Acórdão nº 894/11.4TBGRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Abril de 2014
Magistrado Responsável | GABRIEL CATARINO |
Data da Resolução | 01 de Abril de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
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– Relatório.
As sociedades comerciais “AA, S.A.”, e “BB – ..., Lda.”, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a sociedade “CC, Lda.”, DD e mulher EE, peticionando a sua condenação no pagamento de uma quantia correspondente a 4% do valor de venda da sociedade 1.ª Ré, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos.
Substanciam o petitório, em síntese apertada, na sequente factualidade: - Em 22-12-2009 a 1ª 1ª A. e a 1ª Ré subscreveram um contrato de prestação de serviços de consultoria, através do qual a 1ª A. se comprometeu a dar apoio à Ré na colocação em mercado do dito Hotel.
- A 1ª A. subscreveu esse contrato em nome próprio e da 2ª A., sendo que esta sociedade se dedica à prestação de serviços de mediação imobiliária, sendo que numa primeira fase, a demandante, procederia, à preparação do dossier de oportunidade de investimento, e numa segunda, de apoio à colocação em mercado do Hotel; - A 1ª A. terá praticado actos com vista à angariação de investidores, à colocação do Hotel em mercado e à sua venda, e estabeleceu o valor de referência para o negócio – de € 3.800.000,00; - Do acordo contratual constava que que a venda do Hotel seria feita através da aquisição da sociedade detentora da unidade hoteleira e dos terrenos com o passivo existente.
- Como contraprestação dos serviços de mediação prestados os Réus obrigaram-se a proceder ao pagamento do preço de tal actividade, como comissão pela concretização do negócio, correspondente a 4% do valor da transacção a ser efectuada.
- O Hotel veio a ser vendido ao “Grupo II”, em Novembro de 2010, negócio este que foi efectuado por via da transmissão das quotas da sociedade 1ª Ré detidas pelos 2º e 3º Réus, tendo esta sociedade alterado a sua firma para “CC, Lda. “.
- Os 2.º e 3.º RR receberam o preço dessa compra e venda, desconhecendo a demandante o valor respectivo.
- Ao suposto cumprimento das suas obrigações contratuais e malgrado o mencionado Hotel ter sido vendido, os 2.º e 3.º Réus não procederam ao pagamento da remuneração acordada, já que pelo montante correspondente à comissão da A. respondem os 2º e 3º RR., pois foram estes que incumpriram o contrato.
Os 2º e 3º Réus contestaram a acção, defendendo-se por impugnação e por excepção.
Por excepção invocaram a sua ilegitimidade passiva, bem como a ilegitimidade activa da 2ª Autora.
Na impugnação da factualidade aduzida como fundamento da acção, sustentam que a alienação do Hotel JJ não resultou do resultado de contactos ou diligências efectuadas pela 1ª A..
Em 8/06/2010 foi comunicado à 1ª A. que, dada a não concretização do negócio pretendido, cessava a exclusividade desta sociedade na intermediação acordada, e que em 3/08/2010 foi comunicada a rescisão do contrato.
Terminaram pedindo que seja a acção julgada totalmente improcedente.
A 1ª Ré também contestou, defendendo-se por impugnação e pedindo que seja a acção julgada totalmente improcedente.
Proferida a sentença de mérito, nela foi decidido julgar-se a acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição dos RR. do pedido.
Interposto recurso, de apelação da decisão do tribunal de 1.ª instância, veio, a final, a ser julgada (a apelação) “(..) parcialmente procedente a acção, com a consequente condenação dos R.R. DD e EE a pagarem às A.A. uma comissão, correspondente a 4% do valor de venda das suas quotas na 1.ª sociedade Ré, já com IVA incluído, valor este a ser liquidado em incidente próprio e nos termos contratados.
Sobre o montante a ser apurado serão acrescidos juros de mora, à taxa dita legal, contados desde a data dessa liquidação (art. 805.º, n.º 3, 1.ª parte do C. Civil).
Absolve-se a Ré “CC, Lda.” do pedido.” Do julgado, interpõem recurso, de revista, demandados, DD e mulher EE, tendo dessumido os fundamentos do recurso no epítome conclusivo que a seguir queda extractado.
I.A. – Quadro Conclusivo.
A) “A matéria de facto sedimentada é a que foi dada como provada na primeira instância, não tendo sido objecto de impugnação e, salvo o devido respeito pela posição contrária do Acórdão recorrido, a primeira instância fez um a adequada aplicação do direito a tal matéria de facto, impondo-se a absolvição do pedido dos RR/ recorrentes.
B) A primeira instância julgou com acerto, concluindo, tal como resulta evidente da matéria de facto provada, pela falta de nexo de causalidade adequada entre a actividade das AA / recorridas e a realização do negócio em causa e o Acórdão recorrido, perante a mesma realidade fáctica e perante a mesma fundamentação, incorre em erro de julgamento ao entender a verificação da existência de tal nexo causal.
C) O Acórdão recorrido revogou, parcialmente, a sentença da primeira instância: » Contra os factos, na medida em que do julgamento de matéria de factos ficou demonstrado, ex abundanti, que o negócio realizado nada se deveu à intermediação da recorrente. Pelo contrário, ficou claro que o negócio foi efectuado devido às exclusivas diligências da parte contratante. Nenhum acto, nenhuma diligência se deveu à A/apelante. Nenhum nexo causal existiu entre a actuação da A/ Apelante e o negócio efectuado; » Contra a lei e contra o contrato de intermediação imobiliária, porquanto a A/recorrida se comprometeu a angariar negócio, pelo menos, por Euros. 3.800.000,00 (três milhões e oitocentos mil euros), o que não logrou alcançar » Contra a justiça, pois a pretensão da A./recorrida traduzir-se-ia num enriquecimento sem causa e num verdadeiro abuso de direito (se tal direito formalmente lhe existisse! - o que, sem conceder, apenas, por mera hipótese cautelar se refere).
D) Conclui-se, assim, que, por um lado, não se provou a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da actividade de mediação imobiliária, razão pela qual, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 1, não é devida qualquer remuneração pela actividade desenvolvida e, por outro lado, as AA./recorridas não lograram provar que o negócio efectuado com o Grupo FF foi consequência dos seus contactos, ou seja, do resultado da sua actividade, não demonstrando, por conseguinte, o nexo de causalidade adequado entre a sua actividade e a realização do negócio em causa, antes tendo os réus demonstrado que a concretização do negócio foi o corolário, a consequência, da actuação dos próprios.
E) O Acórdão recorrido viola as normas constantes do artigo 18.º do DL n.º 211/2004, de 20 de Agosto, artigo 342.º do C. Civil, artigos 615.º, n.º 1, al. c) do C. P. Civil por tal actividade, nos termos do artigo 18.º n.º 1 do Decreto Lei 211/2004 de 20 de Agosto" (cfr. página 42 e 25 do Acórdão Recorrido).” Nas contra-alegações que produziram, os recorridos, espraiam a sua adversão á pretensão recursiva com o quadro conclusivo que a seguir queda transcrito. a) “Nas suas alegações, os Recorrentes vêm invocar que o Acórdão Recorrido viola as normas constantes do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 211/2004 de 20 de Agosto, artigo 342.º do Código Civil e artigo 615.º, n,º 1 al. c) do Código de Processo Civil.
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Não assiste qualquer razão aos Recorrentes, pois não é lícito sustentar que o negócio em causa em nada se deveu à intermediação das Recorridas, e que, por conseguinte, não operou a aludida "conclusão" e "perfeição" do negócio (para os efeitos da legislação da mediação imobiliária) e muito menos que o negócio tinha em vista negócios iguais ou superiores a € 3.800.000,00.
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Os Recorrentes fazem uma errada interpretação do contrato que celebraram com as Recorridas e dos factos que foram provados, pelo que as conclusões que retiram são necessariamente incorrectas e desfasadas da realidade.
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Os Recorrentes e as Recorridas pretenderam configurar o contrato por si celebrado como um contrato misto, combinando duas formas de contrato, perfeitamente conciliáveis: por um lado, um contrato com características típicas de um contrato de prestação de serviços e, por outro lado, um contrato com características de um contrato de mediação imobiliária.
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Neste sentido veja-se o Acórdão Recorrido: "do teor desse contrato resultam, manifestamente, cláusulas atinentes a uma mediação imobiliária, a ser efectuada/concretizada pelas ditas Autoras" (...) e também "cláusulas atinentes à intervenção (no contrato) da Autora AA. S.A., que aí se apelidam de prestação de serviços de consultoria ...
", traduzidos em "apoio aos proprietários o Hotel JJ na colocação em mercado" (cfr. parágrafo 2.º e 3.º, pág. 21 do Acórdão).
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Ora, desta configuração parece resultar que as partes pretenderam celebrar um contrato de mediação atípico, que engloba regras típicas do contrato de prestação de serviços.
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No caso em apreço, para além da conjugação de dois regimes jurídicos num só contrato, mister se torna analisar o convénio celebrado entre as partes, designadamente os termos em que as partes resolveram contratar, pois como já vimos, nos termos do artigo 405.º do Código Civil - que dispõe sobre a liberdade contratual - as partes têm liberdade de conformação da forma e do conteúdo do contrato.
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Em concreto, os Recorrentes e as Recorridas previram expressamente as situações em que seria devida esta comissão, através da previsão de um período de exclusividade (em que seria sempre devida a comissão) subsidiariamente, através da previsão de um prazo (no caso, um ano a partir da data da finalização do acordo) em que quaisquer transacções efectuadas com entidades contactadas pelas Recorridas, obrigando ao pagamento da comissão. Vejamos: "Ainda assim «se no prazo de um ano a partir da data de finalização deste acordo, se realizar uma transacção com uma entidade que tenha sido contactada pela KK, esta terá direito à remuneração variável prevista a título de success fee»" (cfr. Facto provado n.º 12, página 13 do Acórdão e cláusula intitulada "Exclusividade", na penúltima página do contrato).
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Encontramo-nos, claramente, no domínio dos contratos, onde reina a liberdade contratual, pelo que este Tribunal - à semelhança do que fez o Tribunal Recorrido - não poderá...
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