Acórdão nº 213/08.7TJVNF-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelORLANDO AFONSO
Data da Resolução26 de Setembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACÓRDÃO Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça: A) Relatório: Pelo 5ºjuízo cível do Tribunal Judicial da comarca de Vila nova de Famalicão corre, por apenso, processo de oposição à execução para pagamento de quantia certa deduzido por AA, Lda., identificada nos autos, contra BB, Lda.

, também identificada nos autos, alegando que nunca teve qualquer relação comercial com a exequente, que nunca contraiu ou assumiu qualquer dívida para com ela, que nada lhe deve e que ela, exequente, se apoderou abusivamente da letra dada à execução, tendo-a apresentado a pagamento e, depois, instaurado a acção executiva de que esta oposição é dependência.

Concluiu pugnando pela procedência da oposição, pela extinção da execução e pela condenação da exequente como litigante de má fé, em multa não inferior a 100 UC e indemnização não inferior a 3.000,00 €.

A exequente, notificada, contestou a oposição, alegando que a letra dada à execução foi emitida na sequência de um acordo que não foi cumprido e que a executada decidiu assumir juntamente com os primeiros devedores.

Terminou defendendo a improcedência da oposição à execução, o prosseguimento da acção executiva e requereu a condenação da executada como litigante de má fé, em multa e indemnização condignas, a segunda não inferior a 5.000,00 €.

Saneado o processo procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento de acordo com as formalidades legais, conforme da acta consta, no termo da qual, após produção da prova, foi proferido despacho de fixação da matéria de facto dada como provada e como não provada, sem reclamação das partes.

Seguiu-se a prolação de sentença que: Julgou a oposição improcedente. e condenou a oponente, como litigante de má fé, em 4 UC de multa e em 2.000,00 € de indemnização a favor da exequente, sendo 1.500,00 € para pagamento de honorários e 500,00 € por encargos.

Inconformada, a executada interpôs o recurso de apelação tendo o Tribunal da Relação decidido julgar improcedente a apelação confirmando a sentença recorrida.

Inconformada interpôs a executada revista excepcional alegando, em conclusão, o seguinte: I. A Recorrente interpôs recurso de apelação da sentença proferida na primeira instância, na qual se considerou exequível o título dado à Recorrida - exequente em garantia de uma dívida de sociedade terceira, a despeito do disposto no art. 6º , n° 3 do Código das Sociedades Comerciais, com referência ao art. 294° do Código Civil.

II.O acórdão do Tribunal da Relação do Porto confirmou, assim, a sentença recorrida que julgou improcedente, por não provada a oposição à execução apresentada pela executada, condenando-a ao pagamento de uma multa de 4 UCs e ao pagamento de uma indemnização de € 2.000,00 sendo €1.500,00 de honorários para a mandatária da exequente e € 500,00 por encargos próprios desta.

  1. Ao proferir o acórdão, entendeu o Tribunal da Relação que "a assunção (cumulativa) de uma dívida (de outras sociedades) por parte de uma sociedade comercial traduz a constituição de uma garantia conferida ao credor" e que "não é pelo simples facto de ter garantido uma dívida de terceiros que, sem mais, o respectivo acto (no caso, a assunção da dívida) deva ser considerado contrário ao fim e interesse da sociedade que o prestou, ainda que dele não decorra uma vantagem económica imediata para esta.

    IV.Mais referiu que competia à ora Recorrente alegar e fazer a prova de que a assunção de dívida foi contrária ao seu fim social, ou seja, ao seu próprio interesse, para efeito de ser verificada a nulidade invocada, por violação do art. 6º , n° 3 do Código das Sociedades Comerciais com referência ao art. 294° do Código Civil.

    V.E que a alegação de nulidade, por parte da Recorrente, constitui abuso de direito.

    VI.Todavia, a Recorrente não se pode conformar, em especial à luz da relevância jurídica e da sua contradição com outros acórdãos já transitados em julgados que foram proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça e por outros Tribunais da Relação, inclusive o da Relação do Porto sobre as questões aqui abordadas.

  2. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça revela-se essencial até como instrumento orientador dos tribunais inferiores, concedendo aos beneficiários da Justiça, uma maior segurança jurídica quanto às questões materiais e processuais que surgem por consequência da prestação de garantias por sociedades a outras sociedades, à luz do art. 6o, n° 3 do Código das Sociedades Comerciais.

  3. Em contraposição ao acórdão recorrido, a ora Recorrente tomou por base os seguintes acórdãos - fundamentos: Decidiu o acórdão recorrido, quanto à nulidade da garantia, que "não é pelo simples facto de ter garantido uma dívida de terceiros que, sem mais, o respectivo acto (no caso, assunção de dívida) deva ser considerado contrário ao fim/interesse da sociedade que o prestou, ainda que dele não decorra uma vantagem económica imediata para esta ".

    Em contraposição ao fundamento do acórdão recorrido, está o do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Fevereiro de 2000, processo n° 1218/99, in BMJ 494 (2000), p. 366 e seguintes, a corroborar a tese da Recorrente, ao decidir que: "(...)II- A delimitação da capacidade das sociedades comerciais faz-se, nos termos do artigo 6o do Código das Sociedades Comerciais, em função do respectivo fim, que é o da obtenção de lucros mediante o exercício em comum de uma actividade que não seja de mera fruição. (...) VI - São nulos os actos praticados por titulares de órgãos de sociedade comercial que não sejam abrangidos pela capacidade desta. VII- Não podem vincular a sociedade comercial os actos estranhos à capacidade desta praticados por titulares dos respectivos órgãos. VIII- Não tem, assim, cabimento discutir acerca da eventual vinculação de uma sociedade comercial em relação a um contrato de penhor de carteira de activos financeiros prestados a favor de terceiro celebrado por um administrador e um procurador seus, sem que ocorresse qualquer das situações referidas em V" O acórdão recorrido quanto ao ónus da prova, entendeu que "é à sociedade garante que compete alegar e provar a inexistência de interesse próprio ou que o acto integrador da garantia concedida é contrário ao seu fim social, para que proceda a nulidade prevista no n° 3 do art. 6º do CSC, com referência ao art. 294 do CCiv. " Todavia, em sentido contrário encontra-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-02-2003, processo n° 03A2485, que foi expresso ao decidir que: "Como se viu, a regra geral contida na 1ª parte do n° 3" do art. 6º, cede perante às excepções previstas na parte final do preceito, isto é, no caso de existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou de se tratar de sociedades em relação de domínio ou de grupo. Em tais hipóteses a sociedade possuirá plena capacidade de gozo para a prestação da garantia. Por conseguinte, a verificação dessas situações excepcionais aparecem como condição de validade das garantias prestadas e por isso têm de ser provadas pelo beneficiário da garantia que dela se quiser prevalecer." (sublinhado nosso) O acórdão recorrido, quanto a questão do abuso de direito, decidiu que "tendo a executada prestado voluntariamente a dita garantia e emitido a letra dada à execução, a nulidade acabada de referenciar nunca seria de decretar já que tal traduziria o deferimento de uma actuação abusiva por parte daquela, sob a veste de um "venire contra factum proprium".

    Todavia, em contraposição a esse entendimento, temos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09 de Maio de 1995, processo n° 9421189, disponível in www.dgsi.pt que decidiu que o abuso de direito "I- (...) nem sempre existe quando alguém invoca a nulidade de negócio jurídico em que interveio. II- não se verifica o abuso de direito por parte de uma sociedade comercial ao arguir de nulas, com fundamento no art. 6º, n° 3 do Código das Sociedades Comerciais, as fianças por si prestadas.

  4. Portanto, deverá ser admitido e julgado procedente o presente recurso, tendo em vista a demonstração da contradição existente entre os julgados retro elencados e o acórdão recorrido.

    X.No caso em apreço, a recorrente ao interpor o recurso de apelação, considerou o entendimento de que por força do citado art.6º, n° 3 do CSC, com...

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