Acórdão nº 1253/07.9TVLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução07 de Maio de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – Relatório. “AA, S.A.”, intentou acção com processo ordinário, contra BB, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia de €120.931,28 - correspondente à indemnização por ela paga no âmbito da acção que correu termos contra si instaurada pelos pais do lesado em acidente de viação em que foi interveniente o Réu que na ocasião conduzia sob a influência do álcool -, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa supletiva legal aplicável aos créditos de que são titulares empresas comerciais, a contar da citação e até integral pagamento.

    O réu contestou impugnando a culpa na produção do acidente, e alegando que este se ficou a dever a velocidade excessiva do condutor do motociclo, considerando inverificado o pressuposto do direito de regresso, porquanto a taxa de álcool no sangue de que era portador não foi causa adequada do evento danoso.

    Realizado o julgamento, foi proferida sentença – cfr. fls.351 a 368 -, na qual se condenou o réu a pagar à autora a quantia de €120.931,28, acrescida dos juros de mora desde a citação.

    Interposto recurso de apelação pelo réu, por acórdão da Relação de Lisboa, de 14/02/2012 – cfr. fls.502 a 526 -, foi alterada a matéria de facto, e anulada a sentença, a fim do tribunal a quo proferir decisão sobre o quesito 8.º da base instrutória, sem prejuízo do disposto no art. 712.º, n.º 4, in fine, do CPC.

    Realizado o julgamento restrito à matéria constante do quesito 8.º, veio a ser foi proferida nova sentença – cfr. fls. 646 a 661- na qual a acção veio a ser julgada parcialmente procedente e o Réu condenado a pagar à Autora, “Companhia de Seguros AA, SA.”, a importância de € 60.465,64, a que deveriam acrescer juros de mora, desde a citação, ocorrida em 2.04.2007, de harmonia com o disposto no art. 805.º, n.º 1, do Código Civil, à taxa legal (relativa a créditos de que são titulares empresas comerciais).

    Na apelação interposta, veio, depois de coonestada a decisão da matéria de facto, a ser julgada “[parcialmente] procedente a apelação e, em consequência, revoga[da] a sentença recorrida na parte atinente à taxa de juros de mora, a qual é a estabelecida na lei para os juros de mora civis, sendo o mesma a 4% ao ano.” – cfr. fls. 770 a 797.

    Da decisão ora prolatada vem impulsado o presente recurso de revista, que o demandado/recorrente ceva com o quadro conclusivo que a seguir queda transcrito – cfr. fls. 827 a 843. I.A. – Quadro Conclusivo.

    1. Advém o presente recurso do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, na parte em que negou provimento ao Recurso de Apelação, interposto pelo ora recorrente, decidindo pela procedência, no caso sub judice, do direito de regresso da seguradora, e ora recorrida, contra o segurado, e ora aqui recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 19.º, alínea c) do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro, que dispõe que "satisfeita a indemnização, a seguradora tem direito de regresso contra o condutor se este tiver agido sob a influência de álcool", considerando que: i) Ao abrigo deste normativo o fundamento do direito de regresso se traduz no facto de o réu ter causado o acidente (do qual resultaram danos e o pagamento da indemnização subsequente) por ter agido sob a influência do álcool, exigindo-se à seguradora o ónus da prova do nexo de causalidade adequada entre a condução sob a influência do álcool e o acidente.

      ii) Para a determinação do que se considera causa adequada se utiliza um juízo de prognose posterior, sendo do conhecimento comum que o álcool influencia os comportamentos, actuando sobre o cérebro e que uma TAS de 1,86 g/l interfere nas capacidades e reflexos necessários à condução automóvel.

      iii) Em face das circunstâncias concretas envolventes do acidente dos presentes autos, o grau de alcoolemia apresentado pelo réu (o qual constitui um ilícito criminal) era de molde a determinar as infracções estradais e as falhas de condução (violação das regras de prioridade de passagem) cometidas por este, sendo razoável e previsível para um homem médio que aquela taxa era adequada a influenciar o acto de condução. Concluindo que há, assim, uma ligação causal entre o estado de alcoolemia do condutor e as deficiências e erros de condução que despoletaram o acidente ou seja que a taxa de álcool no sangue influenciou efectivamente o tipo de condução praticado funcionando como causa do acidente.

      iv) Na ordem natural das coisas, se o réu tivesse atentado na circulação do motociclo e não tivesse cortado a trajectória deste, em violação do direito de prioridade, o acidente não teria ocorrido. Pelo que se verificou o nexo de causalidade entre o facto e os danos.

      v) O que produz como consequência a obrigação de pagar à Recorrida, “Companhia de Seguros AA, S.A.” a importância de 60.465,64 €, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde a citação, ocorrida, em 02 de Abril de 2007, até integral pagamento.

    2. O artigo 19.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro (em vigor na altura em que ocorreram os factos em discussão no presente recurso) estatui que: "Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefaciente ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado.

      ” C) O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2002, de 28 de Maio (publicado no Diário da República, I Série A, de 18 de Julho de 2002) veio pronunciar-se sobre o âmbito de interpretação e aplicação da alínea c), do artigo 19.º, do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro.

    3. Pela sua relevância jurisprudencial e pela importância que este Acórdão Uniformizador tem para o caso sub judice dele se transcrevem os excertos seguintes: "Constituindo o direito de regresso um direito ex novo surgido com a extinção da obrigação para com o lesado e ficando a seguradora na posição de credora em relação ao segurado pela mesma ou diversa quantia, pelo mesmo motivo e pelo mesmo facto, o segurado terá o dever de pagar à seguradora o que esta despendeu se se verificar o fundamento do regresso. E este tem a sua razão de ser no facto e na medida em que o condutor tiver causado o acidente por influência do álcool...

      " E) "O direito de regresso no Decreto-Lei n.º 522/85 é uma circunstância específica em relação à responsabilidade da seguradora nos acidentes de viação [...] Não é qualquer fundamento de culpa do condutor que leva à existência do direito de regresso, mas só um dos incluídos no artigo 19.º do decreto-lei citado.

      [...] " F) "E porque de um direito especial se trata, o direito de regresso tem de ser demonstrado nos termos gerais de direito, uma vez que nenhuma disposição do Decreto-Lei n.º 522/85 veio afastar o regime geral da responsabilização, criando presunções, alterando o ónus da prova ou outro circunstancialismo que se desvie do regime geral.

      " G) "Posições diferentes, como o efeito automático ou o funcionamento da presunção, podiam conduzir a que, satisfeita a indemnização, o segurado estivesse sujeito a uma sanção civil (pagamento da indemnização, independentemente do grau de culpa, da sua inexistência ou até do acidente ter ocorrido por mero risco. Este efeito automático. espécie de responsabilidade objectiva. não é aceitável e só existe quando a lei o preveja. Temos ainda de ter em conta que pode até haver ausência de intervenção do segurado no processo que levou à atribuição da indemnização ao lesado com fundamento em condução sob a influência do álcool. Não resulta da lei nem é função do sistema reparador dos danos em direito civil uma solução cujo efeito derivaria de uma solução que representa uma sanção civil resultante do efeito da condução sob certo grau de alcoolemia sem a averiguação da culpa e do nexo entre o estado de alcoolemia e o acidente.

      H)"Sendo o fundamento do direito ao reembolso pela seguradora a condução sob o efeito do álcool, cabe a quem invoca o direito o dever de provar os pressupostos de que ele depende e no qual se inclui a existência de alcoolemia e do nexo causal dela com a produção do acidente (artigo 342.ºdo Código Civil)[…] " I) "Agir sob a influência do álcool é um facto relativizado. pois as circunstâncias em que a influência do álcool potencializa uma condução irregular varia de pessoa para pessoa: e nem o grau de alcoolemia podia ser fixado em termos de ser presunção segura de que fosse ele o causador da manobra que levou ao acidente.[...]" J) A justificação para a necessidade da prova do nexo de causalidade pelo autor entre a condução sob a influência do álcool e o acidente resulta dos próprios termos da alínea c) do artigo 19.º o Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro. É necessário que o demandado aja sob a influência do álcool e não apenas que ele conduzisse etilizado, nos termos previstos nas normas penais ou contra-ordenacionais.

      O grau de alcoolemia podia estar acima dos limites legais, o que seria fundamento para a condenação, em sede própria, no regime penal, como actividade perigosa. Mas uma tal condução pode não contribuir para o acidente. A expressão usada na lei “agido sob a influência do álcool”, é uma exigência relativa à actuação do condutor que não tem de ligar-se ao regime considerado legalmente susceptível de condenação penal. Diz a lei agir sob a influência do álcool e não estar sob a influência do álcool […]" K) «A alínea c) do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente. " L) Nos termos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2002, de 28 de Maio, a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool exige o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.

    4. ...

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