Acórdão nº 1328/10.7T4AVR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução02 de Abril de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. Nos Autos em epígrafe, com processo especial emergente de acidente de trabalho, a A., AA, demandou as RR. «BB Company (…)» e «CC, Ld.ª», pedindo que estas sejam condenadas: a) a reconhecerem o acidente que descreve como de trabalho; b) a Ré seguradora a pagar-lhe a pensão anual de € 1.342,98 e subsídio por morte, no valor de € 2.766,84, ambas as prestações acrescidas de juros de mora desde o vencimento de cada uma; c) subsidiariamente, caso se entenda não ser a Ré seguradora a responsável pela reparação, a co-Ré patronal a pagar-lhe a pensão anual de € 1.342,98 e subsídio por morte no valor de € 2.766,84, acrescidas essas quantias de juros de mora desde o vencimento de cada prestação.

    Alegou para o efeito, em síntese útil, ser filha única de DD, a qual trabalhava por conta da segunda Ré desde 01.09.2010 e que em 29.09.2010 sofreu acidente de viação quando se deslocava para o local de trabalho.

    O acidente ficou a dever-se à actuação do condutor do outro veículo envolvido, resultando do acidente a morte da sua mãe.

    Por sua vez, o A.

    EE apresentou, separadamente da já referida A., AA, petição inicial contra as mesmas RR., pedindo: a) a condenação destas a reconhecer o acidente dos autos como de trabalho; b) a condenação da Ré seguradora a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de € 2.014,47 e subsídio por morte no valor de € 2.766,84, acrescidas tais quantias de juros de mora desde o vencimento de cada prestação; c) subsidiariamente, para o caso de não se entender ser a seguradora responsável, a condenação da R. empregadora nesse pagamento.

    Alegou para o efeito, em breve escorço, que era casado com DD, articulando, no mais, em termos idênticos à co-autora.

    As RR. contestaram sustentando, em resumo: - A co-Ré empregadora admitiu que a sinistrada se deslocava para o seu posto de trabalho, indo atrasada porque deveria ter entrado ao serviço 15 minutos antes do acidente ter ocorrido, tendo o acidente ficado a dever-se a culpa única e exclusiva da mesma, pelo que não aceita que o acidente seja de trabalho.

    De todo o modo, transferiu a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho para a co-Ré seguradora, concluindo dever ser absolvida dos pedidos; - A co-Ré seguradora, alegando desconhecer se ocorreu acidente de trabalho ou se o percurso utilizado pela sinistrada era o mais curto entre a residência e o local de trabalho, aduz que, de todo o modo, o acidente ocorreu por negligência grave e indesculpável (grosseira) da sinistrada, e como tal o acidente deve ter-se por descaracterizado, acrescentando que a sinistrada não se poderia considerar abrangida pelas garantias do contrato de seguro celebrado com a co-Ré, porquanto só depois de ocorrer o acidente e falecimento da sinistrada é que foi comunicada a sua inscrição como trabalhadora da co-Ré empregadora à Segurança Social e só posteriormente é que foi preenchida a folha do quadro de pessoal a enviar à Segurança Social.

    Logo, não têm eficácia perante a seguradora, não cobrindo o contrato de seguro eventos passados e certos.

    A co-Ré empregadora apresentou resposta à contestação da co-ré seguradora sustentando, em síntese, que não é a inscrição na Segurança Social que determina a qualidade de “trabalhador” e as comunicações a fazer à co-Ré seguradora e Segurança Social seriam efectuadas como sempre foram feitas, pelo que, sem prejuízo do alegado quanto à descaracterização do acidente, deve ser julgada a acção improcedente em relação à empregadora, por a responsabilidade pelo ressarcimento de danos resultantes de acidente de trabalho estar transferida para a co-Ré seguradora.

    __ Condensada, instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo as Rés dos pedidos.

  2. Inconformados, ambos os AA. interpuseram, separadamente, recurso de apelação.

    Com sucesso o fizeram, porquanto o Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão unanimemente prolatado em 26.9.2013, deliberou julgar procedentes as Apelações deduzidas e, em consequência, alterando a sentença da 1.ª instância, condenou a co-Ré «BB Company (…)» a pagar: - À A.

    AA: a) pensão anual e temporária, nos termos do art. 60.º, n.º 1, da LAT, no montante anual de € 1.330,00, desde 30 de Setembro de 2010, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, respectivamente, pagos nos meses de Junho e Novembro; b) subsídio por morte, no valor de € 2.766,85, vencido em 30 de Setembro de 2010; c) juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações assinaladas, desde o seu vencimento até pagamento.

    - Ao A.

    EE: a) pensão anual e vitalícia, desde 30 de Setembro de 2010, no montante anual de € 1.995,00, obrigatoriamente remível; b) subsídio por morte, no valor de € 2.766,85, vencido em 30 de Setembro de 2010; c) juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações assinaladas, desde o seu vencimento até pagamento, sendo que no caso da pensão obrigatoriamente remível, os juros de mora devem incidir sobre os montantes (vencidos) da pensão a remir – e não sobre o capital da remição – desde as datas dos vencimentos da respectiva obrigação que existiria se não fosse remível.

    No mais, manteve-se a absolvição da co-R. «CC, Ld.ª, embora com diferente fundamento.

    ___ É ora a co-R. Seguradora que se rebela contra o assim ajuizado, mediante a presente Revista, cuja motivação remata com a seguinte síntese conclusiva: 1.ª - O douto acórdão recorrido assenta em dois equívocos: um relativo à culpa na produção do sinistro e outro relativo à identificação da entidade responsável.

    1. - Quanto à primeira questão, importa sublinhar que no douto acórdão recorrido se optou por considerar o presente sinistro similar, em termos de factos, ao decidido pelo Acórdão do S.T.J. de 26-1-2006, acima citado.

    2. - Trata-se de uma comparação pouco rigorosa, pois no Acórdão de 26-1-2006 apenas se cuidava de apreciar uma invasão da faixa contrária, e: - nada vem referido quanto à falta de inspecção obrigatória do veículo; - nada vem referido sobre a falta de seguro; - nada vem referido sobre a falta de habilitação legal para conduzir; - nada vem referido sobre um atraso para o trabalho; - a contra-ordenação em causa não foi muito grave; - o sinistro não teve as consequências violentíssimas do que ora se discute (incêndio dos veículos e morte de uma condutora).

    3. - No "nosso" sinistro o comportamento da sinistrada não tem comparação com o decidido pelo Acórdão do STJ de 26-1-2006. Nem por sombras.

    4. - De facto, e em primeiro lugar, a DD, no indicado dia e hora, conduzia o F... pela Estrada Nacional n.º 1, sem a inspecção obrigatória aprovada; 6.ª - A DD praticou, neste particular, um comportamento culposo grave, que constitui, aliás, contra-ordenação, nos termos do disposto no artigo 14.º do Dec.-Lei n.º 144/12, de 11/07, porque a circulação do veículo em causa constitui um perigo para a sua segurança e para a segurança dos restantes utentes das vias.

    5. - Em segundo lugar, a DD circulava num veículo sem dispor de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, o qual configura um instrumento de consciência social, pois a sua obrigatoriedade encontra-se em estreita ligação com a necessidade de proteger o cidadão em geral - artigo 4.º do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21/08.

      8.ª - Em terceiro lugar, a DD conduzia na E.N. n.º 1 sem habilitação legal, comportamento que o legislador entendeu ser de tal modo censurável que a sanção para tal infracção foi a criminalização dessa prática.

    6. - O artigo 3.º do Dec.-Lei n.º 2/98, de 03/01, procede à criminalização do acto de conduzir veículo automóvel sem habilitação legal, com punição até dois anos de prisão e, note-se, a conduta em causa foi criminalizada, por se tratar de comportamento censurável em elevado grau. Elevado grau que acresce à gravidade das duas circunstâncias anteriormente descritas.

    7. - Este comportamento tem ligação inequívoca com o deflagrar do sinistro, pois se alguém perde o controlo de um veículo, vai invadir a faixa contrária, provoca o incêndio de dois veículos, e esse alguém não se encontra habilitado, é manifesto, até por prova de primeira aparência, usada pelos nossos tribunais para estas situações, que a falta de habilitação tem ligação com o sinistro. Só assim não seria se, por exemplo, o veículo estivesse parado ou estacionado, e fosse embatido por outro.

    8. - Estes três primeiros índices de culpa grave não podem ser dissociados, têm de ser apreciados em conjunto, e no Ac. de 28-1-2006 não foram considerados.

    9. - Em quarto lugar, a DD encontrava-se atrasada cerca de MEIA-HORA para o trabalho, como flui dos factos provados.

    10. - A DD violou assim a sua obrigação de assiduidade e pontualidade, que releva para a aferição da culpa no foro laboral e no foro estradal, pois certamente seguia com mais pressa e menos cuidado.

    11. - Em quinto lugar, a DD invadiu a metade esquerda da via, mas não se tratou de uma invasão normal, pois foi uma invasão em local com risco contínuo, o qual não pode ser ultrapassado. Essa violação do risco contínuo leva, precisamente, à inibição de conduzir, pois trata-se de uma contra-ordenação MUITO GRAVE.

    12. - Em sexto lugar, a DD perdeu o controle do seu veículo e ambos se incendiaram, o que atesta a violência do sinistro, provocada, unicamente, por quem invadiu a meia faixa contrária em zona de traço contínuo, e nunca por um camião que seguia a 70 Km/h, mas em condução regular.

    13. - O que se passou foi uma série, conjugada, de comportamentos negligentes: cinco, seis ou sete, que, devidamente conjugados, levam à conclusão segura de que foram atingidos os índices da negligência grosseira, por muito que se lamentem as respectivas consequências.

    14. - É de concluir que este comportamento foi a causa única do sinistro. A referência a uma leve ou levíssima contribuição causal para o sinistro por banda do condutor do pesado não faz sentido...

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