Acórdão nº 331/04.0TAFIG-B.C1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução28 de Maio de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório Por acórdão de 8.1.2014, proferido nos autos, este Pleno fixou a seguinte jurisprudência: Nos termos do nº 7 do art. 8º do Regime Geral de Infrações Tributárias, sendo condenados, em coautoria material de infração dolosa, uma pessoa coletiva, ou sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada, e os seus administradores, gerentes, ou outras pessoas que exerçam de facto funções de administração, estes são civil e solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas ou coimas em que a pessoa coletiva, sociedade ou entidade fiscalmente equiparada for condenada, independentemente da responsabilidade pessoal que lhes caiba.

Desta decisão interpôs o Ministério Público recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional (TC), ao abrigo dos arts. 70º, nº 1, g), 75º-A, nºs 1 e 3, e 72º, nºs 1, a), e 3, da Lei do Tribunal Constitucional, invocando decisões anteriores daquele Tribunal que haviam julgado inconstitucional esse entendimento normativo, por violação quer do art. 29º, nº 1, quer do art. 30º, nº 3, ambos da Constituição.

Por decisão sumária de 18.3.2014, o TC decidiu julgar procedente o recurso, aplicando a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral constante do Acórdão nº 171/2014, de 18.2.2014, publicado no Diário da República, 1ª Série, de 13.3.2014, para cujos fundamentos remeteu. Este acórdão declarou a “inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do art. 8º, nº 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na parte em que se refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração pelas multas aplicadas à sociedade, por violação do art. 30º, nº 3, da Constituição”.

Transitada em julgado a decisão sumária, há que reformar a decisão deste Supremo Tribunal, em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade nela formulado, nos termos do art. 80º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional.

Colhidos os vistos e reunido o Pleno das Secções Criminais, cumpre decidir.

II. Fundamentação O acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 8.1.2014 tem a seguinte fundamentação: 1.

Tradicionalmente o direito penal pós-iluminista consagrava a regra da responsabilidade penal exclusiva das pessoas físicas[1]. Claramente o estabelecia o art. 28º do Código Penal de 1886[2].

Esta regra foi sofrendo erosão ao longo das últimas décadas, mercê da expansão da intervenção estatal na economia e da própria evolução da comunidade política para um “Estado de direito democrático e social”, o que determinou o aparecimento de novos bens jurídicos, de cariz supraindividual, que o Estado procurou proteger penalmente. Assim nasceu o “direito penal económico”, a par do “direito penal clássico”, que colocou a breve trecho a questão central da insuficiência da responsabilidade das pessoas físicas, e consequentemente da indispensabilidade da responsabilização penal das pessoas coletivas, para uma proteção adequada e efetiva dos novos bens jurídicos[3].

Embora o Código Penal de 1982, na sua versão originária, ainda estabelecesse o “caráter pessoal da responsabilidade” (art. 11º), contudo, esse preceito já continha uma ressalva “salvo disposição em contrário”, com o objetivo evidente de abrir as portas, embora a título excecional, à responsabilidade das pessoas coletivas.

Foi efetivamente o que sucedeu logo em 1984, com o DL nº 28/84, de 20-1 (crimes contra a economia e a saúde pública), que veio prever a responsabilidade criminal das pessoas coletivas e equiparadas no âmbito das infrações previstas no diploma (art. 3º), responsabilidade essa autónoma (e cumulativa) da responsabilidade individual dos seus agentes (nº 3 do mesmo artigo).

Esta regra (ou exceção) veio a alastrar a outros regimes jurídico-penais especiais, como os da criminalidade informática (art. 3º da Lei nº 109/91, de 17-8[4]), das infrações tributárias (art. 7º do RGIT), do terrorismo (art. 6º da Lei nº 52/2003, de 22-8), e do direito penal laboral (Código do Trabalho de 2003, art. 617º, na versão originária).

Por fim, em 2007, a Lei nº 48/2007, de 29-8, introduziu no próprio Código Penal a regra da responsabilidade das pessoas coletivas, embora restrita ao catálogo de crimes aí estabelecido (nova redação do art. 11º).

O princípio da responsabilidade penal das pessoas coletivas abriu, pois, caminho através do denominado “direito penal secundário” até romper as portas do dito “direito penal clássico”, e do seu diploma paradigmático: o Código Penal.

Sendo embora a responsabilidade penal das pessoas coletivas e a dos seus agentes autónomas e cumulativas (isto é, cada um é responsável por si, sendo portanto individualmente condenado e responsabilizado pela sua pena) elas não são absolutamente estanques ou incomunicáveis.

Na verdade, o art. 3º, nº 3, do DL nº 28/84, de 20-1, prevê a responsabilidade solidária, nos termos da lei civil, das pessoas coletivas pelo “pagamento das multas, coimas, indemnizações e outras prestações em que forem condenados os agentes das infrações previstas no presente diploma”.

Neste diploma é a responsabilidade das pessoas físicas que se “estende” às pessoas coletivas[5].

Já nos crimes de terrorismo, é a responsabilidade da pessoa coletiva que se comunica, no caso de ela não ter personalidade jurídica, aos associados (art. 6º, nº 6, da Lei nº 52/2003, de 22-8).

Por sua vez, o atual art. 11º do CP prevê a responsabilidade subsidiária das “pessoas que ocupem uma posição de liderança” pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa coletiva for condenada (nº 9), sendo solidária essa responsabilidade entre as várias pessoas responsáveis (nº 10); e, no caso de as multas ou indemnizações serem aplicadas a uma entidade sem personalidade jurídica, na falta ou insuficiência de património comum, responde solidariamente o património de cada um dos associados (nº 11).

Constata-se pois que a responsabilização penal das pessoas coletivas foi acompanhada por formas de comunicação da responsabilidade entre elas e os seus representantes ou agentes, num sentido, ou no outro, no pagamento de multas, coimas ou indemnizações.

Porém, essa corresponsabilização assume uma natureza exclusivamente civil, sendo umas vezes subsidiária, outras solidária[6].

Importa agora atentar no regime das infrações tributárias.

  1. Como se referiu, o art. 7º do RGIT prevê a responsabilidade penal das pessoas coletivas e equiparadas (nº 1), cumulativamente com a responsabilidade dos respetivos agentes (nº 3), exceto no caso de contraordenações (nº 4).

    Mas, a par da responsabilidade penal, o diploma prevê ainda, no art. 8º, a responsabilidade civil, mas apenas quanto ao pagamento de multas e coimas, sendo o teor do preceito o seguinte[7]: Artigo 8º Responsabilidade civil pelas multas e coimas 1 – Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas coletivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis: a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infrações por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa coletiva se tornou insuficiente para o seu pagamento; b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.

    2 – A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior é solidária se forem várias as pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência do património das entidades em causa.

    3 – As pessoas referidas no n° 1, bem como os técnicos oficiais de contas, são ainda subsidiariamente responsáveis, e solidariamente entre si, pelas coimas devidas pela falta ou atraso de quaisquer declarações que devam ser apresentadas no período de exercício de funções, quando não comuniquem, até 30 dias após o termo do prazo de entrega da declaração, à Direção-Geral dos Impostos as razões que impediram o cumprimento atempado da obrigação e o atraso ou a falta de entrega não lhes seja imputável a qualquer título.

    4 – As pessoas a quem se achem subordinados aqueles que, por conta delas, cometerem infrações fiscais são solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas ou coimas àqueles aplicadas, salvo se tiverem tomado as providências necessárias para os fazer observar a lei.

    5 – O disposto no número anterior aplica-se aos pais e representantes legais dos menores ou incapazes, quanto às infrações por estes cometidas.

    6 – O disposto no n.° 4 aplica-se às pessoas singulares, às pessoas colectivas, às sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e a outras entidades fiscalmente equiparadas.

    7 – Quem colaborar dolosamente na prática de infração tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infração, independentemente da sua responsabilidade pela infração, quando for o caso.

    8 – Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos dos números anteriores, é solidária a sua responsabilidade.

    Prevê o artigo diversas situações de responsabilidade civil de administradores, gerentes, e outras pessoas que exerçam funções de administração em pessoas coletivas, sociedades comerciais e outras pessoas fiscalmente equiparadas, pelo pagamento de multas e coimas aplicadas às pessoas coletivas.

    Para a solução da questão em análise, importa considerar especialmente os nºs 1 e 7 do artigo.

    No nº 1 prevê-se a responsabilidade subsidiária dos administradores das pessoas coletivas pelas multas e coimas em que estas forem condenadas quando for por culpa sua (dos administradores) que o património da condenada se tornar insuficiente para o pagamento das mesmas.

    Por sua vez, no nº 7, estabelece-se a...

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