Acórdão nº 2393/11.5TJLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução10 de Abril de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

O Ministério Público intentou acção declarativa, com processo comum sob a forma sumária, contra AA, S.A., pedindo: 1 - Seja declarado nulo o trecho, “sem prejuízo da sua eventual derrogação ou alteração efectuada por escrito”, constante do primeiro parágrafo do intróito do clausulado das “Condições Gerais” do “Contrato de Aluguer de Veículo Sem Condutor” que junta, bem como a cláusula 5ª, nº 4 e bem assim a passagem “bem como pela reparação das deteriorações e danos causados, qualquer que seja o motivo que os determine” da cláusula 8ª, nº 1 e ainda as cláusulas 13ª, nº 2, 11ª, 12ª, nº 1 e 19.ª, das mesmas “Condições”, condenando-se a Ré a abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar, especificando-se na sentença o âmbito de tal.

2 - A condenação da Ré a dar publicidade a tal proibição, e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ de página.

3 - Se remeta ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria nº 1093 de 6 de Setembro.

Fundamentando a sua pretensão, alega, em suma, que a Ré, no exercício da sua actividade, apresenta aos interessados, que com ela pretendam contratar, um clausulado impresso, previamente elaborado, em cujas “Condições Gerais” se incluem cláusulas submetidas à LCCG, algumas das quais proibidas, sendo por isso nulas, nos termos do artigo 12º da LCCG.

Nessas condições se encontrando as cláusulas e segmentos respectivos, visados no formulado pedido.

Contestou a Ré, invocando, antes da mais, a falta de interesse processual em agir do Autor, dado estarem em causa nos autos cláusulas relativas a um contrato de 2000, que não estão actualmente – nem para o futuro – em vigor e cujos efeitos já se encontram extintos, há muito, pelo que não tem qualquer sentido a continuidade da acção.

Acrescentou que, em qualquer caso, o contrato em análise não contém cláusulas contratuais gerais, pelo que lhe não é aplicável a LCCG, pois, se é certo que a ré tem um conjunto de «Condições Gerais» que utiliza nas negociações com os seus clientes, tendo em vista as celebrações dos contratos, essas cláusulas pré – impressas podem ser alteradas, modificadas ou eliminadas em resultado de negociações efectuadas entre a ré e o seu cliente, explicitando essa possibilidade negocial.

Sustenta, em qualquer caso, “a plena legalidade das cláusulas em questão”, e que a cláusula 19ª, relativa ao foro, é irrelevante, na medida em que as alterações ao Código de Processo Civil alteraram os normativos relativos ao foro e ao desaforamento.

Deduz ainda impugnação especificada, rematando com a total improcedência da acção “por inútil ou sempre por não provada”.

Houve réplica do Autor, sustentando a improcedência da excepção dilatória invocada e concluindo como na petição inicial.

O processo seguiu seus termos, com saneamento – julgando-se improcedente a arguida excepção – sendo dispensada a selecção da matéria de facto.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença, em que, na parcial procedência da acção, se decidiu: 1.1 - “Declaram-se proibidas, nulas, as seguintes cláusulas contidas no formulário - em sede de “Condições Gerais” - do contrato de aluguer de veículo sem condutor sob apreciação: a) - A cláusula 8ª, nº 1, na passagem “bem como pela reparação das deteriorações e danos causados, qualquer que seja o motivo que os determine”; b) - A cláusula 11ª, nº 1, que prevê que, “Para além das situações previstas no número 7 da Cláusula 9ª, o incumprimento pelo Locatário de quaisquer obrigações assumidas no presente Contrato, faculta à Locadora o direito de fundamentadamente o resolver, mediante carta registada com aviso de recepção ou, em alternativa, através de protocolo”; c) - A cláusula 19ª, nos termos da qual “Os litígios emergentes da execução deste Contrato serão dirimidos nos tribunais das comarcas de Lisboa ou do Porto, com expressa renúncia de qualquer outro, cabendo à parte demandante faculdade de exercer a respectiva opção”; 1.2 - Julgam-se “improcedentes as demais nulidades - de cláusulas - invocadas;” 2 - Condena-se a Ré a abster-se de utilizar a passagem da cláusula 8ª, nº 1, acima referida, bem como as cláusulas 11ª, nº 1, e 19ª em causa nos contratos - como o dos autos - que de futuro venha a celebrar; 3 - Condena-se a Ré a dar publicidade a tal proibição e a comprovar a mesma nos autos, no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado desta sentença, a concretizar através da publicação da parte decisória da sentença em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto durante três dias consecutivos, em anúncio de tamanho não inferior a ¼ de página; 4 - Dê-se cumprimento ao disposto no artigo 34º do D.L. nº 446/85, de 25 de Outubro, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria nº 1093, de 6 de Setembro”.

Inconformados, recorreram o Autor e a Ré para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 18/04/2013, decidiu: 1 – Julgar a apelação da Ré AA, S.A., totalmente improcedente.

2 – Julgar a apelação do Ministério Público parcialmente procedente e, em consequência, revogou a sentença recorrida, na parte em que julgou válida a cláusula 13ª, n.º 2, das condições gerais do contrato de aluguer de veículo sem condutor, reproduzidas a folhas 39, declarando, por sua vez, nula tal cláusula.

3 - Em consequência, condenou a Ré a abster-se de utilizar também essa cláusula em todos os contratos que, de futuro, venha a celebrar com os seus clientes e a dar publicidade à referida proibição, em anúncio de tamanho não inferior a ¼ de página, a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem, editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos e a comprovar nos autos essa publicidade, no prazo de vinte dias, subsistindo, no mais, a sentença recorrida.

Inconformada, recorreu a ré de revista, finalizando com as seguintes conclusões: 1ª - O objecto do presente recurso reside na parte em que ficamos vencidos, ou seja na parte em que o douto Acórdão recorrido declarou a nulidade de 4 cláusulas, parcialmente (8a, 11a, 13a e 19a) e prefigurou as mesmas como cláusulas contratuais gerais (CCG).

  1. - A presente acção deve desde logo improceder por manifesta falta de interesse em agir.

  2. - Na verdade as cláusulas desde há mais de 10 anos que deixaram de ser utilizadas.

  3. - E todos os possíveis efeitos ainda existentes dessas cláusulas também há muito se extinguiram.

  4. - Não existindo qualquer interesse em declarar nulas estas cláusulas.

  5. - Além do mais, as cláusulas em crise não se afiguram como CCG, pois ficou provado nos autos que são negociáveis e alteráveis.

  6. - E, dada a natureza abstracta da apresente acção inibitória, não pode exigir-se a prova concreta de que as cláusulas foram negociadas e alteradas, por não estar subjacente ao juízo aqui determinante a análise de situações concretas, antes se devendo bastar com a prova - feita - da possibilidade abstracta de as cláusulas poderem ser negociadas e alteradas.

  7. - Mais, se fosse necessário fazer essa prova, cabia esse ónus ao Recorrido e não ao Recorrente, tendo o douto Acórdão recorrido violado o artigo 342º CC, que fixa a regra geral do ónus da prova.

  8. - Não é assim aplicável aos autos a LCCG, mas antes a legislação própria do aluguer de veículos sem condutor e as regras gerais de locação do Código Civil.

  9. - O segmento da Cláusula 8ª que foi declarado nulo não o deveria ser, pois não viola o artigo 1044º Código Civil, antes está de acordo com a regra da repartição do risco, prevista no artigo 1043º Código Civil e a economia e tipo do contrato em causa.

  10. - Mal seria se o locatário se pudesse eximir à responsabilidade pelos danos no veículo, quando é ele que unicamente controla o seu uso, se obrigou a dar-lhe um uso prudente e a ter um seguro por danos próprios.

  11. - Seja como for - por mero dever de patrocínio - pelo menos a nulidade do segmento da cláusula em causa nunca seria todo ele ilícito, mas apenas a parte que efectivamente pode ter virtualidade de violar o artigo 1044º Código Civil, sendo até a jurisprudência bem mais restritiva na sua interpretação.

  12. - A cláusula 11ª, n.º 1 não é também nula, pois em nada viola os artigos 15º e 16º LCCG, que como vimos, são inclusivamente inaplicáveis ao caso.

  13. - A possibilidade de resolução do contrato em caso de incumprimento é um princípio aceite no nosso ordenamento jurídico, não sendo aceitável declarar a nulidade da cláusula apenas com base em meros juízos não fundamentados e totalmente hipotéticos que desconhecem a economia do contrato.

  14. - Nunca um locador poria fim a um contrato por questões menores da sua execução, que não ponham em causa na sua essência o objecto principal do contrato, antes tenta a todo o custo manter o contrato até ao máximo.

  15. - A cláusula 13ª, n.º 2 não é nula pois não altera as regras de risco legalmente estabelecidas.

  16. - O douto Acórdão recorrido entende que se está a alterar as regras sobre repartição do risco, mas não vemos como, pois o que se fixa é a normal repartição do risco tal como a mesma se encontra prefigurada nos artigos 1043º e 1044º Código Civil.

  17. - Finalmente, a cláusula 19ª igualmente não se reveste de ilicitude, não só por ser neste momento totalmente residual, mas por até por isso não se afigurar desproporcional, atenta a posição de cada uma das partes no contrato.

  18. - A locadora só tem 1 estabelecimento em todo o país, situado em Lisboa, e o incumpridor é normalmente o locatário, não sendo o país grande, pelo que não importa num custo desproporcionado impor a escolha do foro de Lisboa ou do Porto.

  19. - O douto Acórdão recorrido não devia ter-se debruçado sobre a questão por manifesta falta de interesse em agir, violou ainda a LCCG, por...

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