Acórdão nº 714/11.00TTPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2014
Magistrado Responsável | PINTO HESPANHOL |
Data da Resolução | 30 de Abril de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.
Em 6 de Maio de 2011, no Tribunal do Trabalho do Porto, Juízo Único, 3.ª Secção, o empregado bancário AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB – BANCO BB, S. A., pedindo que se declarasse que o vínculo jurídico-laboral firmado entre as partes é constituído e integrado pelo contrato de trabalho, feito em Lisboa, em 3 de Abril de 2003, e pelo complemento ao contrato de trabalho contido na carta da ré, de 3 de Abril de 2003, remetida ao autor e por este recebida, integrando a sua retribuição todas as prestações regulares e periódicas realizadas pela ré, em dinheiro e em espécie, e que englobavam a retribuição de base correspondente à categoria de subdirector, enquadrado no Grupo I, Nível 13, do ACTV do Sector Bancário, a isenção de horário de trabalho correspondente a 60% da retribuição de base, as remunerações complementares de € 500 e € 375, a atribuição de crédito à habitação até ao limite e nas condições do ACTV e a distribuição de viatura até ao limite de € 22.500, para uso exclusivo, incluindo a utilização particular, suportando a ré todos os encargos, incluindo a manutenção, seguros, combustível e portagens.
A ré contestou, invocando que, atentas as funções do autor, foi-lhe atribuída, aquando da sua contratação, uma viatura de serviço em regime de afectação pessoal, segundo dispunham as normas internas então em vigor, sendo que a carta de 3 de Abril de 2003 não formalizou a relação de trabalho, tanto mais que não foi resultado de negociação entre as partes, consubstanciando o meio utilizado para informar o autor sobre os termos e condições em que o contrato se iria desenvolver, pelo que a distribuição de viatura em causa não se pode qualificar como remuneração, antes configura a atribuição de instrumento de trabalho a ser utilizado em funções, nunca tendo sido concedido ao autor o direito à utilização de veículo automóvel para fins não profissionais que, a ter ocorrido, se ficou a dever a mera tolerância da ré.
E mais alegou que, face aos elevados prejuízos que vem apresentando e que são públicos, a ré reduziu os custos da estrutura, tendo o Conselho de Administração redefinido a política de atribuição, distribuição e utilização de viaturas, aprovando a Instrução de Serviço n.º 11/04 de 21 de Janeiro de 2011, pelo que a atribuição de veículo automóvel ao autor deixou de ser exclusiva, dado que os índices de negócio, rentabilidade e volume da clientela da agência em que trabalhava não o justificavam e, por isso, foi determinada a entrega da viatura automóvel que lhe estava afecta.
Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, (i) declarando que o vínculo jurídico-laboral celebrado entre autor e ré é constituído e integrado pelo contrato de trabalho, feito em Lisboa, em 3 de Abril de 2003, (ii) integrando a retribuição do autor a retribuição de base correspondente à categoria de subdirector, enquadrado no Grupo I, Nível 13 do ACTV do Sector Bancário, a isenção de horário de trabalho correspondente a 60% da retribuição de base, as remunerações complementares de € 500 e de € 375, sendo estas contra a apresentação de despesas correspondentes, absolvendo a ré do mais peticionado.
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Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação do Porto, o qual julgou o recurso de apelação parcialmente procedente e revogou a decisão recorrida, na parte em que absolveu a ré da declaração judicial de que o vínculo jurídico-laboral do autor é constituído e integrado pelo contrato de trabalho feito em Lisboa, em 3 de Abril de 2003, e pelo complemento ao contrato de trabalho plasmado na carta da ré de 3 de Abril de 2003, remetida ao autor e por este recebida, e na parte em que absolveu a ré da declaração judicial de que a distribuição de viatura até ao limite de € 22.500, para seu uso exclusivo, incluindo a sua utilização particular, suportando a ré todos os encargos, incluindo a manutenção, seguros, combustível e encargos integra a sua retribuição, substituindo-a, nesses segmentos, por deliberação que declarou que o vínculo jurídico-laboral do autor é constituído e integrado pelo contrato de trabalho feito em Lisboa em 3 de Abril de 2003 e pelo complemento ao contrato de trabalho plasmado na carta da ré de 3 de Abril de 2003, remetida ao autor e por este recebida, e que a distribuição de viatura até ao limite de € 22.500, para uso exclusivo do autor, incluindo a sua utilização particular, suportando a ré todos os encargos, incluindo a manutenção, seguros, combustível e encargos, integra a retribuição do autor.
É contra esta deliberação que a ré se insurge, mediante recurso de revista, no qual formulou as conclusões que se passam a transcrever: «1. Vem o presente recurso interposto da sentença [que] considerou que a viatura atribuída pelo Recorrente ao Recorrido constituía retribuição (necessariamente em espécie).
2. A atribuição teria de corresponder a uma obrigação assumida pelo empregador, pois se a utilização do veículo para fins pessoais não corresponder a um verdadeiro direito do trabalhador, resultando apenas de um acto de mera tolerância da entidade empregadora, faltar-lhe-á a obrigatoriedade indispensável ao reconhecimento da natureza retributiva.
3. Resulta dos factos provados que essa eventual vinculação tem suporte no entendimento do Recorrente sobre as funções que o Recorrido ia desempenhar, a sua categoria profissional seguindo regras previamente definidas, em instrução de serviço, no que respeita ao respectivo valor, limitando-se a carta endereçada ao Recorrido a reproduzir o que resultava de tais regras internas do Recorrente.
4. Do mesmo modo era o Recorrente que determinava quando e como atribuía as viaturas de serviço ao Recorrido, sem que o mesmo tivesse qualquer intervenção a esse propósito, nada relevando os seus desejos ou interesses.
5. Estando dado como provado que a atribuição das viaturas ao Recorrido seguiu os prazos constantes na Instrução de Serviço em vigor ao tempo da contratação, ou seja, 4 anos.
6. Estando também previsto na mesma Instrução de Serviço que a utilização da viatura poderia cessar após o decurso do período de 4 anos e tendo a última viatura sido atribuída ao A. em 2007, em 2011 era legítimo ao [recorrente] fazer cessar tal utilização.
7. Igualmente a assunção dos encargos com a viatura radica em instruções de serviço emanadas pelo Recorrente, não existindo qualquer vinculação especificamente atributiva ao Recorrido.
8. Note-se, de resto, que a dita “carta” nada refere quanto à atribuição de qualquer volume ou valor de combustível ao Recorrido, sendo também inteiramente omissa quanto aos encargos com a viatura atribuída ao Recorrido.
9. A viatura era da titularidade/posse do BB (cfr. os contratos de locação juntos aos autos) pelo que não pode relevar para a qualificação da mesma como retribuição do Recorrido que o Recorrente pagasse a respectiva manutenção, impostos e despesas associados.
10. Trata-se (o combustível e a manutenção da viatura e encargos associados) de prestações conaturais à própria titularidade/posse do veículo pela entidade patronal e integrantes da sua natureza como instrumento de trabalho, pelo que se não compreende quais os indícios qualificativos como salário que dos mesmos se pretendem retirar.
11. Caso contrário caberia a dúvida legítima se, tendo o Recorrido que suportar o referido encargo, não estaríamos na verdade perante um contrato de prestação de serviço, no qual os instrumentos de trabalho são da titularidade do trabalhador, correndo a respectiva manutenção por sua conta.
12. Estamos, pois, perante regalias de...
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