Acórdão nº 10485/09.4TBVNG.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução12 de Dezembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra COMPANHIA DE SEGUROS BB, S.A.

, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 354 797,51, acrescida de juros de mora calculados desde 03-09-2007.

Alegando, para tanto, e em suma: Celebrou com a Ré um contrato de seguro do ramo multi-riscos através do qual garantiu os riscos, entre outros, de furto do conteúdo do seu estabelecimento comercial, do qual fazia parte uma colecção de miniaturas de aviões e comboios; Entre os dias 28/8/2007 e 2/9/2007 ocorreu um furto no dito estabelecimento, tendo sido subtraídos bens no valor peticionado; A Ré, alegando falta da prova da propriedade da colecção de miniaturas, ónus constante de uma condição geral, que não havia sido comunicada ao A. no momento da celebração do contrato, não assumiu a responsabilidade decorrente do contrato.

Citada a Ré, veio a mesma contestar, impugnando a existência do sinistro e dos danos, e alegando que, por ter tido dúvidas quanto à existência e extensão do sinistro, solicitou, nos termos previstos numa cláusula geral do contrato, a prova da propriedade da colecção de miniaturas, o que o A. não fez.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 431 e 432 consta.

Foi proferida a sentença, em cuja parte dispositiva se lê: “Nos termos expostos, julgo procedente a acção e, em consequência, condeno a Ré a pagar ao A. a quantia de € 354.797,51 (trezentos e cinquenta e quatro mil e setecentos e noventa e sete euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida de juros, calculados à taxa legal, e contados desde 07.02.2008”.

Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, onde, por acórdão de fls 499 a 514, e na sua procedência, foi a ré absolvida do pedido.

Agora irresignado, veio o autor pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, onde, por acórdão de fls 604 a 617, na sua parcial procedência, se anulou o acórdão recorrido para que a Relação aprecie de novo a matéria de facto impugnada (a matéria relativa ao valor dos objectos referidos no quesito 4.º e as demais, na medida em que haja necessidade de evitar contradições e profira nova decisão de direito, atenta a fundamentação de facto.

Proferiu a Relação do Porto novo acórdão, de fls 649 a 660, no qual, na parcial procedência da apelação, se revogou em parte a sentença recorrida, condenando-se a ré a pagar ao autor o montante que se liquidar, através de incidente próprio, correspondente ao valor dos objectos e danos referidos no decidido quanto ao ponto 4.ºda base instrutória.

De novo inconformado, veio o autor pedir nova revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, na sua alegação, formulado as seguintes conclusões: 1ª - O Acórdão da Relação do Porto decidiu com "excesso de pronúncia", ao enviar para liquidação o valor dos bens enumerados no quesito 4 da base instrutória (afora a "colecção de miniaturas"), porquanto e nos termos da decisão deste Supremo Tribunal, não devia tomar pronúncia sobre o valor desses bens, já líquido, porque não objecto de recurso da Apelante Seguradora. Resultando nulidade para o Acórdão: art. 661.º do CPCivil.

  1. - A Relação do Porto no seu Acórdão podia e devia dar cumprimento ao decidido por este Supremo Tribunal quanto à alteração da matéria de facto da base instrutória. Não o fazendo decidiu com "excesso de pronúncia", o que inquina o Acórdão de nulidade: art. 661.º do CPCivil .

  2. - O Acórdão da Relação decidiu com "omissão de pronúncia", ao não condenar a Recorrida Seguradora, mesmo em caso de liquidação, no pagamento de juros, como foi pedido, calculados à taxa legal, e devidos desde 7/2/2008: o que também é matéria que fere o Acórdão de nulidade: art. 661.º do CPCivil.

  3. - A Ré Seguradora incorreu em "abuso de direito" na modalidade de "venire contra factum proprium", ao opor ao Autor um suposto valor "exacto", depois do sinistro ter ocorrido, e sendo que, antes de celebrar o contrato, nada fez para o apurar, com o que evitaria a celebração de um contrato com um suposto sobresseguro e com os inerentes sobre prémios, caso agisse diligentemente e de boa-fé, como o impõe o art. 227.° CCivil.

  4. - A Relação do Porto, no Acórdão sob Recurso motivou a decisão na existência de umas "caixas", nuns documentos de fls 331-345 e no facto de que "nenhuma outra prova existe".

    As referidas "caixas" são um facto novo, não constam alegadas em parte alguma dos Autos, nem há prova de tal facto. Os ditos documentos de fls. 331-345 nenhuma relação têm com o litígio destes Autos. A dita não existência de outra prova não corresponde, de todo, à verdade: arts 659.°, 668.° e 664.° do CPC com a consequente nulidade.

  5. - Sobre as referidas "caixas", porque facto novo que é, deveria ter sido dada ao Recorrente a oportunidade de se pronunciar, de exercer o seu direito ao contraditório, o que não aconteceu: art. 3.° do CPCivil, com consequente nulidade.

  6. - Há nos Autos prova documental bastante, com força probatória plena, prova que se sobrepõe à prova testemunhal, quanto ao valor da "colecção de miniaturas" furtada: - como é o caso dos documentos de fls. 30/32 e 48 escritos da Seguradora ao Segurado; - dos documentos de fls. 65/69, 79/85, 94/101 e 108/115 que são as listagens das miniaturas que compunham a colecção furtada; - dos documentos de fls. 35/36, 77/78, 93 e 114 que são as Actas das Condições Particulares da Apólice de seguro; - e dos documentos de fls. 60/64, 70/74, 86/91 e 102/106 que são as Propostas de Seguro, inicial e das alterações negociadas. Documentos que não fora criticamente valorados, como era suposto: arts 515.°, 659.°/2 e 723.°/3 CPCivil e art. 376.º/1/2 do CCivil.

  7. - Como há nos Autos matéria assente e factualidade provada - Alíneas B - C - E - G e I, e quesitos 1 - 2 - 3 - 6 e 9, factualidade que não foi objecto de um exame crítico, como devia e da qual, igualmente, se colhe a prova do valor reclamado pela referida "colecção de miniaturas" : art. 659.° CPCivil.

  8. - Quanto aos factos vertidos na Especificação relativos ao valor dos objectos seguros e que constam nas negociações preliminares e do contrato de seguro, subscrito pela Ré e Autor, e que foram admitidos por acordo/confissão, tal valor há que ser considerado, deste modo, por provado, plenamente provado, passando à categoria de facto sobre o qual não é admissível dúvida ou discussão, isto é, de facto inquestionavelmente adquirido para o processo: art. 358.° do CCivil 10ª- Donde resulta a inadmissibilidade da prova testemunhal - quanto ao valor dos bens - pois tal prova iria incidir sobre facto plenamente provado por documento com força probatória plena: art. 393.°/2 do CCivil.

  9. - A Relação desrespeitou, ou não fez a melhor e mais adequada interpretação do art. 342.°/1/2 do CCivil, na medida em que cabia ao Autor o ónus da prova do valor dos bens furtados, declarado e acordado na Apólice - seu facto constitutivo - mais precisamente o valor da "colecção de miniaturas".

    E cabia à Seguradora o ónus da prova do valor real da dita colecção, à data do furto, ou a prova de que era outro o valor da mesma colecção - facto impeditivo e/ou modificativo.

  10. - O Acórdão recorrido violou o disposto quanto ao ónus de alegação, uma vez que não existe, no caso em apreço, uma constituição do aludido quadro factual - "caixas" e sua desvalorização - traçado pela Relação do Porto, pelo que desconhece o Recorrente que factual idade sustentou aquele quadro, como se adoptou o conhecimento de factos que não constam das peças processuais, e isto porque não foram devidamente alegados pela Recorrida, os factos que sustentariam esse quadro: arts 264.° e 664.° do CPCivil.

  11. - Não se verifica, in casu, uma indefinição do valor dos prejuízos sofridos pelo Recorrente, existindo nos Autos, outrossim, documentos com força probatória plena que atestam esse valor. A Relação do Porto violou, no Acórdão sob censura, o disposto no art. 661/2 do CPCivil.

  12. - O Acórdão da Relação não respeitou os critérios legalmente prescritos para a interpretação de declarações negociais como constam definidas nos arts 236.° e 238.° do CCivil, como não fez a melhor interpretação do art. 364.° do mesmo CCivil, quanto à força probatória, ali definida, de um determinado meio de prova: arts 721.º, nº 2, 722.º, nº 2 e 729.º, nº2 do CPC.

  13. - O Recorrente contratou com a Recorrida um contrato de seguro do tipo "Multiriscos Comércio e Serviços" nos termos do qual a Seguradora assumiu a responsabilidade de, quanto ao risco de furto e em relação aos bens segurados, nomeadamente uma "colecção de miniaturas", ressarcir o Segurado pelos danos eventualmente decorrentes no caso de sinistro. Tal colecção, formada por centenas de miniaturas, identificadas e valorizadas peça a peça, conforme listagem anexa à Proposta da última alteração, estava segurada pelo montante de € 384.388,50. Em parte alguma existe referência a "caixas", pelo que a abrangência do contrato, neste aspecto, está limitada às miniaturas que compunham a colecção.

  14. - Este valor de € 384.388,50 porque provado e "valor acordado", que não "valor declarado", é o montante pelo qual a Recorrida deve ressarcir o Recorrente em consequência do sinistro, para além das demais quantias reclamadas.

  15. - Sendo as "caixas", neste caso concreto e para o nosso direito, coisas "acessórias" não estão elas abrangidas pelo contrato de seguro em litígio, não fazem parte do conteúdo dos bens segurados pelo Recorrente, como, a fortiori, não fazem parte da "colecção de miniaturas". O Recorrente contratou um seguro, digamos assim, para uma "colecção de miniaturas", coisa principal, que não para "caixas", coisa acessória. E o negócio jurídico que tem por objecto a coisa principal, só no caso de declaração em contrário abrange a coisa acessória, que in casu não consta do contrato de seguro: arts 202.°...

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