Acórdão nº 20900/01.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelSILVA GONÇALVES
Data da Resolução06 de Março de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça “AA, S.A.” intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra o “Banco BB S.A.” (depois Banco CC, SA, por fusão), pedindo que o Réu fosse condenado a: - cumprir a obrigação de entrega de 50.000.000$00 nos termos da garantia bancária referenciada nos autos; - indemnizar a A. pelos juros de mora à taxa aplicável aos juros comerciais sobre o valor acima referido desde 25/06/2001, ou se assim não entender desde 27/07/2001 ou desde 12/09/2001; - indemnizar a A. no valor dos rendimentos que gerariam as quantias próprias já disponibilizadas por si, bem como do rendimento daquelas que tenha de vir a disponibilizar para reparação dos danos, a liquidar em execução de sentença; - indemnizar a A. pelos danos que se verifiquem em função de não ter sido disponibilizado a quantia da garantia em tempo devido, impossibilitando a Ré desta maneira uma pronta e enérgica reacção da A. com as obras necessárias para evitar mais danos ou o agravamento dos presentes.

Para tanto, alegou que, na sequência de danos causados numa sua moradia, derivados da construção, num terreno confinante, de um projecto urbanístico de grandes dimensões, accionou, em 25.6.2001, a garantia bancária autónoma à primeira solicitação emitida pelo Réu, no valor da quantia agora reclamada em juízo, tendo fornecido à mesma, em 27.7.2001, os elementos por esta solicitados.

Todavia, o réu recusou-se a proceder ao pagamento da quantia objecto da referida garantia bancária.

A Ré contestou, impugnando parte da factualidade articulada, alegando não se mostrarem preenchidas as condições de exigibilidade dessa garantia e invocou o abuso de direito do A.

Requereu também a intervenção acessória provocada da sociedade “DD, SA.”, chamamento que foi deferido e aceite (despacho de fls. 141).

Esta - a chamada DD S.A.

- contestou, impugnando parte dos factos articulados pelo A., alegando não se mostrarem preenchidas as condições de exigibilidade da garantia, invocando, igualmente, o abuso de direito da A; e, por seu turno, deduziu incidente de intervenção provocada da EE, SA, FF - …, SA. e Companhia de Seguros GG, SA, o qual foi indeferido por despacho constante de fls. 357 a 359.

Dizendo-se inconformada com esse despacho, agravou a DD (1.º agravo).

A A. replicou, pronunciando-se pela improcedência das excepções invocadas; e, mais tarde, deduziu articulado superveniente - fls. 456 a 460 - admitido em sede de audiência preliminar (fls. 507).

Proferido o saneador, procedeu-se à selecção da matéria de facto (assente e controvertida) pertinente, findo o que, tanto a autora, como o Banco CC e a chamada DD vieram apresentar reclamação pugnando, esta última, pela inclusão na matéria de facto assente ou, pelo menos na base instrutória, dos factos constantes dos artigos 14 a 27, 30, 49, 54 e 66 da sua contestação e pela eliminação dos quesitos 1o, 2o, 5o, 7°,10°,11°,15° e 16° da base instrutória (fls. 569 a 580) e o Banco pela integração também nos factos assentes da matéria dos artigos que indicou (fls. 583 a 594) e a autora (fls. 605 e 606), reclamações que foram todas indeferidas, por despacho constante de fls.661 e seguintes.

Do assim decidido, recorreu novamente a DD (2o agravo) - na parte em que ficou vencida, recurso que foi admitido como agravo, com subida diferida (fls. 673 e 754).

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e em consequência:

  1. Condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 249 398,95.

  2. Condenou a Ré a pagar à A. juros de mora à taxa supletiva legal sobre a quantia referida na alínea anterior, desde 12.09.2001.

  3. Absolveu a Ré do demais peticionado.

    Inconformadas com esta sentença, a Autora, a Ré e a Interveniente apelaram para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 12.09.2013 (cfr. fls. 1515 a 1568), decidiu o seguinte: 1.

    Negar provimento aos agravos e, consequentemente, confirmar os despachos recorridos.

    2.

    Julgar improcedente a apelação do demandado Réu e da interveniente.

    3.

    Julgar procedente a apelação da Autora e, consequentemente, condenar o Réu a pagar os juros de mora, à taxa comercial, nos demais termos da sentença apelada.

    Irresignados, recorrem novamente para este Supremo Tribunal a ré “Banco CC, SA” e a interveniente “DD, SA.”.

    A ré ”Banco CC, SA” alegou e conclui pela forma seguinte: 1.

    Os fundamentos da presente revista são as nulidades de que enferma o Acórdão recorrido, assim como as violações da lei substantiva e de processo que a sua decisão encerra, nos termos previstos no artigo 674°, n.°1,doCPC.

    1. Compulsado o teor da decisão recorrida, constata-se que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a impugnação do despacho de fls. 662, deixando dessa forma de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, o que constitui uma nulidade do Acórdão recorrido, prevista no artigo 615°, n.° 1, al. d), primeira parte, do CPC.

    2. Sempre se imporia a revogação da decisão de fls. 662 dos autos, na parte em que se refere à decisão sobre a reclamação apresentada pelo Réu, considerando-se como assente a matéria alegada nos artigos 122° a 124° da petição inicial e aceite especificadamente no artigo 80° da contestação.

    3. Caso assim não se entenda, ou caso este Tribunal considere não dever apreciar a questão omitida na Decisão recorrida, existem outros fundamentos para revogar esta decisão, sem que seja necessário mandar baixar o processo ao Tribunal recorrido.

    4. A decisão quanto à Apelação do Réu não está fundamentada, pelo que o Acórdão recorrido padece de nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, como prescrito nos artigos 615°, n.° 1, al. b), e 674°, n.° 1, al. c), do CPC.

    5. O Tribunal a quo andou mal quando se limitou a fazer uma declaração genérica, abstracta e conclusiva quanto à arguição de nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório e da proibição das decisões-surpresa, pelo que se impõe a revogação do Acórdão recorrido nesta parte, julgando-se procedente a arguição da nulidade.

    6. O pagamento da garantia bancária em causa nestes autos dependia da verificação de três requisitos ou condições, que eram as seguintes: (i) reclamação pela Autora à Chamada de que haviam ocorrido danos na casa da Autora por força de trabalhos realizados no edifício de um terreno confinante; (ii) comprovação que a Chamada não participara tais danos à companhia de seguros num prazo de 5 dias úteis; (iii) ou, tendo participado tais danos, de que a companhia de seguros não os aceitara no prazo de 10 dias, contados daquela participação.

    7. A segunda e terceira condições - a comprovação de que a DD não participou os danos à Companhia de Seguros; ou, caso estes tenham sido participados, que esta não os aceitou no prazo de 10 dias a contar da participação - não se verificaram.

    8. A Autora, invocando que o Banco incumpriu o contrato de garantia ao recusar a entregar-lhe o montante peticionado tinha o ónus de alegar e demonstrar que as condições para o respectivo accionamento estavam verificadas, no cumprimento da basilar regra constante do artigo 342.° n.° 1 do Código Civil.

    9. O Tribunal de 1.ª instância considerou que à data do accionamento da garantia não estavam satisfeitas as condições de accionamento, ou seja, que o respectivo accionamento não foi legítimo.

    10. No entanto, veio a considerá-las preenchidas mais tarde, à data da propositura da acção, condenando o Banco Réu com base nesse facto, ao arrepio do que foi alegado pelas partes e do que foi discutido no processo.

    11. No Acórdão recorrido não é abordada nenhuma questão relacionada com as condições de accionamento da garantia bancária.

    12. É no momento do accionamento e com base na informação que é disponibilizada ao Banco que deve ser tomada a decisão de pagar ou não pagar a garantia e é esse o momento para aferir a legitimidade da recusa.

    13. Na medida em que condena o Banco com base numa questão que as partes não suscitaram e que não constituiu causa de pedir nesta acção, a sentença padece de nulidade, prevista no artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do CPC.

    14. Além do mais, na medida em que a solução jurídica aportada pela sentença (a possibilidade de se considerar que existe um segundo momento com relevância jurídica para determinar a licitude do accionamento da garantia bancária) - e que não é posta em causa no Acórdão recorrido - não foi sequer ponderada pelas partes, a decisão está também em clara violação do princípio do contraditório e proibição de decisões-surpresa.

    15. De todo o modo, ao entender que estavam preenchidas as condições para o accionamento da garantia bancária no momento da propositura da acção, o Tribunal de 1.ª instância (e o Tribunal a quo por omissão) decidiu mal.

    16. Com efeito, a questão admitida como certa pelo Tribunal de 1.ª instância -de as condições estarem verificadas à data da propositura da acção - não se encontra minimamente sustentada em factos alegados e muito menos provados.

    17. É desde logo a Autora que começa por alegar a aceitação da responsabilidade pela Seguradora logo na petição inicial (artigos 122.° a 124.°).

    18. E esse facto alegado pela Autora foi reiterado pelo Banco Réu na contestação e aceite nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 567.°, n.° 2 do CPC, na versão então aplicável, pelo que deve ser dado por assente que a Seguradora aceitou os danos.

    19. Acresce que a Autora, ao não autorizar a vistoria ao seu imóvel, impediu a seguradora de aceitar os danos em momento anterior àquele em que os aceitou.

      21.

      O impedimento da verificação da condição pela Autora tem como efeito último que, para aqueles danos em concreto, a garantia não pudesse mais ser accionada, independentemente do que viesse a ser o desfecho posterior das vistorias levadas a cabo pelas Seguradoras.

      22.

      Nos termos do disposto no artigo 275.°, n.° 2 do Código Civil, se a condição for provocada "…por aquele a quem aproveita, tem-se por não verificada", o que veio a suceder neste caso.

      23.

      Além do mais, da declaração...

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