Acórdão nº 653/07.9TBLGS.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2013
Magistrado Responsável | TAVARES DE PAIVA |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório A autora AA Ldª intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra, BB e Banco CC SA , pedindo a condenação do 1º Réu no pagamento da quantia de € 55.623,76 , acrescida de juros de mora à taxa legal ,desde a citação e a condenação do 2º R até ao montante de € 24.000,00 daquela quantia.
A Autora fundamentou a sua pretensão alegando em síntese, ter celebrado com o Réu BB um contrato de cessão de exploração de um restaurante, por três anos, e que este pôs fim ao contrato antes do termo, sem causa justificativa, pelo que incorreu em responsabilidade pelos prejuízos causados e pelos benefícios que a autora deixou de receber, o que ascende a €55.623,76 , dos quais €11.771,26 respeitam a reparações que a autora teve de efectuar, €41.140, 00 respeitam às 17 prestações mensais devidas até ao termo do contrato e €2.712,50 respeitam às diferenças de IVA entre Julho de 2006 e Novembro de 2006 , que o réu não pagou e à diferençado valor base da prestação acordada para os meses de Maio de 2006 a Novembro de 2006.
Quanto à peticionada condenação do Réu BCP, alegou a autora que a responsabilidade lhe advém de se ter obrigado como principal pagador na garantia bancária que prestou para o caso de incumprimento do contrato pelo1º Réu, até ao montante de €24.000,00.
O réu BB contestou, por excepção e por impugnação, alegando, em síntese, que só depois de ter começado a laborar se apercebeu das deficiências de construção e de equipamento do restaurante, que a sua responsabilidade pela manutenção fora acordada tendo em vista um estabelecimento e equipamento em condições normais de utilização, que ele próprio teve de comprar equipamento vário para suprir as deficiências e avarias do existente, que os defeitos, que enumerou, eram tão graves que o impossibilitaram de continuar a trabalhar, que, por outro lado, desde Maio de 2007 que a autora tem o estabelecimento de novo a funcionar, e que esta não tomou posse do estabelecimento mais cedo apenas porque se recusou a receber as chaves.
Concluiu que foi a autora que não cumpriu o contrato, por lhe ter entregue um estabelecimento que não estava em condições de funcionamento, o que integra excepção de não cumprimento, e que, por isso, tinha direito a resolver o contrato, pelo que desde a resolução ficou exonerado de quaisquer obrigações, sendo a pretensão da autora de receber as prestações um abuso de direito.
O réu Banco também contestou, impugnando a factualidade alegada pela autora quanto ao incumprimento do réu BB, por não serem factos pessoais ou que devesse conhecer, e dizendo que a garantia caducou com a resolução do contrato efectuada pelo primeiro réu.
A autora replicou, para resposta às excepções, dizendo nomeadamente que o réu BB explorou o estabelecimento durante duas épocas altas, a Primavera e o Verão de 2005 e 2006, sem lhe ter apresentado qualquer reclamação da falta de condições do estabelecimento.
Tendo sido realizada audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença, que concluiu julgando parcialmente procedente a acção, e improcedentes as excepções deduzidas, pelo que ficou decidido declarar ilícita a resolução do contrato de cessão de exploração feita pelo primeiro réu, e condená-lo a pagar à autora a quantia de € 44.162,50 (quarenta e quatro mil, cento e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento; e condenar o réu BCC, como principal pagador, a pagar a quantia de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), daquela quantia de € 44.164,50, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Não se conformaram os RR, BB e BCC e interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora que, pelo Acórdão de fls.585 a 613, julgou improcedentes os recurso de apelação interpostos e confirmou a sentença da 1ª instância.
Novamente inconformado o Réu, BB, interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal.
Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões: a) Normas jurídicas violadas: Arts. 252.°, n.° 2, 334.° e 437.°. n.° 1, do Código Civil.
b) Dispõe o Art. 334.° do CC que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
c) Pelo contrato celebrado com o recorrente, a recorrida transmitiu a este a exploração do estabelecimento, tendo sido acordada uma prestação mensal que seria a remuneração da transmissão em causa.
d) A legitimidade da recorrida em realizar o negócio advém-lhe do seu direito de propriedade sobre o estabelecimento em causa.
e) A recorrida na presente acção vem pedir a totalidade das prestações que o recorrente teria de pagar até ao final do contrato de cessão de exploração, que apenas terminaria em 1 de Maio de 2008.
f) Entretanto, durante o período de tempo que medeia entre o dia 17 de Novembro de 2006 e o dia 1 de Maio de 2008, o recorrente não mais explorou o estabelecimento comercial em causa.
g) Por sua vez, a recorrida pelo menos desde o dia 6 de Março de 2007, que está na posse do estabelecimento, tendo inicialmente executado obras e explorando-o desde Maio de 2007.
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Exigir o pagamento de prestações vincendas ao recorrente, sem que este explore o estabelecimento, é um comportamento que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé.
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O disposto no art. 334.° do CC impõe assim a necessidade de reduzir o pedido da recorrida aos limites impostos pela boa fé, redução essa que passa claramente pelo menos pela impossibilidade de pedir o pagamento das prestações a partir da data em que a recorrida poderia ter tomado efectivamente a posse do estabelecimento, isto é, em 17 de Novembro de 2006, data em que se recusou a receber as chaves das mãos do recorrente.
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Face a matéria dada como provada pelo tribunal da l.a instância, torna-se evidente que as falhas mencionadas na matéria de facto em nada têm que ver com uma normal utilização de um estabelecimento comercial de restaurante.
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Tais falhas afectavam gravemente o normal funcionamento do estabelecimento, contendendo assim o estado do edifício e equipamento defeituoso quer com as garantias dadas pela recorrida no contrato de cessão de exploração (vide cláusula 2a) quer até pelas regras da boa fé que regem o negócio celebrado com o recorrente.
1) Era obrigação da recorrida ter o estabelecimento comercial de restauração em boas condições de funcionamento, de modo a permitir que o recorrente o explorasse em circunstâncias normais.
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Tendo em conta os problemas existentes, designadamente com a fossa séptica e com o sistema eléctrico, o estabelecimento comercial em causa não cumpria as mais elementares normas de higiene e segurança, pondo em risco o recorrente, os seus funcionários, os seus clientes e até a própria vizinhança; n) O facto de chover no interior do edifício onde se encontra instalado o estabelecimento comercial, o facto de as casas de banho emitirem um cheiro nauseabundo que provocava queixas de clientes, o facto de a fosse séptica extravasar provocando um cheiro nauseabundo, o facto de existirem equipamentos deficientes e em mau estado e ainda também o facto de existirem problemas na instalação eléctrica tem como consequência o incumprimento por parte da recorrida do contrato de cessão de exploração.
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Tal incumprimento, confere ao recorrente o direito de poder resolver com justa causa o contrato, o qual veio a exerce-lo, mediante a carta que enviou à recorrida datada de 7 de Novembro de 2006.
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Mesmo que tal não viesse a ser assim entendido, sempre o recorrente teria direito de resolver o contrato, com base no disposto no art. 437.°, n.° 1 do CC, que dispõe que se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem entretanto sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada o direito à resolução do contrato ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que as exigências das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
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O recorrente quando contratou com a recorrida não podia ter conhecimento dos problemas existentes da fossa séptica, da casa de banho, eléctricos, da água a cair dentro e o problema do equipamento os quais vieram a afectar de modo inevitável e definitivo a exploração do estabelecimento comercial.
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Apesar de não ter sido invocada expressamente pelo recorrente a alteração superveniente das circunstâncias na carta que enviou à recorrida datada de 7 de Novembro de 2006, as mesmas podem extrair-se e/ou subentender-se dos fundamentos que levaram o recorrente à resolução do contrato por justa causa, sendo certo que, a alteração superveniente das circunstâncias é um conceito jurídico, não sendo de exigir ao recorrente ter conhecimentos jurídicos que lhe permitam vir invocar expressamente tal conceito, nem sequer lhe pode ser assacada tal responsabilidade, s) A alteração das superveniente das circunstâncias extrai-se da prova que foi produzida em sede de audiência de julgamento na l.a instância, pelo que, não necessita o recorrente de vir invocá-la expressamente, uma vez que, trata-se expressamente de matéria de direito.
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Para além disso, sempre se dirá ainda que, a resolução do contrato por alteração das superveniente das circunstâncias também se aplica à presente situação, por aplicação do disposto no n.° 2 do art. 252.° do CC que dispõe que se o erro recair sobre as circunstâncias que constituam a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído.
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Na verdade, o recorrente nunca teria assinado o contrato se tivesse tido conhecimento prévio dos problemas graves de funcionamento existentes no restaurante.
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Assiste-lhe o direito de...
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