Acórdão nº 367/2001. E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Janeiro de 2014
Magistrado Responsável | ABRANTES GERALDES |
Data da Resolução | 16 de Janeiro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – O MUNICÍPIO de VILA REAL de SANTO ANTÓNIO veio propor acção declarativa, com processo ordinário, contra: - MASSA FALIDA de “AA- SOC. HOTELEIRA do SUL, S.A.
”, e - BB pedindo que seja “considerada nula a alienação do lote 6/64 através de hasta pública” realizada em 30/11/1964 e posteriormente transmitida para a AA - Soc. Hoteleira do Sul, S.A. (actualmente designada por Massa Falida da AA, S.A.
) e que seja declarado que tal lote de terreno é propriedade da A.
Alegou que em 30/11/1964 procedeu à venda em hasta pública de um lote de terreno a favor de CC, ficando convencionado que tal lote seria destinado à construção de um edifício de comércio e convívio, a que deveria iniciar-se no ano posterior e ser concluída no decurso dos dois anos subsequentes. Mais ficou clausulado que se não fossem respeitados tais prazos a venda seria “nula” e não produziria qualquer efeito.
Entretanto, os direitos de CC foram transferidos para a Soc. AA, Soc. Hoteleira do Sul, SA.
Concluiu que as condições estipuladas não foram cumpridas, de modo que o incumprimento é fundamento para a “rescisão do contrato, independentemente de quem for o seu actual titular”.
A R. BB, que pretendeu registar a seu favor o direito de propriedade do lote mediante escritura de justificação notarial, contestou e invocou a aquisição originária do imóvel por usucapião, tendo alegado que tomou posse do imóvel em 1973. Invocou ainda a “caducidade ou prescrição” (sic) do direito da A.
A R. AA apresentou a contestação, invocando a excepção peremptória de prescrição, com a consequente absolvição do pedido.
A A. replicou.
Tendo falecido a R. BB, foi habilitado DD.
Foi proferido saneador-sentença que julgou a acção improcedente e procedente a excepção da prescrição, absolvendo os RR. do pedido.
Recorreu a A. e a Relação, revogando a sentença, julgou a acção procedente, declarando nula e de nenhum efeito a alienação do lote em hasta pública, reconhecendo a A. como proprietária.
Recorreu a R. Massa falida e concluiu que:
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A decisão de 1ª instância, deixando de lado todas as outras questões que deveria ter apreciado, em virtude de ter apreciado previamente e considerado procedente uma excepção peremptória de prescrição, não decidiu do mérito da causa.
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Ora, tendo o recurso de apelação sido centrado apenas na excepção de prescrição, não restam dúvidas de que o acórdão recorrido enferma de uma nulidade.
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Não podia a Relação substituir-se à 1ª instância e decidir julgar procedente a acção como o faz, declarando nula e de nenhum efeito a alienação do lote 6/64 e que tal lote é propriedade da A.
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Ficou assente que o contrato dos autos continha uma cláusula contratual resolutiva expressa, interpretação com a qual a recorrente concorda.
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A ideia de total liberdade contratual mantém-se ainda que as partes, nas relações contratuais que programaram e reduziram a escrito, tenham atribuído a alguma delas sujeições jurídicas a que correspondam verdadeiros direitos potestativos. Ainda assim, entendemos que não saímos do domínio das relações contratuais privadas sem qualquer razão para as excluir do regime geral da lei que a todas elas regula.
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No caso dos autos, a cláus.11ªé uma cláusula resolutiva expressa. Ou seja, findo o período estipulado no contrato, a contraente vendedora (a A.) ficaria com o direito a exercer a resolução do contrato, sendo que as partes contraentes não convencionaram qualquer prazo para que a A. exercesse o direito à resolução. Por conseguinte tem aplicação as regras gerais da prescrição.
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O direito contratualmente conferido a uma das partes em poder resolver o contrato por ambos celebrado não é um direito isento de prescrição, conforme dispõe o nº 1 do art. 298° do CC, e muito menos um direito indisponível, bem pelo contrário.
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Conjugando o nº 2 deste preceito com o previsto no nº 2 do art. 436°, há sujeição à prescrição do direito em causa, pois as partes não convencionaram um prazo para o exercício do direito à resolução, nem o comprador alguma vez o comprador o fez, sendo que apenas na hipótese de ter havido, por qualquer destas possibilidades legais, estipulação de prazo, se chegaria à conclusão de que o direito estaria sujeito a um prazo de caducidade, afastando-o do regime geral da prescrição dos direitos.
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A certeza e segurança jurídicas que estão na base destes dois institutos - o da prescrição e o da caducidade, não se coadunam com a interpretação que o acórdão recorrido faz da imprescritibilidade dos direitos potestativos quando estes, pela sua não sujeição a prazos de exercício, determinam uma incerteza sine die na esfera jurídica de quem está a eles sujeito, excluindo daqui apenas os direitos abstractamente atribuídos aos cidadãos no quadro de determinados institutos.
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Nenhum direito ou nenhuma acção destinada a exercê-lo parece poder ficar fora de um desses regimes de prescrição ou de caducidade e que asseguram a segurança e a estabilidade das relações jurídicas, quaisquer que elas sejam; de uma maneira ou de outra, os direitos potestativos estão sempre sujeitos a um desses regimes.
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No caso dos presentes autos e na ausência de estipulação de prazo para o exercício do direito potestativo atribuído contratualmente ao vendedor - o deste ver o seu contrato resolvido a seu contento -, o seu direito deixa de estar sujeito às regras da caducidade para passar a estar sujeito, tal como os restantes direitos, às regras da prescrição, atento o princípio da estabilidade e segurança jurídicas que estão na base destes institutos.
Houve contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Factos provados: 1. Em 30/11/1964, a C. M. de Vila Real de Santo António deliberou adjudicar por licitação em hasta pública e mediante a contrapartida (preço) de 560$00 m2, a CC, “uma parcela de terreno, sita em Monte Gordo, para construção de um edifício de convívio”.
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Para a adjudicação (alienação) referida em 1.
foram publicitadas por edital as seguintes “Condições Gerais e Especiais”: “1ª A parcela de terreno é alienada em lote apropriado e exclusivamente destinado à edificação do tipo fixado pela Câmara; 2ª O lote está identificado na planta (…) sob o nº 6/64.
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A alienação é feita em hasta pública.
(…) 5ª Condições especiais: (…) b) Este...
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