Acórdão nº 1246/10.9TJLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Abril de 2014
Magistrado Responsável | GRANJA DA FONSECA |
Data da Resolução | 10 de Abril de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.
O Ministério Público intentou acção declarativa constitutiva, sob a forma de processo sumário, contra AA, S.A., pedindo: 1 – Sejam declaradas nulas a cláusula 3ª nos n.
os 3.1, 3.2, 3.3 e 3.4 dos formulários dos contratos: "CONTRATO BB", "CONTRATO CC", "CONTRATO DD" e "CONTRATO EE", condenando-se a Ré a abster-se de se prevalecer delas em contratos já celebrados e de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (artigos 12º e 30º, n.º 1 do DL 446/85 de 25 de Outubro).
2 - Condenar-se a Ré a dar publicidade a tal proibição e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (artigo 30º, n.º 2 do DL 446/85 de 25 de Outubro), de tamanho não inferior a 1/4 de página.
3 - Dar-se cumprimento ao disposto no artigo 34º do aludido diploma, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093/95 de 6 de Setembro.
Fundamentando a sua pretensão, alegou o autor que a ré inclui nos referidos contratos que celebra com os seus clientes as identificadas cláusulas gerais e que as mesmas são nulas por violarem disposições da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.
A ré contestou, defendendo que o regime consagrado no DL n.º 275/93 não é directamente aplicável ao tipo de actividade por si exercida, além de que nenhuma das cláusulas questionadas é ofensiva do princípio da boa - fé.
Prosseguiram os autos, vindo a ser proferido saneador - sentença que, julgando a acção procedente por provada, decidiu: 1 - Declarar nula a cláusula 3a nos seus n.
os 3.1, 3.2, 3.3 e 3.4 dos formulários dos contratos: "CONTRATO BB", "CONTRATO CC", "CONTRATO DD" e "CONTRATO EE"; 2 - Condenar a Ré a abster-se do uso, em qualquer contrato, das cláusulas acima mencionadas; 3 - Condenar a Ré a, no prazo de 30 (trinta) dias, dar publicidade à parte decisória da presente sentença, através de anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem, que sejam editados em Lisboa e Porto, em três dias consecutivos, de tamanho não inferior a 1/4 de página, comprovando o acto nos presentes autos, até 10 (dez) dias após o termo do prazo supra referido».
Inconformada, recorreu a ré, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 29/10/2013, sem qualquer voto de vencido, confirmado a sentença proferida.
De novo inconformada, a ré veio lançar mão do recurso de revista excepcional, invocando os pressupostos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672º do CPC, formulando as seguintes conclusões: 1ª - Entendeu o do Ministério Público, na acção inibitória por si apresentada, ser a actividade da Recorrente regulada pela disciplina constante do Decreto-Lei 275/93, de 5 de Agosto, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos Decretos-Lei 180/99, de 22 de Maio, 22/2002, de 31 de Janeiro, 76-A/2006, de 29 de Março e 116/2008, de 4 de Julho, contendo o Regime Jurídico da Habitação Periódica, e assim designado de ora em diante.
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- Sustentou ainda o Ministério Público o seu pedido no facto de, no exercício da sua actividade, a Recorrente proceder à celebração de contratos que designa de "CONTRATO BB", "CONTRATO CC", "CONTRATO DD" e "CONTRATO EE", dos quais constam cláusulas contratuais gerais, nomeadamente aquelas cuja nulidade vem requerer seja reconhecida e determinada.
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- E considerou serem as citadas cláusulas apostas nos contratos identificados nulas em virtude de ofenderem o princípio da boa-fé, verificando-se um desequilíbrio em desfavor do aderente, pondo em causa a confiança suscitada nas partes pelo sentido global das cláusulas contratuais gerais.
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- Entendeu o Ministério Público que a redacção das citadas cláusulas não proporciona ao cliente informação pormenorizada e atempada, não defendendo adequadamente o consumidor.
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- Desconsiderando os argumentos apresentados pela Recorrente que defendeu, em sede de Contestação, por um lado, não lhe ser aplicável a disciplina constante do Regime Jurídico da Habitação Periódica, e, por outro lado, não estar a cláusula invocada ferida de nulidade que a invalide, o tribunal de 1 ª instância entendeu dever o pedido formulado proceder, declarando nula a cláusula 3ª dos contratos mencionados, nos seus números 3.1., 3.2., 3.3. e 3.4., assim como condenando a Recorrente a abster-se de usar, em qualquer contrato, a dita cláusula, e ainda determinando que a Recorrente proceda à publicação em dois jornais de maior tiragem, em 3 dias consecutivos, da decisão então proferida.
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- Por não se poder a Recorrente conformar com a decisão então proferida, apresentou recurso de apelação junto do Tribunal da Relação de Lisboa.
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– Através deste recurso, a Recorrente novamente defendeu a inaplicabilidade à sua actividade da disciplina constante do Regime Jurídico da Habitação Periódica, bem como a inexistência de qualquer desproporção ou fragilidade na posição das partes intervenientes nos contrato em causa, por si elaborados, que pudesse levar a decidir pela nulidade das respectivas cláusulas contratuais gerais. Mais pugnou a Recorrente pela revogação da sentença proferida na parte respeitante à publicação em dois jornais de maior tiragem do respectivo conteúdo decisório, por entender ser tal decisão desprovida de utilidade prática e desproporcionada nas respectivas consequências, em face dos benefícios dela decorrentes.
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- Mais veio a Recorrente invocar a nulidade da sentença proferida, com base na falta ou insuficiência da fundamentação respectiva, assim como com base na falta de pronúncia sobre questões que deveria conhecer e apreciar.
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- Depois de apresentadas contra-alegações pelo recorrido Ministério Público, veio o Tribunal da Relação de Lisboa proferir Acórdão, de que foi a Recorrente notificada.
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- Neste Acórdão, o Tribunal da Relação mantém integralmente a decisão proferida em 1ª instância, aderindo aos seus argumentos e fundamentos, e decidindo assim pela improcedência da apelação apresentada.
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- Considerando a factualidade assente, e que não foi posta em crise, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que a actividade da Recorrente deve ser enquadrada no âmbito de aplicação do Regime Jurídico da Habitação Periódica, assim como entendeu que as cláusulas insertas nos contratos utilizados pela Recorrente, com a redacção assinalada, para firmar acordos com os seus clientes violam o princípio geral da boa-fé e o dever de informação, e, como cláusulas contratuais gerais que são, devem, por consequência, ser declaradas nulas, por força do disposto no Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro.
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- Não tendo a decisão da 1ª instância sido revogada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nem tendo sido mantida, desta vez, com base em fundamentação essencial e substancialmente diferente, dir-se-ia estar afastada a possibilidade de ser apresentado novo recurso, atento o princípio vigente da "dupla conforme", contido e descrito no artigo 671º, nº 3 do CPC, já que não existiria outra causa que afastasse a respectiva recorribilidade.
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- No entanto, e como já acima referido, a Recorrente entende estar-se, no caso dos presentes autos, perante uma situação enquadrável no âmbito do artigo 672º do CPC da revista excepcional.
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- Do que resulta largamente explanado nos autos, existe uma posição divergente da Recorrente, em face das posições assumidas pelas Instâncias e pelo Ministério Público, quanto à aplicabilidade do Regime Jurídico da Habitação Periódica e ao enquadramento do objecto social prosseguido pela Recorrente no citado Regime.
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- Importa ver esclarecido qual o âmbito de aplicação do mencionado Regime Jurídico da Habitação Periódica, nomeadamente no Capítulo que o mesmo dedica aos direitos de habitação turística, em face do espírito que subjaz a tal regime.
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- Não deve ser esquecida toda a problemática e discussão existente em torno deste tema, e que derivou da introdução relativamente recente na ordem jurídica portuguesa de regime jurídico destinado a regular os direitos reais de habitação periódica.
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- A necessidade de introduzir na ordem jurídica portuguesa a regulamentação deste direito real menor derivou em grande parte da dinamização do sector do turismo no país, em larga medida influenciado pela realidade europeia, e pela respectiva legislação.
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- A nova existência deste direito real no panorama jurídico português trouxe aos tribunais muitíssimas pendências, decorrentes do desconhecimento, da juventude e da incerteza resultantes deste regime jurídico, por parte maioritariamente dos particulares consumidores.
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- Ainda recentemente, os tribunais superiores se vêem chamados a pronunciar-se acerca de questões emergentes do Regime Jurídico da Habitação Periódica, acrescendo, inclusivamente, que a última alteração introduzida no regime legal mencionado data do recente ano de 2011.
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- Daqui decorre necessariamente a conclusão de que esta não é, de todo, uma matéria cuja aplicação está já estabilizada na ordem jurídica nacional, continuando a suscitar questões de diversa natureza, mais, quando se está perante uma questão não enquadrável no escopo e no espírito do Regime Jurídico da Habitação Periódica.
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- Entende a Recorrente que a sua actividade não pode caber no âmbito de aplicação deste regime legal desde logo, e sem necessidade de maiores considerações, porque delimitada pelo respectivo objecto social, do qual não se retira, nem pode retirar, que a Recorrente se dedique a qualquer actividade decorrente de ou conexa com direitos de habitação turística.
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- A Recorrente é uma sociedade anónima, tendo por objecto social a emissão, comercialização e gestão de cartões de desconto em estabelecimentos comerciais, hoteleiros e similares, bem como a gestão e exploração de estabelecimentos desta natureza e organização de férias organizadas.
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- Ora, a Recorrente...
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