Acórdão nº 2075/12.0TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução04 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 18 de Maio de 2012, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 2.º Juízo, 2.ª Secção, AA, de nacionalidade argelina e residente na Rua ..., freguesia dos ..., n.º …, r/c direito, … Lisboa, intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra a EMBAIXADA DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA E POPULAR DA ARGÉLIA, com sede na Rua Duarte Pacheco Pereira, n.º 58, 1400-140, Lisboa, pedindo que o seu despedimento fosse «declarado sem justa causa, logo ilícito», e a condenação da ré a pagar-lhe: (a) as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos; (b) uma indemnização, no valor de € 13.209, em substituição da reintegração; (c) € 3.774, respeitantes a férias, subsídio de férias e férias não gozadas, vencidas em 1 de Janeiro de 2011; (d) € 1.572,51, referentes aos duodécimos de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal pertinentes aos cinco meses que trabalhou no ano de 2011.

A ré contestou, invocando (i) não ter personalidade jurídica, sendo uma missão de representação da República Democrática e Popular da Argélia junto do Estado Português, e (ii) gozar de imunidade de jurisdição, por virtude do respectivo estatuto diplomático, pelo que devia ser declarada a incompetência internacional dos tribunais portugueses e a ré absolvida da instância, relativamente a todos os pedidos, tendo a autora respondido, pugnando pela improcedência da excepção deduzida.

Em 17 de Setembro de 2013, foi proferido despacho saneador com valor de sentença, que concluiu inexistir falta de personalidade jurídica ou judiciária, pois «as missões diplomáticas permanentes, nomeadamente as embaixadas, detêm funções de representação de um Estado estrangeiro acreditado noutro país, muito embora não sejam dotadas de autonomia jurídica em relação ao estado acreditado, pelo que se traduzem em entidades representativas do respectivo Estado soberano para os efeitos do disposto no art. 7.º do C. P. Civil», e, em seguida, acolheu o dispositivo seguinte: «Face ao exposto e nos termos dos preceitos legais supra indicados, decide-se: 1) Reconhecer a imunidade de jurisdição à Ré Embaixada em Portugal da República Democrática e Popular da Argélia em Lisboa na presente acção contra si instaurada pela Autora AA; 2) E julgar procedente a excepção de incompetência absoluta dos Tribunais Portugueses para preparar e julgar a presente acção e, consequentemente, absolver a Ré da instância.

Custas pela Autora, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.» 2.

Irresignada, a autora apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões: – A douta sentença recorrida considera os tribunais portugueses incompetentes, sem que seja considerada a “Declaração” junta à P.I. sob o Doc. n.º 2, nem o facto de a ora Recorrente ter autorização de residência portuguesa (e não um mero visto diplomático) e bem assim de ser contribuinte fiscal e da segurança social portuguesas; – A douta sentença recorrida, considera a impugnação de um despedimento ilícito um acto jure imperii e não jure gestiones, como de facto é; – A douta sentença recorrida deverá também ser considerada nula, tendo em conta que põe termo ao processo, sem se pronunciar sobre o mérito da causa, devendo para tanto, pronunciar-se não apenas sobre questões de competência jurisdicional, entenda-se, a competência do tribunal, mas também de substância.» A ré contra-alegou, propugnando no sentido da manutenção do julgado na decisão recorrida, tendo formulado as conclusões seguintes: «a) Dizem as presentes alegações respeito ao recurso interposto pela Recorrente da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo nos autos à margem identificados, que reconheceu e bem a imunidade de jurisdição à Recorrida, na acção contra si instaurada pela Recorrente, e julgou procedente a excepção de incompetência absoluta dos Tribunais Portugueses para preparar e julgar a referida acção e, consequentemente, absolveu a Recorrida da instância, pelo que deverá a sentença do Tribunal a quo ser confirmada pelo Tribunal de Recurso.

b) Ainda assim, também se deverá considerar que a pretensão ora deduzida pela Recorrente não poderá proceder, porquanto, conforme é sabido, e cumpre referir, a Recorrida não tem, em si, personalidade jurídica, sendo uma Missão da República Democrática e Popular da Argélia que tem, nos termos de artigo 2.º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, a qual entrou em vigor relativamente a Portugal no dia 11 de Outubro de 1968, entre outras funções, a função de representar a República Democrática e Popular da Argélia junto do Estado Português.

c) A imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros é considerada como princípio fundamental em Direito Internacional, o qual tem assegurada a sua recepção automática no Direito Interno Português, por via do artigo 8.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

d) A Recorrente pretende agora que a sentença do Tribunal a quo seja revogada e substituída por outra que declare a competência do Tribunal a quo para conhecer do mérito da causa.

e) Contudo, a pretensão ora deduzida pela Recorrente não pode proceder, porquanto, conforme é sabido, e cumpre referir, a Recorrida não tem, em si, personalidade jurídica, sendo uma Missão da República Democrática e Popular da Argélia que tem, nos termos do artigo 2.º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, a qual entrou em vigor relativamente a Portugal no dia 11 de Outubro de 1968, entre outras funções, a função de representar a República Democrática e Popular da Argélia junto do Estado Português.

f) Ora, como é sabido, a Recorrida goza de imunidade de jurisdição, em virtude do seu estatuto diplomático, pelo que os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer da acção objecto do presente recurso, imunidade de jurisdição que a Embaixada da República Democrática e Popular da Argélia, ora Recorrida invoca novamente de forma expressa.

g) O princípio da imunidade de jurisdição resulta também do artigo 2.º n.º 1 da Carta das Nações Unidas, que estabelece o princípio da igualdade soberana entre Estados.

h) Sendo que o corolário do princípio da igualdade dos Estados é o de que, em princípio, nenhum Estado pode julgar os actos de outro ou mesmo de um dos seus órgãos superiores, maxime, por intermédio de um dos seus tribunais, sem consentimento deste.

i) Este princípio encontra-se consagrado na jurisprudência internacional, inclusivamente pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

j) Com efeito, e conforme dispõe o artigo 31.º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, o agente diplomático goza de imunidade da jurisdição penal, mas também civil e administrativa do Estado receptor, salvo se se tratar de (i) acção real sobre imóvel privado situada no território do Estado acreditados, excepto se o possuir por conta do Estado acreditante para os fins da missão, (ii) acção sucessória ou (iii) acção referente a qualquer actividade profissional ou comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditador fora das suas funções oficiais.

k) Ora, as acções do foro laboral encontram-se abrangidas pela imunidade jurisdicional.

l) Só assim não seria se a Recorrida tivesse renunciado à imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos (artigo 32.º, n.º l da referida Convenção), o que não é o caso.

m) Ora, conforme dispõe o Acórdão de 12 de Julho de 1989 do Tribunal da Relação de Lisboa, se tal se verifica com os representantes do Estado, por maioria de razão se deverá verificar com o próprio Estado, bem como com as respectivas Embaixadas que o representam no Estrangeiro (artigo 3.º, a) da Convenção de Viena).

n) Além disso, estamos perante uma relação laboral entre uma cidadã Argelina e o Estado da Argélia.

o) Acresce que, na altura, a Recorrente foi contratada na Argélia pela Embaixada, para vir trabalhar para a Embaixada da República Democrática e Popular da Argélia em Portugal, tendo nesse momento a Embaixada tratado dos documentos para a entrada e permanência desta em Portugal.

p) Estando a Recorrente autorizada a permanecer em Portugal como Pessoal Auxiliar de Missão Estrangeira.

q) Devendo ser considerada como membro do Pessoal da Missão, nos termos do art. 1.º da referida Convenção de Viena, sendo assim, membro da Missão.

r) Assim, a Recorrente aquando da sua contratação, passou a fazer parte dos Membros da Missão, nos termos do disposto no art. 7.º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.

s) Pelo que, estamos perante uma relação jurídica à qual só poderá ser aplicada a legislação Argelina.

t) Desta forma, não se poderá nunca considerar estarmos perante uma relação privada. Estamos sim, no âmbito de um contrato essencial às próprias funções da Embaixada da República Democrática e Popular da Argélia em Portugal, porquanto, no exercício das suas funções, a Recorrente era a responsável pela preparação e confecção de toda a alimentação servida na Embaixada da República Democrática e Popular da Argélia em Portugal, e especialmente da Exma. Sra. Embaixadora e da sua família, que são funções de extrema relevância em qualquer Embaixada, nomeadamente no que à imagem pública da Embaixada e do País que a Missão Diplomática representa, diz respeito, bem como à saúde e segurança da Exma. Sra. Embaixadora, da Embaixada e dos que com ela contactam.

u) Resulta assim, que deverá ser confirmada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, reconhecendo-se a imunidade jurisdicional da Embaixada da Argélia, ora Recorrida e declarando a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses para conhecer da acção judicial objecto do presente recurso, absolvendo a Recorrida da instância quanto a todos os pedidos formuladas pela Recorrente.» Por despacho de 12 de Dezembro de 2013, a Ex.

ma Juíza Desembargadora Relatora, ao abrigo do...

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