Acórdão nº 8284/07.7TBBRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2014
Magistrado Responsável | PAULO SÁ |
Data da Resolução | 11 de Fevereiro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – AA intentou, na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga, acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB e mulher CC, DD, EE e mulher FF, Banco GG, S.A, HH e mulher II, JJ, Caixa KK, LL, MM e mulher NN, OO e mulher PP, QQ e mulher RR, Banco SS, S.A e TT e mulher UU, pedindo: a) que seja declarada a nulidade parcial da escritura de constituição da propriedade horizontal do prédio de cujas fracções Autores e Réus são proprietários, quanto à descrição da fracção “…” na parte em que integra na mesma “uma garagem privativa na cave para recolha de veículo automóvel”, substituindo-a por “lugar na garagem comum da cave”; b) a condenação dos 13.ºs Réus a demolir a edificação que envolve a garagem privativa, a fechar a abertura do portão que lhe dá acesso com materiais idênticos aos da parede comum onde foi aberto, bem como a reconstruir as caixas destinadas aos elevadores, restituindo a cave do prédio à configuração constante da planta objecto de licenciamento; e c) que seja ordenado o cancelamento do registo no que respeita à descrição da fracção “…” na parte em que refere “uma garagem privativa na cave para recolha de veículo automóvel”, substituindo-a por “lugar na garagem comum da cave”.
A fundamentar este pedido alegou, em suma: É proprietária da fracção “…” do prédio urbano, composto de cave, rés-do-chão e quatro andares, sito actualmente na ..., para onde tem os números …, … e … de polícia e ..., para onde tem os números … e … de polícia, da freguesia de Braga, o qual foi constituído em propriedade horizontal por escritura pública outorgada em 05-‑01-1988 pelos 5.ºs Réus (HH e FF), que eram então seus proprietários.
Nessa escritura foi declarado, nomeadamente, que a fracção “…” (actualmente pertencente aos 13.ºs Réus EE e UU) era composta de uma garagem privativa na cave para recolha de um veículo automóvel, a qual foi aí edificada e envolvida em paredes de cimento e tijolo, ocupando um espaço de 18 m2, com uma abertura para acesso directo ao exterior onde foi colocado um portão em metal, com vista a garantir a exclusividade da utilização pelo seu proprietário.
Esta escritura de constituição de propriedade horizontal foi, porém, elaborada em desconformidade com o licenciamento administrativo da mesma que previa que a cave destinada a garagem fosse comum e não autorizava a construção daquele espaço privativo fechado, que se encontra a ocupar zonas de manobra e aparcamento, bem como destinadas às caixas de elevador que, por tal razão, não chega à cave do prédio, como fora previsto no licenciamento.
Esta desconformidade e a circunstância da garagem privativa não reunir as condições de individualização e autonomia previstas no art.º 1415.º do Cód. Civil determina a nulidade parcial do título constitutivo.
Os 13.ºs Réus TT e UU contestaram, nos termos de fls. 267 a 271, alegando que adquiriram a fracção “…” aos 5ºs Réus HH e FF, por escritura pública outorgada no dia 21-03-1989, da qual fazia parte integrante a referida garagem privativa que, na data da aquisição, já existia na cave e que foi construída por estes últimos.
Declinaram, assim, qualquer responsabilidade na eventual desconformidade entre a escritura de constituição da propriedade horizontal e as plantas, imputando-a aos 5ºs Réus, vendedores e construtores do imóvel, pugnando, com este fundamento, pela sua ilegitimidade.
Excepcionaram, ainda, a prescrição do direito, por se encontrarem na posse titulada e de boa-fé da referida garagem há mais de quinze anos, tendo ainda invocado a respectiva aquisição por usucapião.
Por fim, impugnaram a factualidade alegada pela Autora respeitante ao uso por si dado à garagem e alegaram que a mesma não impede a circulação de pessoas e veículos, nem a realização de manobras.
Concluíram, pedindo a improcedência total da acção e a procedência das excepções por si invocadas.
A A. replicou, pugnando pela legitimidade dos Réus contestantes e pela improcedência da excepção de prescrição, já que o prazo de prescrição ordinário é de 20 anos e a nulidade pode ser invocada a todo o tempo.
Acrescentou, ainda, que estes Réus não podem opor-lhe a posse e aquisição do direito de propriedade sobre a garagem, uma vez que até ao registo da presente acção não haviam registado esta aquisição, tendo ainda impugnado a factualidade invocada na contestação respeitante à posse.
Por fim, requereu a intervenção principal de ZZ e mulher AAA e de BBB e mulher CCC, por se tratarem dos actuais proprietários das fracções “…” e “…”, respectivamente.
A intervenção principal provocada dos identificados proprietários foi admitida, não tendo pelos mesmos sido apresentado articulado.
Os 13.ºs Réus treplicaram, invocando que a Autora actua com abuso de direito.
Constatado o falecimento do 10.º Réu, OO, procedeu-se à habilitação dos respectivos sucessores (a sua viúva e aqui também 10.ª Ré PP e o filho de ambos DDD), por sentença proferida a fls. 19 e 20 do apenso A.
O despacho saneador foi elaborado e no mesmo foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade e de prescrição.
De seguida, foi seleccionada a matéria assente e a base instrutória, a qual mereceu a resposta constante dos autos.
Realizada a audiência de julgamento, no final foi proferida sentença, a julgar totalmente improcedente a acção e, em consequência, a absolver os RR. dos pedidos.
A A. interpôs recurso de apelação, sem êxito, já que a Relação julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença.
De tal acórdão veio a A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.
A recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: 1ª) Está comprovado que a autorização municipal para a constituição da propriedade horizontal impunha que a cave se destinasse a espaço amplo comum para garagem 2ª) Como espaço amplo comum para garagem, previa-se que cada condómino titular de fracções com direito de aparcamento de viatura, poderia circular sem limitação na garagem comum, e aparcar o seu veículo, indistintamente em qualquer dos locais disponíveis que mais lhe conviesse, sem que se reservasse qualquer privilégio ou vantagem de designação fixa de um espaço para um determinado condómino; 3ª) Está comprovada a profunda desconformidade emergente da edificação da “garagem privativa da fracção “…”, na zona licenciada para espaço amplo comum para garagem, pois, quanto à titularidade dessa utilização a mesma sofre uma profunda alteração – deixa o referido espaço de estar afecto ao uso comum para estar afecto ao uso e propriedade de um só condómino 4ª) Daqui resulta, uma evidente e gravosa desconformidade entre a configuração da cave no licenciamento municipal e a que lhe veio a ser dada pela escritura de propriedade horizontal na subtracção à garagem de uso comum, para edificação de uma garagem privativa e fechada 5ª) Como se provou, com a desconformidade, licença/título, ficou impossibilitada a circulação e manobra de veículos na zona onde foi implantada e que foi licenciada para ser um espaço comum 6ª) Quando no art.º 1418.º n.º 2 alínea a) alude ao “fim” a que se destina cada fracção ou parte comum, pretende-se precisamente que seja fixado em relação a cada espaço do prédio, não só o tipo de uso que se vai fazer do espaço (habitação, arrumos, estacionamento de veículo) mas ainda se esse uso é reservado apenas a um dos condóminos ou a todos indistintamente 7ª) Se se entende que “o ponto fulcral reside na falta de conformidade entre o fim ou utilização que, relativamente a determinado espaço, consta do projecto aprovado, e o fim ou utilização que é conferido a esse espaço pelo título constitutivo da propriedade horizontal” (Ac. STJ de 23/11/2004, in www.dgsi.pt, doc. SJ200411230035386), a falta de conformidade é evidente quando se desvia para a utilização exclusiva de um condómino uma parte do edifício destinada a zona comum de usufruto de todos indistintamente; 8ª) Resultando provado que edificação da dita garagem privativa se estende para uma zona onde fora licenciada a colocação das caixas de elevadores, ocupando e vedando esse espaço, a alteração do fim a que se destina o espaço não é aqui só quanto à titularidade comum ou privada do uso do mesmo, mas do próprio tipo de utilização 9ª) Passar a garagem privada de recolha uma zona destinada às caixas dos elevadores é uma gritante desconformidade entre o fim constante da autorização administrativa para a constituição da propriedade horizontal e a escritura notarial respectiva para os efeitos da nulidade cominada no n.º 3 do art.º 1418.º do CCiv; 10ª) A nulidade prevista no n.º 3 do art.º 1418.º do CCiv decorre ope legis da verificação de divergência entre o fim estabelecido para uma fracção ou zona comum na escritura da propriedade horizontal e no projecto aprovado pela entidade pública competente sem que o legislador estabeleça qualquer restrição ou condicionamento complementar para a declaração de nulidade; 11ª) A edificação da garagem privativa em questão, sobre o local destinado às caixas dos elevadores no licenciamento municipal inviabilizando a montagem e funcionamento de tais equipamentos, independentemente de ser ou não obrigatória a existência de elevadores no prédio em questão, configura sempre desconformidade intolerável entre os requisitos do licenciamento municipal e a escritura de constituição da propriedade horizontal, determinando a nulidade parcial desta; 12ª) Resultando provado que “a iluminação da garagem depende de uma ligação ao sistema de iluminação das zonas comuns” não tendo sequer sido prevista ligação de alimentação eléctrica particular para a dita garagem privativa, resulta que a mesma não reúne sequer as condições de isolamento e autonomia que o art.º 1415.º do CCiv exige para as fracções autónomas, determinando também por isso a nulidade parcial do título constitutivo no que respeita à “privatização” descrita, por via do disposto no art.º 1416.º n.º 1 do CCiv; 13ª) O...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO