Acórdão nº 1835/07.9TBOA7.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA – ..., Lda., propôs uma acção contra BB – ..., Lda, pedindo a sua condenação no pagamento de € 208.544,12 (€ 207.755,42 de capital e € 1.788,70 de juros de mora já vencidos), acrescidos dos juros que se vencerem até integral pagamento. Para o efeito, e em síntese, alegou ter celebrado com a ré “um contrato de prestação de serviços de contabilidade e consultadoria administrativa”, em 1 de Março de 2006, denunciado pela ré por carta de 27 de Fevereiro de 2007, para produzir efeitos a partir de Maio seguinte; e ter direito ao pagamento de facturas já emitidas e enviadas e de uma indemnização, contratualmente fixada no “valor correspondente ao que receberia a A. caso cumprisse o contrato até final”.

A ré contestou. Por entre o mais, invocou: ser falso ter sido celebrado tal contrato pela ré ou por algum dos seus gerentes; serem falsos, quer o documento que a autora juntou ao processo, quer os factos nele relatados; nunca ter tido conhecimento “da existência de um papel como o junto com a p.i. (…) até que a sua existência foi declarada numa carta do advogado da A. de 06.03.2007. Impugnou a autoria da assinatura dele constante, “semelhante à do sócio da ré CC”, que negou ter assinado o documento. Alegou ainda: que a autora, através do seu sócio DD, lhe prestava serviços de contabilidade desde 1990, “mediante um contrato verbal de avença”, relação nunca formalizada e à qual pôs termo em 27 de Fevereiro de 2007, com pré-aviso até 31 de Maio de 2007, porque DD deixou de prestar devidamente os serviços a que se obrigara; que eram impensáveis os termos do contrato invocado pela autora (nomeadamente, o prazo de dez anos para a respectiva vigência, os termos da indemnização prevista para o caso de rescisão, igual ao “valor integral do período em falta até ao fim do contrato”, ou a previsão de pagamento de 13º e 14º mês e de uma actualização do montante a pagar). Disse ainda não ter pago três das facturas juntas por estarem incorrectos os valores delas constantes, como avisara a autora, pedindo a correcção; arguiu a nulidade do contrato invocado pela autora, por esta exercer ilegalmente a actividade de TOC e observou que, de qualquer forma, seria aplicável ao caso o regime definido pelo Código Civil para o mandato, e suscitou a nulidade ou a necessidade de redução de algumas cláusulas, para a hipótese de se decidir ter havido contrato e não ser o mesmo nulo Houve réplica e tréplica.

Na réplica, a autora manteve a veracidade do contrato, assinado por CC, sócio gerente da ré e com poderes para a vincular, em seu nome; e alegou extensamente diversos factos relativos à sociedade e ao contrato, em particular quanto ao circunstancialismo em que este fora celebrado.

Na tréplica, a ré arguiu a nulidade do contrato, por não caber “no âmbito da capacidade das sociedades (…), mas [que], ao contrário, teria como objectivo a satisfação de um interesse privado e pessoal do dito sócio CC”: a actuação deste não “caberia no âmbito do que prevê o art. 259º do Cód. das Sociedades, sobre os limites dos poderes de gerência, pelo que nunca vincularia a sociedade nesse contrato contrário à lei” e ainda por ter um fim “contrário à lei”.

A acção veio a ser julgada “parcialmente procedente”, pela sentença de fls. 321. A ré foi condenada a pagar à autora a quantia de € 207.755,42, acrescidos de € 1.658,73 de juros de mora vencidos e dos vincendos, sobre o capital, “desde a data da entrada da petição inicial em juízo até efectivo e integral pagamento”, calculado segundo a taxa dos juros comerciais.

Em resumo, a sentença considerou não estar demonstrada nenhuma causa de invalidade do contrato invocado pela autora: “o (…) contrato, para além de existir, é válido, vincula a ré e produz efeitos, sendo certo que o facto de tal contrato não ter sido dado a conhecer à ré, transcende à autora, tratando-se de questões a dirimir entre a ré e o mencionado sócio subscritor do contrato em apreço”.

Pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 606, proferido em recurso interposto pela ré, a sentença foi revogada em parte. A Relação entendeu que “admitindo-se a existência do contrato invocado pela autora, teria de considerar-se provado (art. 659º nº 3 do CPC), como esta reconheceu, que esse contrato foi negociado apenas com o sócio CC, tendo este acordado com a autora que o mesmo funcionaria como factor preventivo e dissuasor de medidas unilaterais e de força que o sócio EE e família pudessem adoptar na ré contra o referido sócio CC e foi realizado a pedido deste e com o objectivo de garantir a permanência da autora na ré”; “que a ré assumiu, através do referido contrato, um conjunto de direitos e obrigações perfeitamente compatíveis com a sua personalidade colectiva e indispensáveis à sua actividade e, por isso também, à prossecução do seu "fim" social”, não sendo portanto nulo; mas que, “na perspectiva dos poderes de representação do sócio-gerente CC”, “o sócio CC, apesar de se mover nos limites formais dos seus poderes de representação, não actuou em conformidade com os fins desta, que deveriam visar a prossecução do interesse da sociedade que representava. Agiu desse modo com abuso de representação, procurado satisfazer tão só um interesse pessoal, em prejuízo da sociedade que representava, daí decorrendo um manifesto e, como se viu, não justificado benefício da autora (como ficou patente com a pretensão formulada nesta acção). Temos por certo igualmente que a autora sabia que o referido sócio da ré, ao celebrar o contrato, não agiu no interesse desta e que, com o contrato e especialmente com a estipulação das duas aludidas cláusulas, lesava o interesse da sociedade. Conclui-se assim pela existência de abuso de representação do aludido sócio-gerente da ré, o que tem...

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