Acórdão nº 695/09.0TBBRG.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução16 de Janeiro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA instaurou uma acção contra BB e mulher, CC, pedindo a condenação do réu a “abster-se de passar pelo terreno do autor de qualquer forma, respeitando a plena propriedade do mesmo uma vez inexistente qualquer servidão sobre si”. Subsidiariamente, e a entender-se existir uma servidão, pediu que fosse “demarcada a norte do tanque de água”, e, subsidiariamente ainda, que se declarasse “a mesma extinta”.

Para o efeito, e em síntese, alegou que o réu tem passado indevidamente pelo seu terreno, onde habita numa moradia, nomeadamente com camiões pesados, transportando materiais de e para o prédio de que é proprietário, e que utiliza como “estaleiro de construção civil”; que tinha existido um caminho pedonal, que passava por um outro prédio, que deixou de ser usado; que o prédio do réu é contíguo à Estrada Nacional nº 14, “que lhe possibilita a comunicação imediata com a via pública”. Afirmou ainda que, a ter existido a servidão, ela se teria extinguido por desnecessidade.

Os réus contestaram. Por entre o mais, alegaram a ilegitimidade do autor, por estar desacompanhado da sua mulher; afirmaram que o caminho por onde passa a sua servidão não pertence ao prédio do autor; que, de qualquer modo, não pode sustentar-se a desnecessidade da servidão, uma vez que “o réu sempre se serviu por este caminho de servidão”; e que “é do conhecimento geral e do autor também que as Estradas de Portugal não autorizam um acesso directo àquela estrada”.

Em reconvenção, pediram que fossem declarados proprietários do prédio que beneficia da servidão, cuja constituição por usucapião deve ser declarada, e que os autores fossem condenados a reconhecer que a servidão de que beneficiam não permite a passagem “com veículos automóveis”, mas apenas “a pé, carros de bois ou tractor”.

Foi admitida a intervenção principal de DD, mulher do autor (cfr. despacho de fls. 129), por este requerida a fls. 124.

A acção e a reconvenção foram julgadas parcialmente procedentes, pela sentença de fls.271. Mas a sentença foi anulada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls. 367, “para que seja ampliada a base instrutória”, para apurar “se é permitido o acesso directamente da via pública ao prédio dos RR. (e o inverso)”, por ser “fundamental para se formular um juízo sobre a necessidade ou desnecessidade da servidão reconhecida aos RR.”.

O autor interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido pelo despacho de fls. 431, uma vez que não cabe recurso do acórdão da Relação proferido ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 712º do Código de Processo Civil, como foi o caso (nº 6 do mesmo artigo 712º).

Na sequência da anulação, foi aditado à base instrutória o quesito 21º-A, com o seguinte texto: “As Estradas de Portugal não autorizam um acesso directo do prédio dos RR à Estrada Nacional nº 14?” (despacho de fls. 440), ao qual veio a ser respondido “não provado” (despacho de fls. 481), esclarecendo-se que a alteração da utilização do prédio dos réus (“o prédio era e sempre foi de natureza rústica (…), passando o réu a dar-lhe outra finalidade, estaleiro de materiais de construção civil, o que obriga naturalmente a assegurar outro tipo de acesso”) não impede que as Estradas de Portugal possam “autorizar o acesso directo ao prédio, para fins de estaleiro, desde que salvaguardadas as condições impostas na legislação rodoviária, o que implica obras no prédio dos réus”.

A fls. 488 foi proferida nova sentença, na qual se decidiu: “a) Julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência (…), – reconhecer que o autor e a chamada são donos e proprietários do prédio descrito de 1. a 4. dos factos provados, devendo os réus reconhecê-los nessa qualidade e absterem-se da prática de actos que impeçam ou diminuam o exercício desse direito; – reconhecer que sobre o mesmo prédio foi constituída servidão de passagem, por usucapião, a favor do prédio dos réus descrito em 5. dos factos provados, para execução de trabalhos nas leiras, e para tocar mato, a pé, com carros de bois e alfaias agrícolas, bem como com veículos motorizados (excluindo camiões e veículos pesados), com trajecto descrito nos pontos 33 a 37 dos factos provados e alterado conforme descrito nos factos provados de 39 a 43.; – declarar a mesma servidão de passagem extinta, por desnecessidade, face à existência de um acesso directo ao mesmo prédio referido em 5., cujo licenciamento apenas depende da realização de obras da responsabilidade dos réus; – absolver os réus dos demais pedidos formulados na acção; b) Julgar parcialmente procedente a reconvenção e, e em consequência”, decidir “— reconhecer que os réus são donos e proprietários do prédio descrito em 5. dos factos provados, devendo o autor e a chamada reconhecê-los nessa qualidade e absterem-se da prática de actos que impeçam ou diminuam o exercício desse direito; – reconhecer que sobre o prédio descrito em 6. dos factos provados foi constituída servidão de passagem, por usucapião, a favor do prédio do autor e da chamada, a pé, com carros de bois, tractor ou alfaias agrícolas e veículos motorizados (excluindo camiões e veículos pesados), com trajecto descrito nos pontos 33 a 37 dos factos provados e alterado conforme descrito nos factos provados de 39 a 43.; – absolver autor e chamada dos demais pedidos formulados na reconvenção”.

  1. Os réus recorreram, de novo, para o Tribunal da Relação de Guimarães.

    Pelo acórdão de fls. 592, a apelação foi julgada parcialmente procedente e a sentença foi revogada “na parte em que declara extinta por desnecessidade a servidão de passagem constituída em prol do prédio dos RR.”.

    Interessa agora recordar que a Relação entendeu: “E não estando demonstrado que os RR. podem aceder à via pública através da sua propriedade e vice-versa, não obstante a mesma ser contígua ao seu prédio, não pode ser declarada extinta por desnecessidade a servidão de passagem.

    Mas apesar de não poder ser declarada a extinção do direito, não significa que os RR. possam utilizar o caminho de servidão com a extensão com que o estão a utilizar.

    (…) No caso, não se apurou que o direito de passagem que os RR. adquiriram por usucapião abrangesse a utilização com camiões e veículos pesados que tem vindo a ser feita. (…) Não se alegou nem provou qualquer acordo das partes com o propósito de alterar a extensão da servidão”.

  2. O autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: «A) Nas suas peças processuais, os RR, recorrentes para a Relação, restringiram o objecto processual, sendo certo que em recurso já não lhes era permitido ampliá-lo de modo a abranger uma questão nova que passou por uma decisão instrutória de que não se reclamou ou recorreu.

    B] Não é um facto mas antes uma conclusão ou ilação dizer em contestação "até porque é do conhecimento geral e do Autor também, que as Estradas de Portugal não autorizam um acesso directo àquela estrada".

    C] Parece que não podia o tribunal de recurso transformar uma ilação, contida na expressão "conhecimento geral e do A também", num facto como "As EP rejeitaram o licenciamento referente ao prédio X ou Y", ou "o prédio identificado X ou Y não tem licenciamento das EP"; D] Não teria o tribunal de julgamento qualquer dever de levar para a base instrutória uma mera suposição pois só de factos é feita a base instrutória.

    E] O licenciamento é irrelevante para a questão, que é de facto não de direito, uma vez que a obra da entrada de cujo licenciamento se discute foi efectuada pela própria entidade que licencia e até em data anterior à entrada em vigor do DL13/71, de 23/01.

    F] Em 1979 a Junta Autónoma das Estradas, como expropriante, responsabilizou-se pela manutenção de quaisquer serventias aos terrenos dessa EN14, e do qual faz parte o prédios dos RR conforme documento que se juntará para debater esse facto novo trazido ao processo em recurso.

    G] A decisão recorrida viola a lei substantiva, designadamente a interpretação que faz do artigo 1569º quando entende ser relevante o licenciamento de entrada no prédio dominante, sem cuidar de saber sobre o momento da sua constituição, se anterior ou posterior a 1971, ou da autoria da sua construção, se particular se entidade pública, que torna desnecessária outra entrada que onerava prédio serviente.

    H] Há desnecessidade (de servidão) se o prédio dominante tem acesso à via pública, o proprietário serviente tem interesse na extinção e para o proprietário dominante não se eliminem interesses atendíveis – Acórdão RC de 10.05.2005: CJ, 2005, 35º 9.

    I] "A desnecessidade de subsistência da servidão para o prédio dominante como requisito previsto no 1569ºnº2 do Código Civil para a extinção de uma servidão afere-se em relação ao momento da introdução da acção em juízo, não sendo necessária a prova...

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