Acórdão nº 805/10.4TBPNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Abril de 2014
Magistrado Responsável | FERNANDO BENTO |
Data da Resolução | 10 de Abril de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: RELATÓRIO No dia 29-07-2006, pelas 16,50 horas, nas imediações do entroncamento formado pela Avª ... com a Rua ..., na freguesia de ..., concelho de Penafiel, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos auto-ligeiro -BF, conduzido pelo seu dono, AA – cuja responsabilidade civil automóvel emergente dos danos causados pela circulação de tal viatura se encontrava transferida para a BB, Companhia de Seguros, S.A. – e o ciclomotor -PRD-, conduzido pelo Autor e proprietário, CC, do qual resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais para este último.
Imputando a responsabilidade pela eclosão de tal acidente a culpa exclusiva do condutor do auto-ligeiro, intentou CC contra a dita Seguradora, acção de processo ordinário no Tribunal de Penafiel, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a indemnização de 33.577,00 bem como a importância que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença quanto ao dano biológico, tudo acrescido de juros de mora desde a citação.
A Ré contestou por impugnação, negando a responsabilidade do seu segurado no acidente e alegando ainda que o Autor conduzia o ciclomotor com uma taxa de alcoolemia (TAS) de 1,25 g/l.
O Autor replicou.
Teve lugar a audiência preliminar e foi proferido despacho saneador com selecção da matéria fáctica relevante, discriminando-se a já assente da ainda controvertida.
Após audiência de julgamento e decisão da matéria de facto, foi proferida sentença que, com fundamento na responsabilidade objectiva, e na proporção do risco de 70% com que o auto-ligeiro contribuiu para o acidente, julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar ao Autor: a) a quantia de € 53,90, relativa à indemnização pelos danos patrimoniais (dano emergente) por si sofridos, com juros de mora à taxa de 4% desde a data da citação e até efectivo pagamento; b) a quantia de € 14.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais por si sofridos, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a citação e até integral pagamento; c) a quantia proveniente do por si alegado em 68 a 71 da petição inicial (relativamente ao dano biológico em função da IPG de que ficou a padecer por via da sequela das lesões físicas causadas pelo acidente), na proporção de 70%, cuja liquidação se relega ppara momento ulterior em incidente de liquidação de sentença.
A Ré apelou desta sentença, impugnando também a decisão proferida sobre a matéria de facto.
E, por acórdão de 12-11-2013, a Relação do Porto, depois de alterar a decisão sobre a matéria de facto, julgou procedente a apelação e absolveu a Ré do pedido, por entender o acidente imputável a culpa exclusiva do Autor.
Novo recurso, desta feita de revista para este STJ, interposto pelo Autor, sustentado, apesar da alteração da matéria de facto, a exclusividade da culpa do condutor do auto-ligeiro e, subsidiariamente, a repartição de culpas ou a repartição do risco entre os intervenientes.
A Ré contra-alegou em defesa da subsistência do acórdão recorrido.
Remetido o processo a este STJ, após a distribuição e o exame preliminar, foram corridos os vistos legais.
Nada continua a obstar ao conhecimento do recurso.
FUNDAMENTAÇÃO Matéria de Facto: Na Relação ficaram definitivamente assentes os seguintes factos: 1. A Ré, “BB, Companhia de Seguros, S.A.”, no exercício da sua actividade seguradora, celebrou com AA, um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º …, o qual garantia a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula -BF (...), em vigor no dia 29.07.2006.
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No dia 29.07.2006, cerca das 16:50 horas, na Av. ..., freguesia de ..., Penafiel, ocorreu uma colisão entre o veículo automóvel ligeiro com a matrícula -BF (...), conduzido pelo proprietário, AA, e o ciclomotor com a matrícula -PRD-, conduzido pelo Autor e proprietário, CC.
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Ambos os veículos seguiam na Avenida ..., no sentido de ... para ..., seguindo à frente o ciclomotor com a matrícula -PRD-.
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Na Avenida ..., a largura da faixa de rodagem é de 6,30 metros e no sentido de ... para ..., existe do lado esquerdo o entroncamento da Rua ....
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O Autor pretendia seguir pela Rua ... (resposta ao facto 1º da BI).
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O veículo -BF (...) seguia pela metade direita da Avenida ..., a uma velocidade de 40 a 50 km/h, e imediatamente à sua frente seguia o ciclomotor -PRD-, o qual circulava junto à sua berma direita, e a velocidade inferior, pelo que o condutor do -BF (...) decidiu proceder à sua ultrapassagem (resposta aos factos 79º a 84º da BI).
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Ligou o sinal luminoso da esquerda e certificou-se que nenhum veículo circulava em sentido contrário (resposta aos factos 85 e 86 da BI).
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E iniciou tal manobra, passando a circular pela metade esquerda da via (resposta ao facto 87 da BI).
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A Sem que nada o fizesse prever, o condutor do ciclomotor -PRD- virou à esquerda.
8.B (…) invadindo a metade esquerda da via.
8.C (…) cortando a linha de marcha do -BF (...).
8.D (…) a menos de 5 metros do veículo.
8.E (…) impossibilitando o condutor do veículo -BF (...) de accionar os travões.
8.F O condutor do ciclomotor -PRD- efectuou a manobra de virar à esquerda sem efectuar qualquer sinal.
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Tendo ocorrido o embate referido em 2. entre a parte lateral esquerda do ciclomotor do Autor e a frente do veículo -BF (...) (resposta aos factos 7 e 9 e 88 a 92 da BI).
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e atingiu o Autor na perna esquerda (resposta ao facto 10 da BI); 11. e provocou a sua queda no chão (resposta ao facto 11 da BI); 12. e na sequência desse embate e queda, o Autor sofreu fractura exposta dos ossos da pena esquerda (grau I G-A) (resposta ao facto 12 da BI); 13. e foi transportado ao Serviço de Urgência do Hospital Padre Américo onde foi submetido, nesse dia, a intervenção cirúrgica à perna esquerda para encavilhamento estático com ETN e aí esteve internado até ao dia 31.07.2006, altura em que teve alta hospitalar com orientação para a consulta externa (resposta aos factos 13 a 16) da BI).
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Sempre que sentado ou deitado tinha necessidade de permanecer com a perna esquerda imobilizada e levantada (resposta ao factos 17 e 18 da BI).
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No seguimento da consulta externa, verificou-se um atraso de consolidação da fractura com desvio do fragmento distal, cujo tratamento implicava nova cirurgia à perna esquerda (resposta ao factos 20 e 21 da BI).
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No dia 28.02.2007 o Autor foi internado no Hospital Padre Américo para a realização dessa cirurgia, o que não veio a suceder por falta de tempo operatório, e devido ao Autor se encontrar em estado febril (resposta aos factos 22 a 24 da BI).
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E por isso teve alta hospitalar no dia 1-03-2007 (resposta ao facto 25 da BI).
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No dia 07.03.2007 foi novamente internado no Hospital Padre Américo para a realização dessa cirurgia (resposta ao facto 26 da BI).
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O que não veio a suceder devido ao Autor padecer de intercorrência infecciosa (resposta ao facto 27 da BI); 20. E por isso teve alta hospitalar no dia 08.03.2007 (resposta ao facto 28 da BI).
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No dia 04.07.2007 foi novamente internado no Hospital Padre Américo para a realização dessa cirurgia (resposta ao facto 29) da BI).
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E no dia 05.07.2007 foi submetido a cirurgia com anestesia geral (resposta aos factos 30 e 31 da BI).
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Nessa intervenção cirúrgica procedeu-se à extracção de ETN, descorticação, encavilhamento estático com ETN rimada, colocação de enxerto ósseo autólogo do ilíaco e sistema GPS (resposta ao facto 32 da BI).
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E aí esteve internado até ao dia 09.07.2007, altura em que teve alta hospitalar com orientação para a consulta externa de ortopedia (resposta ao facto 33 e 34 da BI).
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Manteve descarga do membro inferior até 26.11.2007 (resposta ao facto 35 da BI); 26. Ao menos quando sentado ou deitado manteve a perna esquerda imobilizada e levantada (resposta ao facto 36 da BI).
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Teve nesse período as seguintes consultas: em 13.07.2007, em 06.08.2007, em 17.09.2007 e 26.11.2007 (resposta ao facto 39 da BI).
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E depois desse período teve as seguintes consultas: em 24.03.2008, em 28.05.2008, 23.06.2008, 07.07.2008 e 01.09.2008 (resposta ao facto 40 da BI); 29. No dia 17.04.2008 o Autor foi submetido a nova cirurgia na perna esquerda (resposta ao facto 41 da BI).
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E nessa intervenção cirúrgica procedeu-se à dinamização da vareta endomedular que lhe havia sido colocada na primeira cirurgia e permanecerá durante toda a vida do Autor (substituição da platina) (resposta aos factos 42 a 44 da BI).
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Aí esteve internado até ao dia 18.04.2008, altura em que teve alta hospitalar (resposta aos factos 45 e 46 da BI).
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Teve alta médica em 27.10.2008 (resposta ao facto 50 da BI).
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Durante este período o Autor sofreu dores o que o impedia de dormir (resposta aos factos 52 e 53 da BI).
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As dores que sentia eram muito fortes (resposta ao facto 54 da BI).
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As dores agravaram-se nos períodos seguintes às intervenções cirúrgicas (resposta ao facto 55 da BI).
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Ainda hoje sofre dores (resposta ao facto 56 da BI).
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