Acórdão nº 39/12.3T4AGD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução07 de Maio de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. AA intentou ação especial para efetivação de direitos emergentes de acidente de trabalho contra BB, S.A.

    , pedindo a condenação desta a: “a) Suportar todas as despesas (…) conexas com o acidente e com a sua recuperação clínica, que até à data da P.I. se liquidam em € 5.594,81; b) Pagar todas as despesas que a A. venha a realizar, conexas com o acidente, a liquidar [posteriormente]; c) Assegurar todos os tratamentos e intervenções médicas e hospitalares que se justifiquem em resultado das sequelas do acidente; d) A pagar à A. pensão anual e vitalícia no montante de € 6.160,00, com início em 10.12.2010 (…).

    e) [A pagar] o montante de € 4.970,00, de indemnização proveniente dos períodos de incapacidade temporária absoluta (ITA) ainda não pagos pela Ré (…).

    f) [A pagar] o subsídio de elevada incapacidade, no montante de € 4.387,20 (…).

    g) [A pagar] prestação suplementar para assistência constante de terceira pessoa a 100%, para satisfação das suas necessidades diárias básicas (…).

    h) [No] pagamento das despesas suportadas com a readaptação da sua habitação, até ao limite de 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data do acidente (…).

    i) [A suportar] tratamentos regulares de Fisioterapia, para manutenção de força muscular dos membros superiores e inferiores.

    j) [A suportar] acompanhamento médico regular, nomeadamente de reabilitação e substituição dos meios técnicos, quando for considerado necessário.

    l) [A suportar] cadeira de rodas, mesa de transferência de e para a cadeira, de e para instalações sanitárias e leito.

    M) [A pagar], a título de Transportes a Tribunal (…) € 48.

    N) [A pagar] outro(s) montantes resultantes de despesas que ainda se encontrem por apurar.

    O) [A pagar] juros de mora, vencidos (…) e vincendos”.

    Alegou, para o efeito, que, no dia 7/9/2009, quando se encontrava a trabalhar subordinadamente para uma sociedade comercial que transferira para a Ré seguradora a respetiva responsabilidade, foi vítima de um acidente de trabalho, que lhe determinou incapacidade temporária e, a final, incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.

  2. A R. contestou, invocando a descaracterização do acidente, alegando que o mesmo foi exclusivamente causado por negligência grosseira da A.

  3. Foi proferida sentença, a julgar a ação improcedente.

  4. Interposto recurso pelo A., o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) declarou não escrito o constante do ponto 19 dos factos provados[1] e, julgando procedente a apelação, condenou a R. no peticionado.

  5. Deste acórdão interpôs a R.

    recurso de Revista.

  6. Contra-alegou a A., pugnando pela confirmação do julgado.

  7. O Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam.

  8. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC[2]), em face das conclusões da alegação de recurso, as questões a decidir são as seguintes:[3] 1.º – Se deve manter-se o decidido pelo TRC no tocante ao ponto 19 dos factos dados como provados na 1.ª instância.

    1. – Se o acidente em causa se deveu, exclusivamente, a negligência grosseira da A. (devendo, por isso, ter-se por descaracterizado).

  9. Cumpre decidir, sendo aplicável à revista o regime processual que no CPC foi introduzido pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, nos termos do art. 5.º, n.º 1, deste diploma[4].

    E decidindo.

    II.

  10. A matéria de facto fixada pela decisão recorrida é a seguinte (transcrição expurgada dos factos destituídos de relevância para a decisão): 1. A A. nasceu em …/…/19…(…).

    (…) 3. [A Autora] tinha a categoria profissional de trabalhadora indiferenciada.

    4. Auferindo a remuneração anual de € 7.700,00.

    (…) 6. No dia 7 de Setembro de 2009, pelas 11 horas e 45 minutos, na povoação de ..., Freguesia de ..., ..., a A. conduzia uma bicicleta a pedal, dentro do seu tempo de trabalho.

    7. Deslocando-se de uma propriedade da entidade patronal para outra propriedade da mesma entidade patronal, cumprindo ordens desta.

    8. Tendo o acidente em discussão ocorrido no trajeto normalmente utilizado entre as duas propriedades agrícolas e no período de tempo habitualmente gasto entre os dois locais de trabalho.

    9. Na ocasião, a A. circulava por uma rua que entronca com a Rua …, dentro da referida localidade de ....

    10. Enquanto pela Rua …, no sentido .../... (ou .../...), seguia o veículo automóvel pesado de mercadorias, matrícula ...PG (doravante designado abreviadamente por “...PG”), propriedade de “CC, Ld.ª”, com sede na Rua …, ..., conduzido por DD.

    11. Na rua em que circulava o velocípede conduzido pela A., existia um sinal de “Stop”, no entroncamento com a Rua ….

    12. Da rua donde provinha a A., não são facilmente visíveis os veículos que circulem na Rua …, no sentido .../... – em que seguia o ...PG.

    13. Existindo casas de habitação no referido entroncamento, que dificultam a visibilidade.

    14. A A. entrou no entroncamento sem parar.

    15. E fletiu para a sua esquerda, em diagonal, cortando a curva por dentro.

    16. Tomando a via (Rua …) pela metade esquerda, onde passou a circular, considerando o sentido .../..., que pretendia seguir.

    17. Por onde já passava o ...PG.

    18. Indo a A. embater com a roda da frente da bicicleta, contra a lateral direita do ...PG.

    19. (…)[5] 20. Tendo o embate ocorrido na metade direita da Rua …, considerado o sentido .../S. Mateus, por onde circulava o ...PG.

    21. A referida Rua Principal, donde provinha o ...PG, é uma reta com cerca de 80 metros de extensão.

    22. O condutor do ...PG circulava a uma velocidade entre os 45 e os 50 kms./hora.

    23. Tendo guinado para a sua esquerda e travado, logo que se apercebeu que a sinistrada se precipitava contra a lateral direita do camião.

    24. Imobilizando o ...PG cerca de 11,1 metros depois do local provável do embate.

    25. O ...PG deixou no local um rasto de travagem de 5,80 metros.

    26. O limite geral de velocidade no local é de 50 Km/hora.

    27. No momento do embate, não circulavam outros veículos no local.

    28. No local, a rua não tem passeios e é marginada por casas.

    29. Sendo a largura da faixa de rodagem de 5,20 metros.

    30. O piso da rua donde provinha a A., assim como o da Rua …, é alcatroado e encontrava-se em bom estado.

    31. Com alcatrão regular, limpo, sem areia nem terra.

    32. Na altura do acidente, a A. transportava um balde, pendurado no guiador da bicicleta.

    (…) III.

    (a) – Se deve manter-se o decidido pelo TRC no tocante ao ponto 19 dos factos dados como provados na 1.ª instância.

  11. A matéria de facto “não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”[6], pelo que as questões de direito que constarem da seleção da matéria de facto devem considerar-se não escritas (embora o NCPC não contenha norma correspondente à ínsita no art. 646º, n.º 4, 1ª parte, do anterior CPC, chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o atual art. 607.º, n.º 4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara os “factos” que julga provados).

    Embora só acontecimentos ou factos concretos possam integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão (“o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstratos com que os descreve a norma legal, por que tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste”[7]), são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum[8], verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes.

    [9] Vale isto por dizer, também na expressão de Anselmo de Castro, que “a linha divisória entre facto e direito não...

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