Acórdão nº 2786/11.8TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2014
Magistrado Responsável | FERNANDES DA SILVA |
Data da Resolução | 28 de Maio de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.
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AA, com os sinais dos Autos, intentou - em 25 de Julho de 2011, no Tribunal do Trabalho de Lisboa - a presente acção, com processo comum, contra «BB, S.A.
», pedindo que: - Seja anulada a sanção disciplinar de advertência, que lhe foi aplicada pela R., e que a mesma seja declarada abusiva e retirada do seu registo disciplinar; - E, mais, que a R. seja condenada a indemnizá-la da totalidade dos danos materiais e morais (que o facto de ter intentado procedimento disciplinar, com a aplicação da inerente sanção, a necessidade de defesa no dito processo, bem como da interposição da presente acção judicial lhe causaram), em montante a fixar, posteriormente, nos termos do art. 569.º do Cód. Civil, sendo que o mesmo deve ser acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
Alegou para o efeito, em resumo útil, que lhe foi aplicada sanção disciplinar de repreensão registada, reputando todavia tal sanção de abusiva, por se ter limitado a exercer o seu direito de liberdade de expressão.
É jornalista conhecida e respeitada no meio.
É totalmente independente e contribuiu, com esse carácter, para o prestígio e sucesso da Ré.
Sente-se discriminada por a R. não ter exercido o seu poder disciplinar de forma semelhante com outros colaboradores que também expressaram, em público, e de forma mais vigorosa, a sua opinião sobre a R.
Sofreu danos morais, que ainda não pode concretizar, pretendendo que a R. a indemnize em conformidade.
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A Ré contestou.
Alegou, em síntese, que, sendo a A. sua trabalhadora, está contratual e legalmente obrigada a tratá-la com respeito, urbanidade e lealdade e a contribuir para melhorar a produtividade da empresa, sendo que o impacto público das declarações da A., estimada e acreditada pelo público, interfere com a medida das audiências do canal, com reflexos imediatos no mercado publicitário.
Sustentou, pois, que as declarações prestadas pela A. a um jornal diário são ofensivas da dignidade e da boa reputação dos jornalistas da Direcção de Informação e seus responsáveis.
Quanto à prática disciplinar na empresa, entende que está no seu poder discricionário definir o momento em que deixa de tolerar comportamentos para passar a punir para prevenção futura.
Entende que inexiste qualquer similitude entre a conduta da A. e a dos demais jornalistas com os quais se compara, aduzindo ainda que a A. teve oportunidade de desmentir as suas afirmações, mas nunca o fez.
E, mesmo que as imputações fossem verdadeiras, ainda assim estava vedado à A. divulgá-las.
Nega ter causado quaisquer danos à A.
A A. respondeu, sustentando a sua versão.
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Saneada e discutida a causa, proferiu-se sentença, que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a R. dos pedidos contra si formulados.
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Inconformada, a Autora interpôs recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão unanimemente prolatado, com data de 18.12.2013, deliberou julgar parcialmente procedente a impugnação, declarando nula a sanção disciplinar de advertência, aplicada à A., condenando consequentemente a R. a apagar a mesma do seu registo biográfico.
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É a R. que, irresignada, ora nos traz a presente Revista, cuja motivação remata com a formulação deste (copioso) quadro conclusivo: 1.
O Tribunal recorrido acordou em declarar nula a sanção disciplinar de repreensão registada aplicada à Autora, ora Recorrida, e em condenar a Ré, ora Recorrente, a apagar a mesma do registo biográfico daquela, revogando, nesta parte, a sentença que absolvera a Recorrente da totalidade dos pedidos formulados.
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O Acórdão recorrido não procedeu ao adequado enquadramento jurídico da referida questão, e daí o presente recurso com o qual se pretende ver aquele revogado exactamente e, apenas, nessa parte.
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Os Excelentíssimos Juízes Desembargadores da Veneranda Relação de Lisboa fizeram errada interpretação e aplicação da lei, em especial, dos artigos 128.°, 328.° e 330.° do Código do Trabalho, como não poderão Vossas Excelências deixar de concluir, a final.
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A conduta da Recorrida - sobejamente descrita e assente nos autos - constitui infracção disciplinar grave, por violação culposa dos seus deveres laborais (in casu especificamente contratualizados) de sigilo e lealdade, respeito, urbanidade, de preservação dos bom-nome e reputação da sua entidade patronal, do seu superior hierárquico e colegas de trabalho; viola, ainda, o dever de guardar lealdade ao empregador, não divulgando informações referentes à sua organização e promover e executar todos os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, conforme previsto e em violação das alíneas a), f) e h) do n.º 1 do artigo 128.° do Código do Trabalho e do artigo 5.°, n.ºs 1 e 6, do seu contrato de trabalho.
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A sanção aplicada de repreensão registada está plenamente justificada, sendo adequada e proporcional à gravidade da infracção cometida.
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A Recorrida foi admitida ao serviço da Recorrente em 15 de Maio de 2000, como jornalista, dependendo hierarquicamente da direcção de informação da Recorrente.
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A Recorrida é notoriamente uma conhecida jornalista, destacada figura pública e alvo de atenção mediática popular, indubitavelmente associada à BB, ora Recorrente (ponto 65 dos factos assentes).
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A Recorrida e a Recorrente reduziram a escrito um contrato de trabalho sem termo.
Entre outras estipulações, ficou no n.º 1 da sua cláusula 5.ª expressamente consignada, secundum legem, a obrigação, que ambas as partes assumiam, de observar os deveres que para elas resultavam dos artigos 19.° e 20.° do regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-lei n.º 49 408, de 24.11.1969.
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Entre os quais o dever de a Recorrida respeitar e tratar com urbanidade e lealdade (al. a) do n.º 1 do art. 20.º daquele diploma) o seu empregador, aqui Recorrente.
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E o dever de guardar lealdade à mesma, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ela, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios (al. d), do n.º 1 do art. 20.º do mesmo diploma).
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E ainda o de promover ou executar todos os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa (al. f) do n.º 1 do art. 20.º do sobredito regime).
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Tais deveres mantêm-se vinculantes para a Recorrida também por força do Cód. do Trabalho, designadamente dos seus artigos 126.°, n.º 2, 128.º, n.º 1, alíneas a), f) e h).
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Acrescendo ao exposto, e voltando aos termos em que as partes se quiseram vincular, no n.º 6 da mesma cláusula as partes estabeleceram explícita e especialmente que seria considerada culposa a violação, pela Recorrida, dos seus deveres laborais de sigilo, lealdade, designadamente ofendendo ou por qualquer meio lesando ou diminuindo a imagem ou nome da Recorrente (ponto 56. dos factos provados).
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As empresas operadoras de televisão que produzem e difundem informação, seja em canal aberto, seja na rede de cabo, em Portugal e para o seu público nacional e internacional - incluindo em especial a Recorrente - encontram-se em situação de concorrência directa e disputam aguerridamente as respectivas audiências e mercados publicitários, que constituem uma das principais fontes dos seus proventos.
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Audiências essas que sobem, quando a percepção é positiva, e, pelo contrário, descem quando a mesma é negativa. Este facto, associado ao enorme mediatismo de que gozam os jornalistas de uma estação pública de televisão, foram determinantes para incluir especiais cláusulas referentes a sigilo e protecção do bom nome e imagem da Recorrente.
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Factos que a Recorrida tem perfeito e qualificado conhecimento, se comparado com o conhecimento de um bom pai de família.
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Na versão publicada pelo CC - o jornal com maior tiragem em Portugal (ponto 64. dos factos provados), no dia 3 de Março de 2011 – encontram-se em caixa destacada e citada entre aspas as seguintes frases imputadas à Recorrida e que estão na base da acusação disciplinar formulada pela Recorrente à Recorrida (ponto 65. dos factos provados): "Tem havido conselhos de redacção, mas prefiro não falar sobre isso"; "Acho que a BB tem muito a melhorar em termos informativos. Piorar, acho que é impossível"; "Gostava que começássemos a dar cartas, que deixássemos de seguir as páginas dos jornais e as notícias da rádio e passássemos a ser nós a fazer as páginas do dia seguinte"; "Estou na '...', um programa que foi vampirizado, literalmente, pelo '...' por causa das boas audiências que fazia e deixou de ter existência própria. Chegou a ter mais audiências do que qualquer '...
'.
Se calhar, o que o '...' tem de fazer é melhorar a sua informação." 18.
Na versão publicada pelo CC, encontra-se em caixa destacada e citada entre aspas a seguinte frase imputada à Recorrente: "Acho que a BB tem muito a melhorar em termos informativos. Piorar acho que é impossível".
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A expressão "Acho que a BB tem muito a melhorar em termos informativos. Piorar, acho que é impossível.
": esta é objectivamente lesiva da reputação da informação da BB, ora Recorrente, no que respeita à sua qualidade.
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Do mesmo modo que a expressão "Gostava que começássemos a dar cartas, que deixássemos de seguir as páginas dos jornais e as notícias da rádio e passássemos a ser nós a fazer as páginas do dia seguinte" lesa a reputação dos jornalistas que integram a direcção de informação, em especial dos seus responsáveis - de quem hierarquicamente depende - e, claro está, da própria Recorrente.
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Ambas as frases são ofensivas da dignidade e do direito à boa reputação profissional de todos os jornalistas da Direcção de Informação da BB e dos seus responsáveis.
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E violou, também, o dever de não ofender e não diminuir a imagem da Recorrente, dever este consagrado no seu Contrato de Trabalho, na Cláusula 5.ª, n.º 6.
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Consubstanciando uma conduta manifestamente desleal para com a Recorrente.
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Igualmente violadora dos deveres de lealdade e de urbanidade para com a...
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