Acórdão nº 246/12.9T2AND.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução29 de Abril de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB e marido, CC, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a restituir à autora a quantia de €40000,00, acrescida de juros de mora, a partir da citação e até integral pagamento.

Alega, para tanto, em síntese, como fundamento do pedido, que viveu, maritalmente, com DD, até ao falecimento deste, a 11 de agosto de 2010, que liderava todos os contactos com os bancos, seguradoras e entidades afins, enquanto que a autora tratava de toda a lide e de todos os assuntos inerentes à casa.

Com a morte do companheiro, a solidão, acrescida com problemas de saúde, fragilizaram-na, sob o ponto de vista psicológico e anímico, tendo-se os réus insinuado, junto da autora, aproveitando-se da situação de carência e da fragilidade emocional do momento, e passaram a acompanhá-la, inteirando-se do dinheiro que a mesma tinha, em várias instituições.

Confiava, então, cegamente, nos réus, que procuraram incutir-lhe medo quanto à segurança dos seus bens, e convenceram-na a pegar em todo o dinheiro que tinha em casa, isto é, €42000,00, e a depositá-lo numa conta que a instruíram a abrir, na agência de ... do BCP, assim o salvaguardando do interesse e acção dos ladrões, sendo certo que, mais tarde, se veio a aperceber que €40000,00 daqueles €42000,00, tinham sido depositados, na conta dos réus, em vez de o terem sido, na conta da autora, mas sem que tivesse conhecimento ou consciência de tal depósito na conta daqueles.

Na contestação, os réus concluem pela improcedência da acção, pedindo a condenação da autora como litigante de má fé, alegando, em suma, que os referidos €40000 lhes foram doados pela autora, como reconhecimento e agradecimento pela ajuda prestada na resolução de várias situações, junto dos bancos, CTT e outras instituições afins, e pela companhia que lhe fizeram, quer em vida, quer após a morte do companheiro, e que, só após desentendimentos havidos entre a ré e a empregada da autora é que esta manifestou arrependimento na doação que havia feito aos réus.

Na réplica, a autora conclui nos termos da petição inicial e pela improcedência do pedido de condenação por litigância de má fé.

A sentença julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os réus do pedido, absolvendo, igualmente, a autora do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação, na parcial procedência da apelação, decidido alterar a matéria de facto, conforme se indica em II. 2. g), supra, mantendo-se, no mais, o decidido, embora com diferente fundamentação.

Do acórdão da Relação de Coimbra, a autora interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, julgando-se a acção, procedente por provada, e condenando-se os réus no pedido, ou seja, a restituir à autora o montante de €40.000,00 (quarenta mil euros), acrescido dos juros que se venham a contar, desde a citação e até integral pagamento, apresentando as seguintes conclusões que se transcrevem, integralmente: 1a - O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto no art°. 671° n°. 3 "a contrário" do C. P. Civil, e é admissível, uma vez que o Acórdão da Relação de Coimbra de fls. 345 a 354 verso, proferido a 14/01/2014, embora decidindo alterar a matéria de facto nos termos referidos em II.2.g. daquela peça (não dando como provada a existência da doação), manteve, no mais, embora com diferente fundamentação, a decisão de primeira instância que absolveu os RR./ Recorridos dos pedidos contra eles deduzidos.

2a - O Tribunal de 1a Instância, na Sentença então proferida, fez assentar a sua convicção e decisão na existência de um acto de doação que a Autora teria feito aos RR. ... e desenvolveu a respectiva fundamentação, argumentação e decisão nessa vertente, com suporte no art°. 940° n°. 1 do C. Civil, concluindo que «Provou-se que o dinheiro (€ 40.000,00) foi depositado na conta dos RR. por vontade explícita da Autora que dele quis fazer doação a estes».

  1. - Uma vez alterada a decisão de facto, dando-se como não provada a matéria do quesito 47°, levada à al. 11) dos factos provados (ou seja não provada a existência de doação), deixou em absoluto de ter suporte a sentença de Primeira Instância que decidira pela absolvição dos RR. com fundamento na existência de uma doação que a Autora lhes teria feito.

4a - É, assim, face à alteração da matéria de facto, inadmissível a inflexão que o Acórdão Recorrido faz, para manter a decisão de absolvição de Primeira Instância, agora com fundamento na falta de demonstração do Enriquecimento sem Causa por banda dos RR.

5a - A este propósito o Acórdão revidendo apenas deu como provada a matéria das als. h) e cc) dos factos provados, referindo que foram depositados na conta dos RR. (ou da Ré), €40.000.00 (quarenta mil euros) que pertenciam à Autora.

6a - Da matéria levada aos factos provados d), e), s), f), g), p), q), r), t), u), v), w), x), y), z), aa), bb), cc), ee), ff), gg), hh), ii) e kk), decorre linearmente que a Autora tinha largas somas de dinheiro depositadas em instituições bancárias francesas, na própria casa e ainda depósitos em instituições bancárias portuguesas e aplicações financeiras, e que o DD (finado companheiro da Autora) deixou como herdeiros a esposa EE e sete filhos, pelo que com o óbito daquele, a Autora ficou bastante preocupada e apreensiva uma vez que nunca houve qualquer entendimento entre esta e os filhos do DD e a Autora não pretendia partilhar com os Herdeiros daquele os montantes existentes nas contas conjuntas com o mesmo quer nos bancos, quer nos correios.

7a - Os RR. conheceram a Autora e o companheiro DD, ainda em vida deste, através da empregada destes, FF e, após o óbito do DD, o Réu acompanhou a Autora a França para transferir o dinheiro ali existente em instituições bancárias para Portugal e a Autora pagou-lhe esses serviços.

8a - A partir do momento em que faleceu o DD, os RR. aproximaram-se mais da Autora, e moveram-lhe um assédio constante para que esta abrisse uma conta no Millennium BCP de ..., e juntasse aí todos os dinheiros que tinha em Portugal (em depósitos, títulos, ou em casa).

9a - Para o efeito os RR. deslocaram-se com a Autora à Agência do Millennium BCP da ... (onde a Autora já tinha conta) e aos Correios de ... (onde esta detinha títulos de aforro), ficando inteirados do dinheiro de que esta dispunha, e depois levaram-na (à Autora), que foram buscar à sua casa, e conduziram-na em Agosto de 2010 à Agência do Millennium BCP de ... para que ela abrisse aí uma conta solidária com a Ré (como alegadamente pretendia), sendo que os RR. já detinham contas abertas naquela dependência bancária onde ambos eram conhecidos.

10a - A Autora não tinha quaisquer laços, interesses ou contactos no Millennium BCP de ..., pelo que, embora abrindo ali uma conta em seu nome (e não conta solidária em seu nome e da Ré), não a utilizou, como resulta, para além do mais, dos factos provados t), bb) e cc) parte final.

11a - E facto que foram depositados na conta dos RR., ou na conta da Ré [als. h) e cc)], domiciliada em ..., €40.000,00 que pertenciam à Autora ... Mas, de toda aquela matéria, não resultou provado que a Autora, de consciente e livre vontade, como reconhecimento e agradecimento pela ajuda prestada na resolução de várias situações junto dos bancos, CTT e outras instituições afins, e pela companhia que lhe fizeram quer em vida, quer após a morte do companheiro DD os pretendesse gratificar, entregando-lhes a quantia de €40.000,00 ... Não se provou, assim, qualquer intenção da Autora de que a quantia depositada na conta do Millennium BCP de ..., fosse destinada aos RR., e lhes ficasse a pertencer ... Nem que esta (Autora) tivesse manifestado uma tal intenção ... Como também não ficou provado que os RR. tivessem feito qualquer declaração de aceitação daquela quantia nesse sentido (note-se que não houve nem se provou a doação).

12a - A factualidade tida por provada, por contraponto com a não provada, demonstra, de forma inequívoca, que houve uma deslocação patrimonial avultada da esfera de direitos da Autora para a dos RR., que não se reconduz a qualquer doação ... Pelo que sempre se mostraria verificado o enriquecimento sem causa dos RR., que beneficiaram de um acréscimo patrimonial à custa do correlato empobrecimento do património da Autora (A Autora ficou empobrecida no seu património pelo valor da quantia que depositou na conta dos RR. no Millennium BCP, enquanto estes ficaram enriquecidos pelo menos nesse montante, porquanto ficaram a ter na sua disponibilidade uma quantia que não lhes pertence) ... Tudo a determinar a condenação dos RR. a restituir à Autora, com fundamento no Instituto do Enriquecimento sem causa, a quantia que esta lhes entregou nos termos referidos supra e que resultam da factualidade tida por provada.

13a - O Autor que intenta acção fundada em enriquecimento sem causa não tem de provar um efectivo empobrecimento, bastando-lhe invocar e provar que aquele enriquecimento ocorreu à sua custa e carece de causa justificativa, e a Autora, face à factualidade tida por provada e levada ao Acórdão de fls. 345 a 354 verso, após alteração da...

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