Acórdão nº 1071/10.7TBABT.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelGREGÓRIO SILVA JESUS
Data da Resolução29 de Abril de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista excepcional nº 1071/10.7TBABT.E1.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., nº ..., ….º andar, ..., intentou contra BB, residente na mesma morada, acção com processo ordinário, pedindo que: a) se condene o réu a reconhecer que o prédio urbano identificado na petição inicial é um bem próprio da autora; b) se condene o réu a reconhecer que tal prédio urbano foi construído com capitais da autora, com o apoio e donativos dos pais desta e dados exclusivamente a esta, e com os empréstimos junto do CC, S.A., pagos exclusivamente com o dinheiro do vencimento da autora; c) se declare extinto o direito de habitação constituído a favor do réu, e se condene este a deixar o imóvel, entregando-o, na parte que ocupa, livre e devoluto, à autora.

Alegou para tanto, e em resumo, que casou com o réu em 20/09/86, sob o regime da separação de bens, tendo tal casamento sido dissolvido por divórcio em 23/09/09, e no respectivo processo foi acordado que o direito a habitar a casa de morada de família era atribuído a ambos os cônjuges até à partilha ou venda da mesma, sendo que o réu ocupa uma parte da habitação.

O prédio rústico onde foi edificada a habitação fora-lhe doado em 09/08/99 pelos pais da autora, e essa edificação, cujo projeto foi entregue em nome da autora e custeado pelos seus pais, foi paga com recurso a empréstimos cuja amortização coube exclusivamente à autora, e com a ajuda dos pais desta, unicamente no interesse da mesma, nunca tendo o réu contribuído com qualquer quantia para tal fim.

Regularmente citado, o réu contestou, defendendo-se por impugnação, alegando, em resumo, que o prédio em causa foi construído com dinheiro de ambos, razão pela qual se trata de um bem de ambos, o que levou a que a autora aceitasse o acordo obtido na acção de divórcio, concluindo no sentido da improcedência da acção.

Replicou a autora, após o que foi proferido tabular despacho saneador e se procedeu à selecção da matéria de facto, tendo depois tido lugar a audiência de discussão e julgamento.

Decidida a matéria de facto, sem reclamação, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção, em consequência do que o réu foi absolvido de todo o peticionado.

Desta decisão apelou a autora, sem sucesso, uma vez que o Tribunal da Relação de Évora, por unanimidade, no seu Acórdão de 19/09/13, julgou improcedente o recurso confirmando a sentença recorrida (fls. 1138/1174).

Continuando inconformada, interpôs recurso de revista excepcional a este Supremo Tribunal, invocando o disposto no art. 672.º, nº 1, al. c) do Novo Código de Processo Civil introduzido pela Lei nº 41/2013, de 26/06, aceite pelo colectivo de Juízes que constituem a Formação mas no âmbito do correspondente art. 721.º-A, nº 1, al. c) do revogado Dec. Lei nº 303/2007, de 24/08.

Nas alegações que apresentou formula as seguintes conclusões: 1) O acórdão ora em recurso decidiu que mau grado o facto do prédio rústico, onde foi construído o prédio urbano em causa nos autos, ter sido doado apenas à autora, ora Recorrente, então casada com o réu, ora Recorrido, no regime de separação de bens, tendo-se provado que tal prédio foi construído com a contribuição financeira de ambos (que de resto pensavam estar casados no regime de comunhão de adquiridos), apesar de ser muito menor a contribuição do réu, deve tal prédio ser considerado como bem comum do (ex) casal, e o mesmo está em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo nº 1347/00, da 3ª Secção, que decidiu que no regime de separação de bens não pode haver bens comuns do casal, mas pode haver bens que pertençam a ambos os cônjuges em regime de compropriedade; 2) Neste acórdão decidiu - se que, no regime de separação de bens, cada um dos cônjuges conserva o domínio e fruição de todos os seus bens, presentes e futuros, podendo deles dispor livremente - artigo 1735.º do CC; 3) E ainda que, face ao princípio da imutabilidade do regime de bens do casamento resultante da lei, referido no artigo 1714.º do CC, que nunca os bens em questão - terreno e imóvel nele construído - poderiam pertencer à A a ao R. como bens comuns; 4) No acórdão em recurso decidiu-se que, apesar do terreno rústico ter sido adquirido pela Recorrente no regime de separação de bens, e do imóvel aí construído se encontrar registado exclusivamente em nome desta já no estado de divorciada (cfr. alínea I) dos Factos Assentes), ainda assim existindo uma muito menor contribuição financeira do Recorrido, o prédio em causa deve ser considerado como bem comum do (ex) casal, afastando-se a presunção derivada da inscrição registal dos imóveis, a qual pode ser elidida por prova em contrário; 5) Assim, esse Tribunal Superior terá que proferir novo Acórdão para dirimir as divergências entre um e outro, dado que perante uma mesma situação de facto de um ex casal que foi casado no regime de separação de bens e que construiu imóvel no terreno de um deles, se decidiu em sentido antagónico num e no outro; 6) Devendo prevalecer o entendimento defendido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, dado que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora viola o princípio da imutabilidade do regime de bens do casamento, resultante do artigo 1714.º do CC; 7) No caso concreto, como o Requerido não invocou no processo a verificação da situação de compropriedade por via da sua comparticipação para um fundo comum, resta-lhe recorrer-se do instituto do enriquecimento sem causa para se ressarcir da menor contribuição financeira para tal imóvel; 8) O acórdão ora em apreciação viola o contido nos artigos 1735.º e 1714.º, do Código Civil e deve ser revogado, dando-se provimento à pretensão da Recorrente, expressa na p.i. e em anteriores alegações de recurso, no sentido de ser reconhecida como única dona e exclusiva proprietária do prédio urbano identificado nas alíneas H) e I) da Base Instrutória, como, aliás, consta na respectiva Conservatória do Registo Predial.

Não foram oferecidas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

ªª As conclusões da recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 635.º, nº 4 e 639.º, nº 1 do Novo Código de Processo Civil – doravante NCPC) – consubstanciam uma única questão: se o prédio em causa é seu bem próprio ou bem comum do casal. ªª I I – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Vêm dados por assentes os seguintes factos: 1) A autora e o réu contraíram casamento civil em 20 de Setembro de 1986, sujeito a convenção antenupcial (al. A dos factos assentes).

2) Dessa escritura de convenção antenupcial, lavrada a 18 de Setembro de 1986, resulta que o casamento entre a autora e o réu foi celebrado no regime da separação de bens (al. B).

3) Correu termos um processo de divórcio sem consentimento, requerido pela autora, no 1° Juízo do Tribunal Judicial de ..., sob o nº 1132/09.5TBABT, contra o réu, sendo que esse divórcio foi convolado para mútuo consentimento, por sentença de 23 de Novembro de 2009, transitada em julgado a 09 de Dezembro de 2009 (al. C).

4) Tendo nesse processo de divórcio sido efectuados acordos nos termos seguintes: 1º - O direito a habitar a casa morada de família fica atribuído a ambos os cônjuges até à partilha ou venda da mesma; 2° - Prescindem reciprocamente de alimentos; 3° - Não há filhos menores (al. D).

5) Por escritura outorgada a 06 de Agosto de 1999, no Cartório Notarial de ..., exarada de fls. 18 a 18/v, do Livro …, DD e mulher EE doaram à autora, sua filha, por conta da quota disponível, um prédio rústico composto de vinha, com a área de 2.600m2, sito na ..., freguesia do ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ... e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 90° da Secção C (al. E).

6) Por manifesto lapso, do qual na altura a autora não se apercebeu, a doação foi feita a esta, mas ficou a constar da escritura como sendo casada com FF, ora réu, segundo o regime de comunhão de adquiridos (al. F).

7) Tendo como título a escritura de doação, a autora registou originariamente o prédio em seu nome, ficando a constar na inscrição ap. de 1999/09/02, por lapso, o mesmo regime de comunhão de adquiridos (al. G).

8) No citado prédio encontra-se edificada uma casa de rés-do-chão e 1º andar para habitação, com a superfície coberta de 257,50m2 e logradouro com 2.342,50m2, num total de 2.600m2 (al. H).

9) Esse prédio urbano encontra-se matricialmente inscrito sob o artigo …º da freguesia do ..., em nome da autora, sendo que, actualmente, esse prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº …, da freguesia de ..., com a seguinte composição: casa de rés-do-chão e 1º andar, para habitação, com logradouro, e aí, está actualmente inscrito, unicamente a favor da autora, pela Ap. 2 de 1999/09/02 e averbamento Ap. 1937 de 2009/12/30 (al. I).

10) Esse imóvel foi construído com base em projecto entregue na Câmara Municipal de ..., após 26 de Outubro de 1999, em nome da autora, tendo, mais tarde, em 04 de Abril de 2003, sido objecto de alterações, conforme memória descritiva e justificativa de fls. 52 a 63 (al. J).

11) Em relação ao citado projecto foi emitido, em nome da autora, pela Câmara Municipal de ..., o alvará de licença de construção da moradia, nº …/2000, em 07 de Abril de 2000 (al. K).

12) E, posteriormente, na sequência de alterações ao projecto, foi emitido, em nome da autora, o alvará nº …, em 03 de Outubro de 2003, com referência ao projecto nº …/99 (al. L).

13) Ao imóvel em causa foi atribuída a licença de utilização nº 64, passada pela Câmara Municipal de ... em 12/04/2004 (al. M).

14) Após o casamento, a autora e o réu foram viver para um apartamento sito em ... - Lote …, freguesia de S. ..., em ... (al. N).

15)...

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