Acórdão nº 70/10.3TBVZL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Junho de 2014
Magistrado Responsável | NUNO CAMEIRA |
Data da Resolução | 17 de Junho de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.
Síntese dos termos essenciais da causa e do recurso AA propôs uma acção ordinária contra BB, Ldª.
Em relação à assembleia geral da ré de 17/3/10 pediu que:
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Se declare a falsidade da respectiva acta nº52; b) Se declare a inexistência da assembleia geral, bem como da acta e das deliberações ali referidas; Para o caso de se entender que não se trata de uma situação de inexistência jurídica: c) Se declare a nulidade das mesmas – assembleia, acta e deliberações ali mencionadas; d) Se condene a ré a reconhecer a inexistência ou a nulidade que vierem a ser declaradas; Que, em qualquer dos casos: e) Se declare a nulidade e/ou a anulabilidade - com as consequência e efeitos legais decorrentes dessa nulidade ou anulação - da referida deliberação ou deliberações da ré, bem como as correspondentes alterações aos artigos 1º e 7º do seu pacto social; f) Se condene a ré a reconhecer a inexistência, nulidade ou anulação dessas deliberações, com as consequências e efeitos legais correspondentes; Que, em qualquer caso: g) Seja ordenado o cancelamento na Conservatória do Registo Comercial das inscrições que tiveram por base a assembleia, a acta e as deliberações aludidas nas duas alíneas precedentes, e a que se refere a inscrição 5 – AP. 2/20100325 à matrícula da ré.
0A ré contestou, por impugnação, alegando que a assembleia geral de 17/3/10 se realizou, tendo a autora faltado apesar de regularmente convocada por carta enviada em 4/3/10.
Entretanto, a autora propôs contra a ré outra acção ordinária (nº158/10.0TBVZL), pedindo que, em relação à assembleia de 1/6/10:
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Se declare a nulidade e/ou a anulabilidade - com as consequências e efeitos legais decorrentes dessa nulidade ou anulação - das deliberações da ré a que se referem os artigos 28º a 34º, constantes da acta número 54 do respectivo livro de actas da assembleia geral, bem como as correspondentes alterações aos artigos 1º, 3º e 7º do seu pacto social; b) A ré seja condenada a reconhecer a nulidade e/ou anulação dessas deliberações, com as consequências e efeitos legais correspondentes; c) Sempre e em qualquer caso, seja ordenado o cancelamento na Conservatória do Registo Comercial das inscrições que tiverem tido por base a assembleia, a acta e as deliberações aludidas nas duas alíneas precedentes.
A ré também contestou esta acção, defendendo-se por impugnação e excepcionando a caducidade e a litispendência com a acção nº 70/10.3TBVZL, instaurada em primeiro lugar.
Houve réplica em ambas as causas, na qual a autora respondeu às excepções e concluiu como na petição inicial.
Foi ordenada a apensação dos dois processos, junta certidão da sentença, transitada em julgado, que declarou a insolvência da ré, e proferido despacho saneador-sentença que julgou improcedente a excepção de caducidade alegada, bem como todos os pedidos formulados pela autora.
A autora apelou e por acórdão de 15/11/11 a Relação de Coimbra, julgando procedente a arguição de nulidade por omissão de pronúncia acerca da alegada inexistência da assembleia/deliberação de 17/3/10, anulou a sentença e ordenou o prosseguimento do processo mediante a organização da base instrutória.
Cumprindo o determinado, a 1ª instância procedeu à selecção da matéria de facto assente e controvertida.
Realizado o julgamento e estabelecidos os factos foi proferida sentença, nos seguintes termos (transcrição): “Pelo exposto de facto e de direito, decide-se julgar as duas acções parcialmente procedentes e em consequência: I) declara-se a anulabilidade da deliberação de 17.03.2010 (acta nº52) e sua renovação de 1.06.2010 (acta nº54) na parte que alterou o segmento do artigo 7º do pacto social da Ré, passando a prever “sem direito de receber o valor da sua quota”, condenando-se a Ré a reconhecê-la com as consequências e efeitos legais.
II) Ressalvadas as alterações aos artigos 1º e 7º do pacto social, declara-se ainda a anulabilidade de todas as restantes deliberações da assembleia-geral de 1.06.2010 (acta nº54), condenando-se a Ré a reconhecê-la com as consequências e efeitos legais designadamente o cancelamento do respectivo registo; III) absolvendo-se a Ré de tudo o mais contra si peticionado na acção principal e apensa; IV) julgar improcedente o incidente de litigância de má fé e consequentemente absolver a Autora do respectivo pedido de condenação em multa e indemnização a esse título”.
Inconformada, a autora interpôs recurso de revista per saltum, nos termos do artº 725º, nº 1, CPC, formulando as seguintes conclusões: 1ª - Como decorre de fls 1 a 5 das precedentes alegações, tendo em conta o alegado nos artigos 33° a 45° da petição inicial da acção n° 70/10 e o pedido da al. b) dessa petição, essa acção, no que respeita àquele pedido, enquanto pedido principal - “ser declarada a inexistência da assembleia geral, bem como da acta e das deliberações ali em causa” - constitui uma acção especial de simples apreciação negativa.
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- O facto de a autora, com base nos factos alegados na petição inicial, ter pedido a declaração da inexistência da assembleia geral e das deliberações nela supostamente tomadas e a condenação da ré a reconhecer essa inexistência, não altera, no que respeita a este pedido de condenação, a natureza da acção, na medida em que isso é um mero efeito que decorre automaticamente e “ope legis” da declaração judicial da inexistência, não interferindo com a classificação da natureza e efeitos da acção.
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- Também o facto de a autora ter formulado outros pedidos de natureza subsidiária não impede que, quanto ao pedido principal da alínea b), a acção seja considerada de simples apreciação negativa.
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- Também nada impede a cumulação no mesmo processo de um pedido principal de apreciação e declaração negativa com um ou mais pedidos (subsidiários ou não) a que correspondam formas e regras processuais e de repartição do ónus da prova diferentes (artºs 470° do CPC anterior e 555°, n° 1 do novo CPC).
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- Por força dessa natureza da acção, quanto, concretamente, ao pedido principal da alínea b), de acordo com o disposto no artº 343°, n° 1 do CC, competia à ré o ónus de prova dos factos constitutivos e ou comprovativos da realização efectiva e real da assembleia geral em causa, pelo que, não tendo ela alegado nem provado factos nesse sentido, aquele pedido devia e deve proceder.
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- Mesmo que, porventura, se viesse a entender que a presente acção, no que respeita àquele pedido principal, não possa considerar-se de simples apreciação negativa, com as referidas consequências quanto à inversão do ónus da prova, sempre esta ocorreria no contexto particular da acção: porque só a ré está em condições de provar a realização, efectiva e real, da assembleia geral, e porque, consequentemente, essa prova é impossível para a autora.
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- Sendo a assembleia geral de 17/3/10 inexistente de facto e, por isso, para o mundo do direito, são necessariamente inexistentes as deliberações que lhe são atribuídas pela acta referida no art.° 8º da p.i. (a acta n° 52), acta que, também como consequência, é falsa.
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- Considerando que, como decorre do alegado a fls. 6 e 7 das precedentes alegações, uma deliberação social renovatória deve respeitar o essencial do conteúdo da deliberação renovada, à qual se passam a referir os efeitos jurídicos daquela, então, não tendo sequer existido a assembleia geral a que é imputada a deliberação que se quer renovar não pode falar-se em deliberação renovatória.
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- Ou seja, não tendo sequer havido assembleia geral da qual pudesse ter emergido a deliberação que se pretende renovar, é manifesto que essa deliberação não existiu, não foi proferida e, por isso, não pode ser renovada, razão pela qual a deliberação renovatória de...
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