Acórdão nº 11430/00.8TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelMARTINS DE SOUSA
Data da Resolução20 de Maio de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I.

AA S.A, com sede no Porto, incorporada por fusão em 2003, na sociedade BB – ... S.A, com sede em ..., ..., instaurou acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra CC, DD e EE, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade da autora sobre a construção levada a cabo pelos Réus, por via do instituto da acessão industrial imobiliária, nos termos do nº 3, do art. 1340º, do Código Civil, e os Réus obrigados a desocuparem a casa construída que ocupam ou quem esta ocupar, sita na ..., Rua ..., nº …, no Porto, totalmente livre de pessoas e bens, sob pena de serem condenados a ter que indemnizar a demandante em quantia a liquidar em sede de execução de sentença, e, por fim, autorizar a autora a proceder à demolição da área total da obra (cerca de 300 m2) construída pelos Réus.

Alega em resumo que adquiriu, pelo preço de 350.000.000$00/1.745.792,64 €, à FF, o prédio misto de que esta era dona e legítima proprietária dominado «...», no qual, com a autorização da mesma congregação, os RR. edificaram construção destinada a servir de casa de guarda.

E conforme o articulado, uma vez que a referida congregação transferiu toda a sua comunidade para Lamego, não ficando ninguém no convento, à excepção do guarda, ora 1º R. e da sua família os 2º e 3º RR. deixou de existir necessidade de guarda ou de casa destinada à habitação do mesmo, ficando a Autora mandatada para exigir a devolução do local ocupado pelos RR. ou aquisição das obras construídas, o que os demandados recusam, apesar da falta de título e sob pena de causarem à Autora enormes prejuízos por atrasos no desenvolvimento do projecto imobiliário previsto para o prédio com uma área total 18.158 m2 e, apesar do valor insignificante da construção levada a cabo pelos RR. numa área de 300 m2.

Citados os RR. contestaram, arguindo a ilegitimidade da A. e impugnando em parte, a factualidade alegada por esta. Invocam ainda abuso de direito por parte da autora.

Deduziram reconvenção pedindo que Réus/Reconvintes sejam reconhecidos como únicos e legítimos donos e proprietários da parcela de terreno em causa nestes autos, com a área de 300 m2, perfeitamente delimitada e murada, situada na extremidade do terreno da A., com entrada pela Rua ..., nº …, da freguesia de ..., Porto, decorrente do instituto de usucapião. Sem prescindir, e, subsidiariamente, pedem o seu reconhecimento como únicos e legítimos donos e proprietários da parcela de terreno identificada e em causa nesta acção, igualmente decorrente do instituto de acessão industrial imobiliária, contra o pagamento do correspondente valor do terreno à A., sempre inferior a 3.000.000$00, em qualquer dos casos a A. condenada a reconhecer os RR. como únicos e legítimos donos e proprietários da referida parcela de terreno, abstendo-se de qualquer outro acto turbador da legítima propriedade e posse dos RR. relativamente à mencionada parcela.

Houve réplica e tréplica.

Teve lugar, por falecimento da co-ré DD, a habilitação dos respectivos herdeiros.

Decorridos demais trâmites, teve lugar a audiência de julgamento e proferida a sentença, após apelação, foi ordenada sua repetição para produção, nomeadamente, de prova pericial.

Finda nova audiência, e, decidida a matéria de facto foi proferida sentença que julgou “a presente acção procedente, condenando, consequentemente, os RR. a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre a construção levada a cabo pelos RR. por via do instituto da acessão industrial imobiliária, nos termos do nº 3, do art. 1340º, do Código Civil, e os RR. obrigados a desocupar a casa construída que ocupam, por si ou outrem, sita na ..., Rua ..., nº …, no Porto, totalmente livre de pessoas e bens, sob pena de serem condenados a ter que indemnizar a A. em quantia a liquidar em sede de execução de sentença, e, por fim, autorizar a A. a proceder à demolição da área total da obra (cerca de 300 m2) construída pelos RR com obrigação de indemnizarem os RR no valor dessas obras ao tempo da incorporação , no montante de € 35.511,00 a actualizar, por referência ao ano de 1984, segundo os índices de preços no consumidor publicadas pelo Instituto Nacional de Estatísticas, até a data da presente sentença, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente sentença até efectivo e integral pagamento, mais julgando improcedente, por não provada, a reconvenção deduzida, absolvendo, em consequência a reconvinda dos pedidos a esse título formulados”.

Inconformados, dela recorreram os RR. CC e Outro mas viram sucumbir a apelação que foi julgada improcedente, confirmando a Relação do Porto a sentença recorrida.

É deste acórdão que vem interposta pelos mesmos RR., a presente revista cuja alegação é finalizada pelas seguintes conclusões: QUANTO À PRIMEIRA QUESTÃO 1 -Tendo em consideração a matéria das alíneas v), x) e z) dos factos assentes, o incumprido despacho de 0…., o disposto no CIC (Código da Igreja Católica) ou CDC (Código de Direito Canónico) – promulgado em 25/01/1983 e entrado em vigor em …, o Regime Concordatário estabelecido entre a República Portuguesa e a Santa Sé (de 1940), o referido no cân. 634 do CIC, o disposto no art° XIV dos decretos da Conferência Episcopal Portuguesa para a aplicação do novo CIC, 2 - E sendo certo que os institutos religiosos gozam de personalidade canónica autónoma, decorrendo daí a sua capacidade económica, assistindo-lhes a faculdade, nomeadamente, de alienação dos seus bens temporais, 3-O facto é que, para as alienações de valores superiores a Esc. 100.000.000$00 (à data da alienação dos imóveis em causa nos autos da assistente para a autora), actualmente de 300.000.000$00 (1.500.000,00 euros), sempre era (e é) necessária licença da Santa Sé, dada por escrito, especificando o acto concreto a que se destina, incluindo parecer dno respectivo Conselho e precedida de avaliação pericial e escrita (cfr., cân. 1291-1295 do CIC) – o que tudo era (à data da alienação) aplicável à assistente "Comunidade ...".

4 - Em consequência, a credencial exibida aquando da escritura (acto alienante) é, portanto, insuficiente para os necessários poderes de representação e validade da emissão da respectiva declaração negocial.

5 - No caso concreto, o notário público responsável pela outorga daquela escritura, teria sempre e em primeira linha de aferir da legitimidade do interveniente de direito canónico para o acto, devendo, nomeadamente, averiguar do respeito pelos controles canónicos e da validade da emissão da declaração negociai.

6 - O que não foi feito, pelo que o negócio jurídico celebrado é ineficaz na ordem jurídica interna portuguesa, e portanto incapaz para a produção de efeitos civis, por nulidade absoluta 7 - Tanto mais que o documento de fls. 189 não substitui tal licença nem foi feita prova de que tal documento tenha sido exibido ou arquivado no cartório notarial em causa.

8 - O artigo 406° n° 2 do Código Civil nem se aplica aos casos de nulidade, nem se aplica à situação "sub judice" de ineficácia do negócio de compra e venda (cfr., ainda, o art° 286 do mesmo diploma).

9 - Nos termos dos cânones 330 e sgs, especialmente os do 333° do CDC, do estipulado pela própria Conferência Episcopal Portuguesa (antes referido), do valor do negócio, e da falta de licenciamento pela Santa Sé, decorre que o negócio em causa é nulo, quer face à lei canónica quer face à lei civil.

10 - É nos estatutos e na própria lei canónica que se estabelece não só quais os órgãos que representam a entidade assistente mas também o modo como se forma a sua vontade.

11 - A vontade ou a declaração são, assim, imputáveis à pessoa colectiva, quando e só quando respeitem a lei e os Estatutos.

12 - Faltando a aludida licença da Santa Sé, a assistente Comunidade não formou a sua vontade para validamente dispor do seu património.

13 - Nos termos do art° 268° n°1, 245° e 246° do C. Civil, a declaração não produz qualquer efeito, pelo menos, em caso de falta de vontade.

14 - Se a declaração negocial não é pronunciada por quem tem o poder de a emitir, a declaração negocial não pode ser imputada ao declarante.

15 - Não tendo sido emitida a declaração negociai, com a referida licença, o negócio efectuado pela Assistente com a Autora não pode existir como sendo um negócio da Igreja.

16 - E como tal é inexistente; e, sendo inexistente, não produz qualquer efeito; não existindo como negócio dela (inexistência, nulidade essencial, e não ineficácia, nulidade relativa).

Acresce que, 17 - Por força do art° 65°-A do CPC e do disposto no art° 8° n° 2 da Constituição, se o tratado internacional, a que o Estado Português se vinculou, determina e regula determinados pressupostos para que sejam válidos contratos relativos a imóveis, tal significa que a lei interna ordinária deve respeitar tal compromisso internacional, e ser consequentemente interpretada de harmonia com as implicações que dele resultam.

18 - De acordo com a "Concordata" (designação do tratado internacional celebrado entre a Santa Sé e o Estado Português), este está obrigado a ter em conta o direito canónico às situações nele contempladas, ainda que, como no presente caso, através da jurisdição ou órgãos jurisdicionais estaduais (por força do citado art° 65º.A do CPC).

19 - Nomeadamente, as disposições do CIC 1 CDC antes referidas.

20 - Ao ter considerado válida e eficaz (designadamente quanto às partes dos presentes autos) a transmissão operada entre a comunidade das "...s" e a sociedade "AA" da denominada "...", violou a douta sentença recorrida o disposto no nos art°s 245, 246, 268 n° 1 e 286 do C. Civil, os cânones 330 e sgs (especialmente o 333), os cânones 638, 1291, 1295 e 1296 do CIC / CDC, o artigo 3° da Concordata, e o artigo 8° da Constituição da República Portuguesa.

QUANTO À 2a QUESTÃO: 21 - O direito de acessão imobiliária pertence, não à Autora, como ficou decidido, mas aos réus reconvintes (como se pretende seja decidido).

22 - O prédio (parcela de terreno) de que os réus-reconvintes...

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