Acórdão nº 124/07.3TBVFC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelGRANJA FONSECA
Data da Resolução29 de Maio de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam o Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA instaurou a presente acção declarativa de condenação para efectivação de responsabilidade emergente de acidente ocorrido no âmbito da actividade marítimo-turística, sob a forma de processo ordinário, contra BB - ..., C.R.L. e CC - …, L.

da, pedindo que as Rés sejam condenadas solidariamente a pagar ao Autor as seguintes verbas: a) - A título de rendimentos cessantes já verificados na data de instauração da presente acção, a quantia de € 61.396,92; b) - A título de reembolso das despesas suportadas pelo Autor com a assistência, consultas de fisiatria, sessões de fisioterapia e tratamentos, em consequência das lesões que sofreu no acidente, a quantia de € 603,00; c) - A título de rendimentos cessantes vincendos, calculados à razão mensal de € 1.000,00 por todo o período até que o Autor complete 65 anos de idade, a quantia de € 113.000,00; d) - A título de indemnização pelos danos não patrimoniais já sofridos pelo Autor, no valor de € 150.000,00; e) - Juros de mora, à taxa legal, contados sobre as importâncias pedidas nas alíneas anteriores, ou seja, sobre o total de € 324.999,92, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento; f) - Todas as despesas que o Autor vier a ter de suportar com os cuidados e assistência de fisioterapia e com a intervenção cirúrgica ou intervenções cirúrgicas que o Autor vier a necessitar fazer, pelo montante a liquidar oportunamente em execução de sentença; g) - A indemnização por danos não patrimoniais futuros, caso se demonstre que a capacidade física de locomoção ficou definitiva e inexoravelmente afectada pelo acidente dos autos, também pelo montante a liquidar em execução de sentença.

Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que, no dia 5 de Agosto de 2004, o Autor contratou com a Ré CC, operadora marítimo-turística, o serviço por esta realizado e promovido, designado “DD e EE”, o qual consiste numa deslocação ou passeio de barco para a observação da vida marinha selvagem, nomeadamente observação de cetáceos, nos mares fronteiriços a Vila Franca do Campo – Açores.

Segundo os prospectos, as referidas deslocações são efectuadas em embarcações semi - rígidas, com capacidade para 12 pessoas sentadas, incluindo o skipper e a guia, colaboradores da Ré CC, a quem incumbe a pilotagem da embarcação e a direcção técnica e científica da viagem, correspondendo os 10 lugares disponíveis para passageiros a cadeiras devidamente almofadadas, orientadas no sentido da marcha, de forma a proporcionar maior comodidade e segurança e atenuar o impacto do movimento da embarcação e ondulação.

A Ré CC admitiu, no passeio que o Autor com esta contratou, onze passageiros, acrescidos do skipper e da guia, solicitando, por isso, que um dos passageiros tomasse assento num banco de madeira, de reduzidas dimensões, situado na proa da embarcação, ou seja, orientado no sentido inverso ao da marcha da embarcação.

Esse banco foi utilizado por diversos passageiros que entre si se revezaram.

Por ocasião do regresso, o mar apresentava maior ondulação mas o skipper manteve, na volta, idêntica velocidade à que, na ida, imprimira à embarcação, não ignorando que, sendo utilizado o banco de madeira à proa por um dos passageiros, o impacto provocado pela ondulação poderia ter, pelo menos para este, consequências nefastas.

Na viagem de regresso, o banco de madeira era ocasionalmente ocupado pelo Autor, depois de ter sido utilizado como assento por outros passageiros.

Em dado momento, a proa da embarcação sofreu um violento impacto por força do embate numa contra – onda, tendo o Autor sido alvo de violento embate do próprio banco de madeira, tendo a forte pancada atingido o Autor quando este acompanhava o movimento da ondulação. Logo após o impacto, o Autor deixou de sentir as pernas, tendo tombado para o estrado da embarcação.

O Autor sentia fortes dores nas costas, tendo permanecido toda a viagem sentado no estrado da embarcação, amparado pelas pernas de um dos passageiros.

A viagem de regresso, após o acidente, demorou cerca de uma hora, tendo o Autor, ao chegar a terra, sido transportado de ambulância para o Centro de Saúde de Vila Franca do Campo e, em face da gravidade das lesões sofridas, foi, de seguida, transportado para o Hospital de Ponta Delgada.

Em conformidade com o diagnóstico efectuado, do acidente resultou para o Autor traumatismo vertebro-medular, com consequente paraplegia, tendo o Autor sido transferido para o Hospital de S. José, em Lisboa, onde foi submetido a intervenção cirúrgica em 9 de Agosto de 2004, na Unidade Vértebro - Medular.

Em 23 de Setembro de 2004, o Autor foi transferido para o Pavilhão N de Medicina Física e de Reabilitação do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, para recuperação, pois, apesar da intervenção cirúrgica, o Autor tinha equilíbrio sentado mas não tinha equilíbrio em pé e necessitava de ajuda parcial nas actividades da vida diária, e deambulava em cadeira de rodas.

Durante o período de internamento, teve uma infecção urinária e uma tendinite dos adutores da coxa esquerda, vindo-lhe a ser concedida, a 7 de Dezembro de 2004, alta médica no Hospital Curry Cabral, necessitando, porém, de efectuar tratamentos diários, neste hospital, em regime ambulatório, o que aconteceu ao longo do ano de 2005 até Julho de 2006, passando, a partir de Julho de 2006, tais tratamentos a serem efectuados três dias por semana.

Foram-lhe receitados tratamentos de reabilitação, designadamente, mobilização articular, fortalecimento muscular, treino de equilíbrio, técnicas especiais de cinesioterapia e correntes interdiferenciais, cujos custos são suportados pelo Autor, assim como vem frequentando, desde 2007, consultas de fisiatria, suportando os respectivos custos.

O Autor tem material de osteossíntese entre as vértebras D9 a LI para sustentar a coluna, mantém a paraplegia com diminuição acentuada da força nos abdutores das coxas, dos flectores dorsais, nos inversores, nos músculos tíbio - társicos e extensores dos pés. Faz marcha com o auxílio de duas canadianas.

Desde a data do acidente, o Autor vem sentindo grande tristeza, desânimo e frustração, e permanente sofrimento físico e psicológico.

À data do acidente, o Autor desempenhava as funções de Director Comercial, sendo a sua remuneração mensal integrada por um montante fixo e um montante variável, em função das comissões, auferindo, nos meses anteriores ao sinistro, uma remuneração mensal média de € 3.317,17.

A Ré CC, proprietária da embarcação a bordo da qual se registou o acidente dos autos, havia transferido para a Ré BB a sua responsabilidade civil, destinada a cobrir os danos decorrentes da sua actividade, causados aos utilizadores e a terceiros, por acções ou omissões suas, dos seus representantes ou das pessoas ao seu serviço.

Regularmente citadas, as Rés vieram contestar, defendendo-se nos seguintes termos: A Ré CC - …, L.

da é uma sociedade por quotas que tem por escopo principal a animação turística diversificada, promoção de serviços de índole cultural, desportiva, temática e de lazer e actividades conexas, onde se inclui a organização de viagens de barco para observação de cetáceos, actividade para a qual a Ré está devidamente licenciada e exerce-a desde 2001, possuindo, para esse efeito, duas embarcações, semi - rígidas (isto é, com um casco rígido em fibra de vidro e dois pneumáticos em ypalon-neoprene cheios de ar), cada uma das quais com dois motores externos de 115 cavalos.

As referidas embarcações encontram-se registadas na Capitania do Porto de Ponta Delgada, sendo ambas designadas por “FF”, divergindo na matrícula.

A embarcação que foi utilizada pelo Autor no seu passeio foi a designada “FF”, que tem uma lotação total de 14 pessoas, isto é, dois tripulantes e doze passageiros.

No dia 5 de Agosto de 2004, aquela embarcação era tripulada por um funcionário da Ré, habilitado com carta de navegador de recreio na categoria de Patrão de Costa, o qual que tem mais de dez anos de experiência de mar e, como auxiliar e a desempenhar as funções de guia, seguia uma funcionária da Ré, licenciada em Ciências do Mar/Biologia Marinha e habilitada com carta de navegador de recreio na categoria de marinheiro.

A embarcação "FF" dispõe de dois bancos longitudinais, com cinco lugares almofadados cada, orientadas no sentido Ré/Proa e ainda de dois lugares situados na parte traseira da embarcação, nos flutuadores, ambos juntos à consola de comando (situada na ré da embarcação) e em cada um dos bordos.

Os tripulantes da embarcação vão em pé, protegidos pela consola de comandos da embarcação.

Todos os passageiros que se façam transportar na embarcação são obrigados a viajar, sentados e com o colete salva vidas posto, desde o momento da partida até ao momento da chegada, tendo sido atribuído ao Autor um dos cinco lugares dos bancos longitudinais almofadados.

Nenhuma das embarcações da Ré está equipada com bancos de madeira, existindo à proa uma caixa (de proa), integrada no próprio casco da embarcação, em fibra de vidro, destinada a guardar a palamenta da embarcação (âncora, cabos de amarração, defensas ou bóias de protecção da embarcação, etc), e elementos de segurança, nomeadamente, estojo de primeiros socorros, very-ligths, etc., mas essa caixa não é utilizada como assento.

Em cada saída, e ainda na marina de Vila Franca do Campo, os tripulantes fazem circular uma ficha informativa com descrição das medidas de segurança que devem ser adoptadas durante o passeio, sendo os passageiros, ainda, informados, oralmente pela guia, das regras de segurança, da obrigatoriedade de permanecerem sentados nos respectivos lugares, da obrigatoriedade de seguirem as instruções e recomendações de segurança que são transmitidas pela tripulação.

Aquela saída, em que seguiu o Autor, não foi excepção, tendo, no início da viagem, sido feito circular a ficha informativa e foram, oralmente, explicadas pela guia todas as regras de segurança que deveriam ser observadas.

O único momento da saída, em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT