Acórdão nº 2525/11.3TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução30 de Abril de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. AA instaurou contra BB, Lda.

    , atualmente denominada CC, Lda.

    , ação declarativa, com processo comum, pedindo que seja declarada ilícita e de nenhum efeito a renúncia unilateral da ré às cláusulas 9.ª, 10.ª, 11.ª, 12.ª, 13.ª e 14.ª do aditamento ao contrato de trabalho outorgado entre as partes e, em consequência, que a mesma seja condenada a pagar-lhe, “a título de aplicação” das mesmas cláusulas, o montante de € 62 580,00, acrescido da quantia de € 28 000,00, correspondente à utilidade económica do veículo que ao mesmo estava atribuído, e da importância de € 12.000,00, a título de compensação por danos patrimoniais e por conta do dinheiro gasto pelo autor no veículo que lhe estava atribuído, tudo acrescido ainda de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

    Requereu ainda a condenação da ré no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, de montante não inferior a € 300,00 por cada dia de incumprimento da decisão judicial que vier a ser proferida.

  2. Para tanto, na matéria que releva para a decisão da Revista, alegou, em síntese: - Trabalhou ao serviço da ré, sob as suas ordens, direção e fiscalização, desde 12 de Outubro de 1998; - Exercia as funções correspondentes à categoria profissional de Diretor de Serviços e tinha a seu cargo a Direção Geral do Departamento de Produção Gráfica da ré; - Em 1 de Julho de 2002 a ré celebrou com o autor um aditamento escrito ao contrato de trabalho, que visou ”melhorar as contrapartidas de prestação da atividade do autor para a ré e atribuir, ao autor, prémios e retribuições que o compensassem pela prestação da sua atividade e evitassem que fosse prestar a sua atividade para a concorrência”; - Tal aditamento continha uma cláusula mediante a qual a ré se comprometia a pagar ao autor uma retribuição mensal correspondente a 100% do último vencimento mensal auferido por este durante o período de um ano contado da cessação do contrato de trabalho, por iniciativa do autor ou por despedimento (ainda que a ré invocasse justa causa), obrigando-se o autor, em contrapartida, a não prestar serviço, na qualidade de trabalhador subordinado, prestador de serviços, consultor ou outra, direta ou indiretamente, gratuita ou onerosamente, a qualquer outra empresa ou organização concorrente da ré; - Através de carta datada de 23 de Fevereiro de 2007, a ré comunicou ao autor a sua decisão de “renunciar” ao assim clausulado; - A cláusula em causa tinha sido outorgado em benefício das duas partes e a ré não invocou fundamento para a “renúncia”, pelo que o autor declarou por escrito não a aceitar; - Através de carta datada de 17.08.2010, o autor denunciou o contrato de trabalho, com pré-aviso de 60 dias, acionando a cláusula de não concorrência supra mencionada.

  3. A R. contestou, por impugnação, alegando, para além do mais, que o pacto de não concorrência foi firmado no seu exclusivo interesse, pelo que “prescindiu” legitimamente do seu cumprimento por parte do autor.

  4. Foi proferida sentença, a julgar a ação improcedente.

  5. Interposto recurso de apelação pelo A., o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), julgando-o parcialmente procedente, condenou a R. a pagar ao autor a quantia de € 62 580,00, “acrescida de juros de mora, desde a data da citação, e de juros à taxa de 5% ao ano”, a partir do trânsito em julgado da decisão.

  6. Deste acórdão interpôs a R.

    recurso de Revista, sustentando, em síntese, nas conclusões da sua alegação: - Excecionalmente, é legítimo ao empregador a fixação de cláusulas que limitem a liberdade de trabalho dos seus trabalhadores, uma vez terminada a sua relação laboral.

    - Foi neste contexto que, em 2002, foi fixada uma cláusula de não concorrência, para se efetivar após a cessação do contrato de trabalho do A., a qual lhe vedava o exercício da atividade profissional durante o período de um ano, para qualquer empresa ou organização concorrente da Ré.

    - Em 2007, deixou de se justificar a ameaça ou o risco de que o A. estivesse em condições de realizar efetiva e específica concorrência à Ré, pela razão de para si ter trabalhado (a designada "concorrência diferencial"), o que determinou a invalidade superveniente do pacto de não concorrência, dada a insubsistência de um dos seus pressupostos substantivos de validade.

    - Tendo passado a faltar os fundamentos da aplicação do regime excecional, voltou a vigorar a regra geral do direito e da liberdade de trabalho (arts. 47.º e 58.º, da CRP).

    - Pretender fazer do pacto de não concorrência um acordo legitimador da "inatividade", é fazer dele uma aplicação desviante, em sentido totalmente alheio à sua causa-função típica e aos interesses que se visam normalmente salvaguardar com a sua celebração, o que é contrário ao princípio da boa-fé e ao fim social e económico subjacente a tal pacto, em violação do artigo 334.º do Código Civil.

    - Nada na matéria de facto provada permite indiciar uma atuação premeditada, preordenada ou de má fé por parte da R. entre o momento da renúncia ao pacto de não concorrência, em Fevereiro de 2007, e a cessação do contrato de trabalho, por denúncia do A., em Agosto de 2010.

    - Esta denúncia teve como causa única e exclusiva o desacordo do A., relativamente à decisão da R. de promover a cessação do contrato de trabalho com dois trabalhadores do seu departamento.

    - O A. pretendeu usar a suposta validade do pacto de não concorrência como "arma de arremesso" contra uma decisão da R., com a qual se encontrava em desacordo.

  7. Contra-alegou o A., pugnando pela confirmação da decisão do TRL.

  8. O Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam.

  9. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC[1]), em face das conclusões das alegações, as questões a decidir são as seguintes:[2] – Se a ré tinha direito a renunciar unilateralmente ao acordado nas cláusulas 9.ª a 14.ª do Aditamento ao contrato de trabalho de 01.07.2002 (que consubstanciam uma cláusula ou pacto de não concorrência); – Em caso negativo, se o exercício do direito invocado pelo A. é abusivo.

  10. Cumpre decidir, sendo aplicável à revista o regime processual que no CPC foi introduzido pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, nos termos do art. 5.º, n.º 1, deste diploma[3].

    E decidindo.

    II.

  11. A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte (transcrição expurgada dos factos destituídos de relevância para a decisão): 1. O autor foi admitido ao serviço da ré em 12 de Outubro de 1998 para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Diretor de Serviços.

  12. Tinha a seu cargo a Direção Geral do Departamento de Produção Gráfica da ré.

    (...) 11. Em 1 de Julho de 2002 a ré e o autor subscreveram um escrito particular denominado “Aditamento ao Contrato de Trabalho” [constante de fls. 326 - 328 dos autos], com o seguinte teor: “(…) 9. No caso de cessação do presente contrato de trabalho, por iniciativa do 2.º outorgante [o A.] ou ocorrendo justa causa de despedimento, este obriga-se a, no prazo de um ano, não prestar serviço na qualidade de trabalhador subordinado, prestador de serviços, consultor ou outra, direta ou indiretamente, gratuita ou onerosamente, a qualquer empresa ou organização que seja concorrente do 1.º outorgante [a R.].

    (…) 11. Durante o período referido, o 1.º outorgante pagará ao 2.º outorgante uma retribuição mensal correspondente a 100% do último vencimento mensal auferido por este (…).

    (…)” 12. Este aditamento visou, além do mais, compensar o autor pela prestação da sua atividade e evitar que o autor fosse prestar a sua atividade para a concorrência.

  13. A ré tomou a iniciativa de promover a assinatura do aditamento ao contrato com o autor para garantir a sua permanência nos próximos cinco anos na empresa.

  14. A ré cumpriu com as obrigações assumidas com o autor no que se refere aos pontos 1 (um) e 2 (dois) do referido aditamento.

  15. Com data de 23 de Fevereiro de 2007, a ré enviou ao autor, que a recebeu, uma carta [contendo um documento intitulado “Declaração de Renúncia ao Pacto de Não Concorrência”, com o teor constante de fls. 330 - 331 dos autos].

  16. Através de carta datada de 12 de Abril de 2007, dirigida à ré, que a recebeu, o autor declarou não aceitar e não concordar com a declaração de renúncia supra mencionada [nos termos constante de fls. 333 dos autos].

  17. A ré respondeu, argumentando que era a única beneficiária de tal obrigação.

  18. O autor, através de carta registada com aviso de receção enviada à ré, que a recebeu, reiterou a sua não-aceitação da renúncia unilateral das mencionadas cláusulas do seu contrato de trabalho, considerando como válido o referido contrato de trabalho na sua totalidade.

  19. A ré acusou a receção desta carta e respondeu ao autor, mantendo a sua posição.

  20. O autor respondeu através de carta registada com aviso de receção, datada de 29.05.2007, reiterando a sua posição.

  21. Em Maio de 2008, não obstante ter dado sem efeito parte das cláusulas constantes do contrato de trabalho celebrado com o autor, a ré reconheceu a vigência de outras constantes do mesmo aditamento, procedendo ao cumprimento da obrigação constante do n.º 1 (um) do mesmo.

  22. A ré celebrou aditamentos ou contratos de trabalho semelhantes ao aditamento ao contrato de trabalho celebrado com o autor em 1 de Julho de 2002 com outros trabalhadores ao...

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