Acórdão nº 27/09.7TBHRT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelTAVARES DE PAIVA
Data da Resolução10 de Dezembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório: Diocese Leiria-Fátima e Pia União das Escravas do Divino Coração de Jesus instauraram contra AA e BB o presente procedimento cautelar comum requerendo: a) Que estes se abstenham da prática de quaisquer actos em representação da 2.a requerente, nomeadamente conferir mandatos, administrar, onerar ou alienar quaisquer bens ou direitos da Pia União; b) Que os requeridos entreguem aos actuais representantes da Pia União relação de todos os bens móveis, de todas as contas bancárias, de todos os encargos e rendimentos prediais, de todos os contratos de arrendamento, comprovativo do depósito das quantias recebidas por força de escritura, Livro de Actas; e ainda c) Que sejam notificados o Centro Distrital de Santarém e rendeiros que identificam para não aceitarem a prática de quaisquer actos dos requeridos em representação da 2.a requerente.

Afastada a prévia audição dos requeridos foi proferida decisão a determinar: a) Que os requeridos se abstenham da prática de quaisquer actos em representação da Pia União, nomeadamente conferir mandatos, administrar, onerar ou alienar quaisquer bens ou direitos da Pia União; b) Que os requeridos entreguem aos actuais representantes legais da Pia União (comissários nomeados pelo Sr. Bispo de Leiria-Fátima): relação de todos os bens móveis que constituem o recheio dos prédios urbanos e mistos da Pia União; relação de todas as contas bancárias de que a Pia União seja titular, sua forma de movimentação e movimentos respectivos; relação de todos os encargos e rendimentos prediais dos prédios da Pia União; relação e envio de todos os contratos de arrendamento urbano e rural e contacto dos rendeiros respectivos; comprovativo do depósito das quantias recebidas no valor de €145.000 por força da escritura pública outorgada em 02.09.2008, lavrada a fls. 72 do Livro 85 do Cartório Notarial de Fátima Ramada; O Livro de Actas (a existir) ou o envio de todas as actas da Pia União e correspondência trocada com a Autoridade Eclesiástica, Bispo de Leiria-Fátima.

c) Que se notifique o Centro Distrital de Santarém bem como os rendeiros CC, Instituto de Apoio à Criança e Centro de Apoio Temporário ao Repatriado, nas respectivas moradas, de que não deverá aceitar a prática de quaisquer actos dos requeridos em representação da Pia União.

Citados, vieram os requeridos opor-se, pedindo que a providência seja revogada.

Sustentaram, em síntese, verificar-se: a) Litispendência entre os presentes autos e uma providência que corre termos no Tribunal Judicial de Ourém; b) Incompetência territorial na medida em que a acção definitiva é da competência do Tribunal de Ourém; c) Ilegitimidade da Diocese, na medida em que a Pia União é uma associação privada de fieis; d) Falta de poderes de representação da Pia União; e) Devem intervir na acção quatro associadas da Pia União, que identificam; f) Pugnam, a final pela improcedência da acção; Requereram, a final, como se de reconvenção se tratasse, e em sede de providência cautelar, a condenação da Diocese a indemnizar a Pia União e a Fundação pelos danos decorrentes da presente providência.

A segunda requente apresentou articulado de resposta, que foi desentranhado por inadmissibilidade legal (fls. 1007).

Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento e, a final, foi julgada improcedente a oposição (e obviamente, também, desconsiderado o pedido de condenação das requerentes).

Os requeridos não se conformaram com a decisão e recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de fls. 1734 a 1774, julgou improcedente a apelação, mantendo na íntegra a decisão objecto de recurso.

Inconformados, os requeridos – entendendo-se por recorrentes apenas estes e não a Fundação do Divino Coração de Jesus, que não consta como parte no presente procedimento cautelar – interpuseram revista excepcional, nos termos do art. 721.º-A do CPC.

Submetida a apreciação a revista excepcional à Formação, a que alude o art. 721.º-A, n.º 3, do CPC, pelo acórdão de fls. 2357 a 2365 foi concluído que não era caso de análise de admissibilidade da revista excepcional, se a revista normal fosse de admitir e nessa conformidade determinou a remessa dos autos à distribuição como revista normal.

Convoladas as alegações da revista excepcional como alegações de revista normal, encontram-se formuladas as seguintes conclusões: A) A Pia União foi criada por iniciativa das suas associadas, que quiseram livremente associar-se e que requereram a erecção ao Bispo de Leiria-Fátima, que aprovou os Estatutos «à experiência», B) Consequentemente, à luz dos cân. 116.1, in fine e 299.1 e 2 do CDC, trata-se duma associação privada de fiéis; C) Como tal, atenta a localização sistemática do cân. 318 – Cap. II do Título V “Das associações públicas de fiéis” – e a inexistência de norma semelhante no Cap. III “Das associações privadas de fiéis” não tem o Bispo de Leiria-Fátima poderes para designar «comissários» em substituição da Superiora, nem para praticar qualquer acto de administração dos bens da Pia União; D) Bens livremente administrados pela associação, nos termos do cân. 325.1, sendo bens privados, que não se regem pelo CDC (cân. 1257.2); E) Sendo nulos os actos do Bispo de Leiria-Fátima, quer os de designação de «comissários», quer o de intervenção nos presentes autos, como requerente; F) Carecendo a Diocese de legitimidade para intervir nestes autos e o «comissário» de poderes de representação da Pia união; G) Cabendo exclusivamente à sua Superiora a prática de quaisquer actos de representação da Pia União, sendo válidos aqueles que praticou no exercício das suas funções, H) Pelo que, nada justificaria o decretamento da providência, não havendo qualquer direito a acautelar por aqueles que se arrogam titulares desse poder; I) Mostrando-se o douto Acórdão recorrido eivado de contradições entre os pressupostos e a decisão, nomeadamente quanto à apreciação dos factos relacionados com as Capelas, a vida religiosa e a casa da Povoação e, sobretudo, a sustentar a tese da natureza pública da associação, dando como provado que esta tem ou teve assistente espiritual; J) Sendo o assistente espiritual uma figura exclusiva das associações privadas de fiéis (art. 61º das Normas e C. 324.2 CDC), porquanto as associações públicas têm um capelão ou assistente eclesiástico (art. 41.º das Normas e C. 317.1 do CDC); K) O processo sub judicio tem identidade substancial de partes e pedidos relativamente ao P.º 2047/08.0TBPDL-1, no qual foi proferido Acórdão, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que reconhece a natureza privada da Pia União e que esta é representada pela sua Superiora, que administra livremente os respectivos bens; L) Pelo que, ao decidir de modo diverso, o douto Acórdão ora impugnado violou o caso julgado formado nos referidos autos, sendo por isso, nulo, nos termos do art. 668º do CPC, M) Devendo, consequentemente, ser revogado; N) O douto Acórdão recorrido, ao fundamentar a decisão em douto Acórdão do STJ, que transcreve parcialmente, que distingue as matérias submetidas à jurisdição civil e canónica face ao art. 11º da Concordata de 2004, decidindo exclusivamente com base na Concordata de 1940, é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos da al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC; O) De acordo com o art. 11º da Concordata de 2004, aprovada para ratificação pela RAR nº 74/2004, de 16 de Novembro, relativamente às pessoas jurídicas canónicas, é competente a autoridade eclesiástica, quando esteja em causa a violação do direito canónico, e os tribunais civis, quando esteja em causa a violação do direito interno português; P) No caso dos autos estão em causa actos relativos a bens temporais duma associação de fiéis constituída canonicamente, expressamente excluídos da aplicação do Código de Direito Canónico pelo parágrafo 2º do Cânone 1257º; Q) Pelo que, tratando-se de averiguar, a título incidental, qual a natureza – pública ou privada – da Pia União no sentido de se aferir a aplicabilidade do referido preceito, são os Tribunais Civis competentes por força do art. 96.º, n.º 1, do CPC; R) Competência que, reportando-se os actos impugnados (essencialmente) a bens imóveis e à constituição de pessoa colectiva com sede em Portugal (a Fundação do Divino Coração de Jesus) é exclusiva dos tribunais portugueses, nos termos das al. a) e c) do art. 65.º A do CPC; S) Uma interpretação que vede aos Tribunais do Estado a averiguação da natureza jurídica da Pia União e a regularidade da sua representação para a prática de actos relativos a bens imóveis e à constituição de pessoa colectiva de direito português e com sede em Portugal viola frontalmente S1) Os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, consignados no art. 2.º da Constituição, S2) concretizado na violação do princípio da liberdade de associação, nas vertentes de liberdade de auto-governo, liberdade administração e disposição dos seus bens pelas associações privadas, consignado no art. 46.º, n.º 1 e 2 da Constituição e S3) a garantia da tutela jurisdicional efectiva, consagrada no art. 20.º da Constituição, consubstanciando uma denegação do acesso a um tribunal independente, S4) porquanto a autoridade eclesiástica é parte, não podendo ser independente, nos autos impugnados.

T) Pelo que, violando o douto Acórdão recorrido as disposições processuais e constitucionais acima referenciadas, deverá ser revogado por douto Acórdão que reconheça serem competentes para o julgamento dos autos os Tribunais do Estado, Devendo ser fixada jurisprudência no sentido de que i) Os tribunais judiciais são competentes para apreciar e decidir sobre a validade de actos emitidos por autoridades eclesiásticas a ao abrigo do direito canónico, nomeadamente quando estes respeitem a bens imóveis sitos em Portugal, sendo nesse caso exclusiva a competência dos Tribunais Portugueses, por força do art. 65.º-A do CPC e que, ii) Uma associação de fiéis, constituída por...

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