução e decisão da causa.

Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferida (em 27.05.13) sentença que, julgando improcedentes ambas as acções, absolveu a massa insolvente dos correspondentes pedidos.

Desta sentença interpuseram recurso ambos os AA.

, tendo, porém, sido rejeitado, com improcedência da reclamação, o interposto pelo A. CC.

A Relação de Coimbra, por acórdão de 21.01.14 (Fls. 401 a 412), julgou procedente o admitido recurso de apelação, consignando no respectivo dispositivo: “…revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, também se acorda em julgar procedente a presente acção de impugnação, dando-se sem efeito as referidas declarações de resolução de acto jurídico – factos supra nº/s 11 e 13”.

Daí a presente revista interposta pela apelada “Massa Insolvente”, visando a revogação do acórdão impugnado, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes e relevantes conclusões: / Questão prévia: da admissibilidade do presente recurso / 1ª – Em regra, determina o artigo 14°, nº 1 do CIRE, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça encontra-se limitado aos casos em que o recorrente demonstre a existência de contradição da decisão proferida na Relação com um outro acórdão que trate da mesma questão de Direito; 2ª – Porém, é nosso entendimento, que tal limitação não se aplica ao presente caso, pois que se trata de um apenso ao processo de insolvência, e aquela norma aplica-se apenas ao processo de insolvência em si mesmo e aos embargos opostos à declaração de insolvência; 3ª – Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.04.13, no âmbito do processo nº 3410/l0.lT2SNT-E.Ll.51: "A disposição contida no art. 14°, nº1, do CIRE, que no âmbito da insolvência exclui, em regra, o recurso para o STJ, não tem aplicação a uma acção apensa que não tem por objecto a insolvência em si, nem integra, formal e estruturalmente, o próprio processo de insolvência ou quaisquer dos seus incidentes, no âmbito dos quais o legislador sentiu necessidade de estabilizar as decisões aí proferidas, incluindo nessa rápida estabilização também as questões incidentais"; 4ª – Dos elementos literal e sistemático decorre o mesmo entendimento, ou não tivesse o legislador em muitas das disposições legais do CIRE usado autonomamente as expressões "processo de insolvência" e “seus incidentes e apensos"; 5ª – O artigo 14° do CIRE integra o capítulo I do Titulo I onde se plasmaram as disposições gerais do processo de insolvência. Neste capítulo, é usada esta expressão "processo de insolvência" onze vezes (artigo 1°, nº1; artigo 2°, nº1; artigo 7°, nº1; artigo 7°, nº3; artigo 8°, nº1; artigo 9°, nº1; artigo 9°, nº2; artigo 9°, nº5; artigo 11°; artigo 14°, nº 1; e 17°) e por uma vez é usada de forma abreviada como "no processo" (artigo 14°, nº 2); 6ª – E, analisando estes artigos no seu conjunto, por sete vezes é usada a expressão de processo de insolvência por contraposição a "seus incidentes e apensos"; 7ª – Se o legislador quisesse ter incluído no âmbito do processo de insolvência os seus incidentes e apensos, não retrataria de modo distinto cada uma dessas fases. Exemplo claro disso é o disposto no artigo 9° do CIRE, o qual retrata o carácter de urgência não só do processo de insolvência em si mas alargando especificamente esse carácter aos...

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