Acórdão nº 234/09.2TTVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução28 de Maio de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 26 de Fevereiro de 2009 (consta, por lapso, «2008» no carimbo de entrada aposto na petição inicial), no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, 1.º Juízo, AA instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra RTP – RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, S. A., pedindo: a) que se declare nula a respectiva contratação sob o regime de trabalho temporário, seja pela inexistência de contratos de utilização, seja pela invalidade dos mesmos, seja pela sua permanência ao serviço da ré por período superior a dez dias entre os sucessivos contratos de utilização; b) a condenação da ré a reconhecê-lo como trabalhador subordinado, no âmbito de um contrato de trabalho, com início em Setembro de 2003.

Subsidiariamente, para o caso de se julgar válida a contratação sob o regime de trabalho temporário, pede a condenação da ré: i) a reconhecê-lo como trabalhador subordinado no âmbito de contrato efectivo, com início em Outubro de 2004, e, por via disso, a condenação da ré a pagar-lhe indemnização por férias não gozadas, no valor equivalente ao triplo das remunerações a que teria direito, subsídios de férias e subsídios de Natal vencidos e não pagos, respeitantes aos anos de 2004, 2005, 2006, 2007, proporcionais de 2008 e acréscimo de remuneração por isenção de horário, no valor global de € 32.383,35, acrescidos dos correspondentes juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação; ii) a reclassificá-lo na categoria profissional de editor de imagem, com efeitos a Maio de 2008, no Nível de Desenvolvimento II A, escalão de vencimento 23, a que corresponde a retribuição base de € 1.297; iii) a pagar-lhe, a título de diferenças salariais, a quantia de € 5.262, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação e até efectivo pagamento; iv) a comunicar à Caixa Geral de Aposentações a respectiva remuneração base, a partir de Maio de 2008, a considerar para cálculo da pensão de aposentação, pagando as devidas diferenças; v) a pagar-lhe as remunerações vincendas, na base da retribuição peticionada, calculadas sobre as retribuições salariais por ele auferidas, desde a data da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida.

A ré contestou, alegando, em síntese, não ter mantido com o autor qualquer relação contratual de trabalho subordinado até Maio de 2008, sendo que, no período entre Outubro de 2003 a Setembro de 2004, a actividade daquele foi-lhe prestada em regime de trabalho temporário válido e, no período subsequente a Outubro de 2004, a contratação do autor ocorreu, ocasionalmente, em regime de prestação de serviço, para fazer face a acréscimos pontuais de actividade. Mais invocou: que os créditos reclamados, vencidos até 28 de Setembro de 2004, prescreveram; que, no período subsequente, tem de se considerar abusiva a atitude do autor em vir negar um vínculo contratual que expressamente aceitou; que se deve considerar que os honorários acordados com o autor integram o valor de tudo o que lhe é devido, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal; que não resulta da matéria de facto que a pretendida falta de gozo de férias tivesse ocorrido por facto que lhe seja imputável; e, ainda, que o autor não tem direito a qualquer ajustamento da categoria profissional.

O autor respondeu à excepção de prescrição invocada pela ré.

Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em conformidade: i) julgou nulas as estipulações apostas para justificar a contratação sob o regime de trabalho temporário e reconheceu o autor AA como trabalhador subordinado da ré, ao abrigo de um contrato de trabalho efectivo, desde Outubro de 2003; ii) julgou improcedente a excepção de prescrição invocada pela ré; iii) reclassificou o autor, a partir de Maio de 2008, na categoria de editor de imagem, Nível de Desenvolvimento II A, com a retribuição mensal correspondente à prevista para essa categoria, no Acordo de Empresa em vigor, no valor de € 1.297; iv) condenou a ré a pagar ao autor as diferenças salariais devidas entre Maio de 2008 até à data da propositura da presente acção, no valor de € 5.262, acrescidos de juros pela mora no pagamento, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e a pagar-lhe as remunerações vincendas com base na retribuição mensal no valor de € 1.297; v) condenou a ré a pagar ao autor € 4.972,02, a título de subsídios de férias e de Natal, e juros de mora, sobre essa quantia, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo a ré quanto ao mais peticionado.

  1. Irresignada, a ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que julgou o recurso parcialmente procedente, tendo condenado a ré «a reclassificar o A., desde o dia 12/05/2008, na categoria de Editor de Imagem, com o Nível de Desenvolvimento II A, bem como a pagar-lhe todas as diferenças salariais vencidas e vincendas desde aquela data até ao trânsito em julgado do […] acórdão, correspondentes à diferença entre os valores efectivamente pagos e a remuneração mensal prevista na regulamentação colectiva aplicável, que à data e durante o primeiro ano de exercício era de 85% dessa remuneração, no montante de 1.102,00 € (mil cento e dois euros) mensais, acrescendo a essas diferenças juros de mora desde o primeiro dia subsequente à data de vencimento de cada uma das prestações em falta, até integral pagamento, à taxa legal, tudo a liquidar em execução de sentença», sendo que, no mais, revogou a sentença do tribunal de 1.ª instância.

    É contra esta deliberação que o autor se insurge, mediante recurso de revista, no qual formula o subsequente núcleo conclusivo: «I. A decisão recorrida, na parte em que julgou que não se estabeleceu entre as partes contrato de trabalho no período que mediou entre Outubro de 2003 e Maio de 2008, não deve manter-se pois consubstancia uma solução que não consagra a justa aplicação das normas e princípios jurídicos competentes.

    II. Os motivos constantes nos contratos de trabalho temporário e nos contratos de utilização — acréscimo excepcional da actividade da empresa — são falsos, não tendo qualquer correspondência com a realidade.

    III. A contratação do Recorrente não foi para fazer face a um acréscimo excepcional de trabalho, mas antes para responder a uma necessidade permanente da Recorrida quanto aos serviços de edição de imagem.

    IV. A aquisição do novo canal implicou a criação de novos programas para serem emitidos nessa estação, NTV; houve necessidade de pessoal para trabalhar nesse novo canal, mas já não resultou demonstrado que, com a aquisição do novo canal de televisão, a grelha dos outros canais já detidos pela Recorrente, nomeadamente, a RTP1 fosse reestruturada e tivessem sido criados novos programas para serem emitidos nos outros canais! V. O Recorrente não trabalhou só para o canal NTV, mas trabalhou, de igual modo, para a RTP1, detida pela Recorrida há largas décadas e em programas emitidos há muitos anos.

    VI. O Recorrente desempenhou funções nos programas “P...” e “P…” os quais são emitidos diariamente, com excepção dos fins-de-semana — vd. ponto 3 dos factos dados como provados — pela RTP1, o que constitui facto notório.

    VII. Acresce que a Recorrida colocou o Recorrente a desempenhar funções em programas desportivos, tais como jogos de hóquei, andebol, automobilismo, vólei, remo, jetski, futebol, Euro 2004, os quais eram exibidos pelo canal RTP1 e não pela NTV ou RTPN! VIII. Como se pode constatar dos contratos juntos a fls. dos autos e da materialidade dada como assente nos pontos 7 e 8 dos factos dados como provados, o trabalho que o Recorrente desempenhou para a NTV e RTPN está identificado como tal: “emissão dos programas da NTV1”, “emissão dos programas da RTPN” e o trabalho que desempenhou para os outros canais surge identificado pelo nome do programa! IX. O Recorrente não trabalhou em exclusivo para a NTV, bem pelo contrário, desempenhou funções no canal RTP1, detido pela Recorrida há largas décadas e em programas emitidos há muitos anos, pelo que a sua contratação não foi para acorrer a necessidades criadas com a aquisição da NTV! X. Aceitar que o acréscimo de trabalho com os programas da NTV pudesse justificar a colocação do Recorrente, para trabalhar noutros canais, detidos pela Recorrida há décadas, e em programas emitidos há largos anos, seria permitir a contratação ao abrigo do trabalho temporário para necessidades permanentes e fixas da empresa utilizadora, o que [é] absolutamente ilegal! XI. Considera o Tribunal a quo que a circunstância de constar no ponto 5, que o acréscimo da actividade da Recorrida, com início em 2002, “perdurou no tempo” torna verdadeiro o motivo aposto nos contratos, pois significa que as necessidades de trabalhadores foram surgindo ao longo do tempo, com a consolidação do projecto NTV.

    XII. A expressão “perdurou no tempo”, no contexto dos pontos 4 e 5 dos factos dados como provados e da globalidade da prova realizada, só pode significar que as necessidades de pessoal, motivadas pela aquisição do novo canal se iniciaram em 2002 e assim se mantiveram e mantêm na presente data! XIII. Com efeito, por não constar limite temporal após a expressão “perdurou no tempo”, só [se] pode entender que ainda hoje o acréscimo de trabalho se verifica, dado o crescimento da Recorrida com a compra da NTV! XIV. Resulta das regras de experiência comum, que não se faz um investimento tão elevado, de compra de um canal de televisão, se não houver um projecto amplamente estudado, com o tipo de programação previamente delineada, com determinação do público espectador alvo, entre outros aspectos de crucial importância.

    XV. Não é crível, como parece resultar do acórdão recorrido, que a Recorrida fosse adquirir um canal de televisão à experiência, ignorando se o mesmo fosse dar ou não resultados! XVI. O que não colide com os factos constantes dos pontos 4 e 5 dos factos...

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