Acórdão nº 327/06.8TTGMR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução10 de Abril de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

1.

AA deduziu contra BB ação declarativa, com processo especial, emergente de acidente de trabalho.

  1. No decurso da ação, foi fixada pensão/indemnização provisória a favor do Autor, suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), ao abrigo do disposto no art. 122.º, CPT.

  2. A ação foi julgada improcedente na 1.ª instância (por não se ter verificado um acidente de trabalho reparável), por sentença que, por outro lado, nada decidiu relativamente ao destino das quantias provisoriamente adiantadas ao A. pelo FAT (que, neste âmbito, nada peticionara nos autos).

  3. Interpuseram recurso de apelação o A. e o FAT (sustentando este Fundo que a sentença deveria ter determinado a restituição das quantias provisoriamente adiantadas ao A., com base em razões essencialmente idênticas às descritas em infra n.º 5), tendo ambos os recursos sido julgados improcedentes.

  4. O A. conformou-se com a decisão.

    Contrariamente, o FAT interpôs recurso de revista, sustentando, em síntese, nas conclusões da sua alegação: 1. O Fundo de Acidentes de Trabalho foi notificado para proceder ao pagamento de uma indemnização provisória diária e despesas com tratamento ao sinistrado, nos termos do disposto no artigo 122.º, do CPT, tendo liquidado, a esse título, a quantia de € 27 321,21.

  5. A sentença final entendeu que o acidente sofrido pelo sinistrado não é um acidente de trabalho, pelo que absolveu o Réu do pedido.

  6. Atendendo a que tal sentença não apreciou/decidiu quanto à condenação do Autor na restituição ao FAT das quantias por este adiantadas a título provisório, apresentou este Fundo recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

  7. Entendendo não haver caso omisso no art. 122º do CPT, o acórdão recorrido decidiu que, em caso de sentença absolutória, o Tribunal não tem de condenar no reembolso das pensões provisórias adiantadas, negando provimento ao recurso.

  8. O Tribunal recorrido entendeu ainda que, a existir caso omisso, seria de aplicar a situação prevista para os alimentos provisórios, não havendo lugar à restituição em caso de sentença absolutória, nos termos do art. 2007.º, n.º 2, C. Civil.

  9. Não prevendo o art. 122º do CPT a restituição das indemnizações e/ou pensões provisórias em caso de sentença absolutória, estamos perante um caso omisso, cuja reparação deverá ser preenchida com recurso à lei processual civil comum, nos termos do art. 1.º, n.º 2, do CPT.

  10. O procedimento cautelar que melhor se aplicará à situação das pensões provisórias, por evidenciar uma clara similitude com este, é o de arbitramento de reparação provisória (artigos 403.º a 405.º do CPC), estabelecendo o art. 405º, n.º 2, que na decisão final, quando não arbitrar qualquer reparação ou atribuir reparação inferior à provisoriamente estabelecida, condenará sempre o lesado a restituir o que for devido.

  11. Também a atribuição da pensão provisória em sede de acidentes de trabalho, cujo procedimento está previsto nos artigos 121.º e segs. do CPT, tem a natureza de um procedimento cautelar, destinado a restabelecer, provisoriamente, as condições económicas dos sinistrados ou beneficiários, desde que reunidos determinados requisitos.

  12. Perante esta similitude das tutelas cautelares em causa e atendendo à aplicação subsidiária do processo civil em processo de trabalho, nada obsta à aplicação ao direito processual infortunístico da norma constante do art. 405.º, n.º 2 do CPC.

  13. Não foram apresentadas contra-alegações.

  14. A Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que apenas respondeu o recorrente, reiterando as posições sustentadas na alegação de recurso.

  15. À presente revista é aplicável o regime processual que no CPC foi introduzido pela Lei 41/2003, de 26 de Junho (com exceção do regime da dupla conforme), nos termos do art. 7.º, n.º 1, deste diploma.

    [1] II.

    (Delimitação do objeto do recurso) 9.

    No plano da delimitação objetiva do recurso, há, antes do mais, que atentar que o mesmo abrange tudo o que na parte dispositiva da decisão for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3, do CPC[2]), o que, naturalmente, não se confunde com a argumentação/fundamentação que a antecede (a interposição do recurso é dirigida à decisão, em si mesma, e não aos seus fundamentos).

    É certo que o recorrente pode restringir o objeto do recurso. Mas isso apenas se a parte dispositiva da decisão contiver segmentos decisórios distintos (“decisões distintas”), caso em que o recorrente poderá especificar de qual deles recorre (art. 635º, nº 2).

  16. O tribunal ad quem deve resolver todas as questões que nas conclusões da alegação do recurso lhe são colocadas como fundamento do mesmo, excetuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, n.º 2, 1.ª parte, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º].

    [3] Inversamente, não pode conhecer-se senão das questões suscitadas, salvo se a lei o permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (2.ª parte do n.º 2 do sobredito art. 608.º).

    No entanto, como se compreende, o âmbito das questões a decidir abrange todos os pontos (sub-questões) que no caso concreto “condicionam ou são pressupostos da questão-fundamento”, pelo que, “admitido o recurso por um fundamento legalmente previsto, o S.T.[J.], como tribunal de revista, conhecerá da causa até onde o exija a conexão problemática das questões” [4] (embora sem ultrapassar o plano da “questão de direito”).

  17. Por outro lado, como é sabido, as questões a resolver não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocados pelas partes[5].

    Na verdade: estes últimos não vinculam o tribunal (que não está sujeito à alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, como dispõe o art. 5.º, n.º 3); e, só por si, são insuscetíveis de produzir caso julgado.

    [6] 12.

    Posto isto, in casu, em face das conclusões da petição recursória, a questão a decidir é a seguinte: tendo sido arbitrada pensão ou indemnização provisória no decurso da ação (emergente de acidente de trabalho), em caso de absolvição, deve na sentença determinar-se oficiosamente que o Autor restitua ao FAT o que a esse título lhe tiver sido prestado? Esta questão compreende dois eixos problemáticos distintos, um de natureza estritamente material (atinente a saber se existe, ou não, neste tipo de casos, “obrigação de...

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