Acórdão nº 519/08.5TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelFERNANDES DO VALE
Data da Resolução25 de Março de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. nº 519/08.5TVLSB.L1.S1[1] (Rel. 155) Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça 1 – “AA – Organização de Espectáculos, Festas e Congressos, Lda” instaurou, em 19.02.08, no Tribunal Cível da comarca de Lisboa (com distribuição à 2ª Vara/2ª Secção), acção declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária, contra BB, pedindo a condenação desta a: / I – Pagar-lhe a quantia – a apurar em sede de execução de sentença – correspondente aos montantes que deixou de auferir pela não realização dos espectáculos identificados no art. 210º da p. i.; e II – Pagar-lhe a quantia de € 70 000,00, pelos danos causados pela prática dos factos ilícitos referidos no art. 228º da p. i., por os mesmos consubstanciarem a prática de actos de concorrência desleal, tendo, na audiência preliminar, explicitado que as peticionadas condenações se reportam, respectivamente, a danos patrimoniais e danos não patrimoniais por si sofridos.

Fundamentando a respectiva pretensão, invocou, em resumo e essência, muito extensa e pormenorizada factualidade de que, em seu entender e ao abrigo do preceituado no CDADC (Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos), emerge o seu direito a peticionar as sobreditas condenações.

Contestando, pugnou a R. pela improcedência da acção, impugnando a factualidade aduzida pela A., a que aditou: --- Foi combinado entre si e a A. que aquela, enquanto produtora independente, receberia como retribuição dos seus serviços uma determinada percentagem sobre os lucros em cada produção que propusesse/angariasse, nunca tendo assumido um compromisso de exclusividade na prestação dos seus serviços; --- O projecto “Sons...” foi, completa e exclusivamente, idealizado pela R., que o propôs à A., sendo da autoria daquela o texto integrante da apresentação do projecto, como todos os contactos realizados para explorar as possibilidades de realização desse espectáculo; --- Nada impede a sociedade “... de Cultura” de produzir espectáculos.

Foi proferido despacho saneador, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória.

Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferida (em 11.04.12) sentença que, julgando, parcialmente, procedente a acção, condenou a R. “a indemnizar a A. no montante de € 25 000,00”, do mais peticionado se absolvendo a R.

Sob apelação desta, a Relação de Lisboa, por acórdão de 18.04.13 e na procedência daquela, revogou a sentença recorrida, absolvendo a recorrente-R. de todos os pedidos.

Daí a revista interposta pela A.

, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes e relevantes conclusões: / 1ª – Com o devido respeito que a decisão do Tribunal “a quo” nos merece, na sentença, não houve qualquer excesso de pronúncia nem violação do princípio do dispositivo – art. 264º do CPC – pois consta da causa de pedir os factos que consubstanciam a apropriação ilícita por parte da recorrida do projecto “Sons...

” e a mesma ficou provada; 2ª – Consta, ainda, da p. i. que deve a R. indemnizar a A. em montante não inferior a € 70 000,00, pela prática de vários factos ilícitos, sendo logo o primeiro enunciado “o desvio e apropriação do projecto «Sons...

»; 3ª – E o Juiz da 1ª instância decidiu, e bem, que a prática pela ora recorrida dos factos provados no que respeita à apropriação e utilização do projecto “Sons...

”, “para além do acto ilícito de concorrência desleal – cfr. art. 317º, nº1, al. d) do CPI – constitui ao mesmo tempo violação dos direitos de autor”; 4ª – Pelo que a recorrida, quanto ao projecto “Sons...

”, não foi condenada apenas por violação de direitos de autor, mas também por prática de acto ilícito de concorrência desleal; 5ª – De acordo com o disposto no art. 659º, nº2, do CPC, cabe ao juiz discriminar os factos que considera provados e a interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, o que o Juiz de 1ª instância, doutamente, fez. Tal princípio está plasmado no art. 202º, nº2, da CRP; 6ª – O Juiz, correctamente, considerou o projecto “Sons...

” uma obra protegida por direitos de autor, tendo sido provada a criação da mesma por parte da, ora, recorrente; 7ª – Da douta sentença, ora, revogada constam todos os factos que consubstanciam a apropriação indevida por parte da R. do projecto “Sons...

”, chamando-se a atenção para o facto provado, inclusive por documento, de ter sido a recorrente quem elaborou o referido projecto; 8ª – O projecto “Sons...

” é uma criação intelectual original e exteriorizada, protegida nos termos do disposto no art. 2º, nº1, do CDADC. Resulta de acto criativo, concebido originalmente – “vide” documento junto aos autos, que o descreve. “A criatividade não se confunde, porém, com a individualidade, dado que não se exige que a obra adquira um cunho próprio que permita identificá-la como sendo de determinado autor, mas apenas que represente um mínimo de criação por parte dele” – Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Direito de Autor”, Almedina, pags. 75; 9ª – Aliás, exactamente pela sua originalidade, a recorrida optou por se apropriar do mesmo e não elaborou ela mesmo um projecto; 10ª – Ao considerar que o projecto “Sons...

” não é uma obra protegida pelo CDADC, o Tribunal “a quo” violou o disposto no art. 1º desse mesmo Código; 11ª – Conclui o Tribunal “a quo” que as pessoas colectivas não podem ser titulares de direitos de autor “porque insusceptível de proceder à realização criativa de uma obra”; 12ª – Esta conclusão viola o disposto no CDADC, dado que as pessoas colectivas podem ser titulares de direitos de autor. O autor pode ser o criador intelectual da obra ou o titular originário desta ou o titular actual – “vide” Prof. Oliveira Ascensão, “Direito de Autor e Direitos Conexos”, Coimbra Editora, pags. 105; 13ª – De acordo com o disposto no art. 16º, nº1, al. b), do CDADC, “A obra que for criação de uma pluralidade de pessoas denomina-se obra colectiva, quando organizada por iniciativa de entidade singular ou colectiva e divulgada ou publicada em seu nome”; 14ª – Conforme resulta dos factos provados, a obra “Sons...

” foi organizada pela recorrente e divulgada em seu nome, quando foram efectuados todos os contactos e reuniões provadas nos factos; 15ª – Resulta, ainda, do art. 19º, nº1, do CDADC que, nas obras colectivas, o respectivo direito de autor “é atribuído à entidade singular ou colectiva que tiver organizado e dirigido a sua criação e em nome de quem tiver sido divulgada ou publicada”; 16ª – O Tribunal “a quo”, ao concluir que as pessoas colectivas não podem ser titulares de direitos de autor, violou o disposto no CDADC, nomeadamente, os arts. 11º, 14º, 16º e 19º; 17ª – A recorrente tem a paternidade da obra – art. 56º, nº1 do CDADC – sendo que ficou provado que a recorrida também se apropriou dessa mesma paternidade e, ao violar estes direitos, a recorrida incorreu em responsabilidade civil; 18ª – Como muito bem decorre da sentença da 1ª instância, a recorrente é responsável por ressarcir a recorrida em danos morais, nas duas vertentes, prática de facto ilícito consubstanciador de concorrência desleal e de violação do direito de autor da recorrida; 19ª – O Tribunal “a quo” refere que não ficaram provados danos de imagem. O que ficou provado, além da própria apropriação “per” si e violação da paternidade da obra foi que deixaram de acontecer ganhos de imagem para a recorrente, dado todo o trabalho preparatório e angariador que esta tinha feito para implementar o projecto, pelo que estão preenchidos os requisitos do art. 483º e segs. do CC, conforme determinado na sentença da 1ª instância.

Termos em que, com o muito douto suprimento, que se pede, devem V. Ex. cias revogar a douta sentença recorrida, mantendo a douta decisão do Juiz “a quo” na 1ª instância.

Inexistem, nos autos, contra-alegações.

Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

* 2 – A Relação teve por provados os seguintes factos: / 1 – A A. é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada que se dedica à organização de espectáculos, festas e congressos, agenciamento e representação de grupos artísticos (A); 2 – A. e R. iniciaram uma relação profissional, no início do ano de 2000, no âmbito de produção de espectáculos (B); 3 – Todos os espectáculos eram produzidos e divulgados em nome da A. "AA" (C); 4 – Consequentemente, todas as despesas e as receitas eram imputadas à A., inclusive os pagamentos feitos à R. pelos serviços prestados (D); 5 – Em 23 de Março de 2004, a A. reuniu com a Conservadora do Mosteiro dos Jerónimos para lhe apresentar o projecto "Sons...", tendo havido outra reunião, no dia 28 de Julho de 2004 (E); 6 – No seguimento das reuniões havidas, em 20 de Agosto de 2004, foi enviada uma carta à Conservadora do Mosteiro dos Jerónimos, apresentando uma sinopse de "Os Sons..." em nome da A. (F); 7 – No dia 3 de Fevereiro de 2005, a A. solicitou à empresa “D...” orçamento para gravação e edição de um DVD do espectáculo da artista Maria Bethânea, inserido no ciclo "Os Sons..." (G); 8 – No seguimento da troca de correspondência em Janeiro de 2005, no dia 4 de Fevereiro de 2005, CC, em nome da A., informou DD (representante da Maria Bethânea) que estava a preparar a documentação e material sobre os Jerónimos para se poder apresentar à artista (H); 9 – No início de Fevereiro de 2005, CC, em nome da A., desenvolveu o projeto "Os Sons...", iniciando-se o mesmo com um espectáculo de Maria Bethânea (I); 10 – No dia 9 de Fevereiro de 2005, em resposta a um pedido da A., EE, da sociedade "..., Lda", enviou plano a três dimensões para a montagem do palco no Mosteiro dos Jerónimos, através de correio electrónico (J); 11 – Também em resultado de pedido efectuado pela A., em 10 de Fevereiro de 2005, FF enviou orçamento para produção fotográfica do espectáculo da Maria Bethânea, por correio electrónico (L); 12 – Em 9 de Fevereiro de 2005, a empresa “D...” envia à A. orçamentos para a gravação do...

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