Acórdão nº 3186/08.2TBVCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução18 de Dezembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.3186/08.2TBVCT.G1.S1.

R-429[1] Revista.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e BB, intentaram em 6.11.2008, no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, com distribuição ao 4º Juízo Cível, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: - Companhia de Seguros CC, S.A., e; - DD-Sociedade Concessionária da Scut do Norte Litoral, S.A., Pedindo que: - a 1.ª Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia de € 125.000,00, sendo € 50 000,00 a título de danos não patrimoniais e € 75 000,00 por danos patrimoniais, quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal, desde a citação da Ré até integral pagamento; - a 2.ª Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de € 10.000,00, sendo € 5 500,00 por danos não patrimoniais e € 4 500,00 por danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a citação da Ré até integral pagamento.

A requerimento da 2.ª Ré, foi admitida a intervenção acessória, a fim de acautelar um eventual direito de regresso daquela, de “EE-Companhia de Seguros, S.A.”, e “FF Alliance, Plc”, com sede no Reino Unido.

Os demandantes alegaram, em resumo: - No dia 28 de Novembro de 2005, cerca das 08,50 horas, na A-28, ao quilómetro 73,7,no sentido Caminha/Viana do Castelo ocorreu um acidente de viação.

- Nesse acidente foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-HC, que era conduzido, na ocasião do acidente, pelo Autor seu proprietário.

- Perto do quilómetro 73,7, na via de sentido Caminha/Viana, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-HC, conduzido pelo seu proprietário, ao descrever uma curva à sua direita, surgiu-lhe um cão a atravessar a via da direita para a esquerda, o condutor do veículo ainda travou, desviou-se para o lado direito a fim de não atropelar o animal, entrando na berma, e, como o piso se encontrava molhado, entrou em despiste não conseguindo controlar o veículo, embateu no separador central em betão, capotando duas vezes.

- O local do acidente configura uma curva com boa visibilidade, a faixa de rodagem tem, no local do acidente, cerca de 7,60 metros de largura e, no momento do acidente, o tempo estava bom, apesar de o piso se encontrar molhado.

- À data do acidente, encontrava-se transferida para a Ré seguradora a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação provocados por aquele veículo ...-HC, a ocupantes do mesmo, através de contrato de seguro, válido e vigente, titulado pela apólice nº 750852373.

- No momento do acidente, a autora AA ocupava o lugar da frente, ao lado do condutor, do veículo ...-HC.

- Em consequência directa do acidente, a autora ficou gravemente ferida, tendo sido transportada de imediato para o Hospital Distrital de Viana do Castelo, onde deu entrada no serviço de urgência.

- Em consequência das lesões sofridas a autora, que ao tempo tinha 41 anos de idade, esteve internada e sofreu danos físicos e psicológicos que descreveu.

- Auferia como professora o vencimento-base de € 1.774,38.

- Ficou afectada de incapacidade permanente de 15%.

- O veículo do Autor, um SEAT Ibiza de 1997, ficou totalmente irrecuperável valendo à data do acidente quantia não inferior a € 5 000,00.

- Por causa do acidente ficaram inutilizados vários objectos do Autor (óculos, livros e roupa) no valor aproximado de € 500,00.

- O Autor sofreu ferimentos, vindo a ser suturado na cabeça, ficando com uma cicatriz dolorosa, e esteve sujeito a vários tratamentos.

As rés contestaram, pedindo a sua absolvição por acidente não ter ocorrido por falta de vigilância da via onde o acidente ocorreu.

*** Foi proferida sentença, em 8.5.2008 – fls. 526 a 539 – cujo dispositivo é, no essencial, como segue: - “Condena-se a Ré DD-Sociedade Concessionária da Scut do Norte Litoral, S.A. a pagar ao Autor BB a quantia de € 3.645,00 (três mil seiscentos e quarenta e cinco euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação sobre € 2.145,00 e desde a presente data sobre o restante, tudo até integral pagamento; - Condena-se a Ré “Companhia de Seguros CC, S.A.” a pagar à Autora AA a quantia de € 1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.

*** Inconformados, os Autores recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por Acórdão 22.1.2012 de fls. 706 a 713 –, confirmando em Conferência a decisão singular do Relator, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida, ainda que com fundamentação diversa.

*** Inconformada, a Autora recorreu – revista excepcional – para este Supremo Tribunal de Justiça, e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1ª) - O presente recurso tem por objecto o douto acórdão proferido nos autos em 22.01.2013, o qual, julgando a apelação improcedente, veio a confirmar a decisão recorrida, por sua vez proferida pelo Tribunal Judicial de Viana do Castelo em 08.05.2012.

  1. ) - Ora, sucede que, o acórdão objecto do presente recurso, relativamente à Autora AA, veio a reconhecer que, sem dúvida, esta tem de ser considerada como terceiro no que concerne à protecção concedida ao abrigo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, pelo que, a priori, teria direito a uma indemnização pelos danos decorrentes do acidente dos autos, a pagar pela Ré CC, com base no capital obrigatoriamente seguro nos termos legalmente previstos e não com base, tão-somente, no capital de 15.000,00 € (apenas cobertura de “ocupantes de viatura”).

  2. ) - Porém, o acórdão recorrido, apesar do anteriormente descrito, veio, a final, a enquadrar o acidente dos autos na exclusão da responsabilidade prevista no art. 505° do Código Civil, ou seja, veio a considerar ter o acidente em causa resultado de “causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”, pelo que, assim, estaria excluída a responsabilidade de indemnização por parte do condutor do veículo, mesmo a título de risco, e, consequentemente, excluída estaria também a responsabilidade de indemnização da parte da seguradora/Ré CC.

  3. ) - Acontece que, esse entendimento ou enquadramento sobre a questão fundamental de direito sub judice (trata-se de danos provenientes dos riscos próprios do veículo, tal como previstos no art. 503°, n°1, do Código Civil ou, pelo contrário, de danos resultantes de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, como previsto no art. 505° do Código Civil?), vertido no acórdão recorrido, encontra-se directa e frontalmente em contradição com o decidido no douto Acórdão-fundamento cuja cópia (certidão judicial) ora se junta às presentes alegações, isto é, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.02.2009, proferido em revista no Processo n°147/09-7ª Secção deste Supremo Tribunal, o qual teve origem nos autos de Processo n°5996/05.3TVLSB, da 3ª Vara Cível – 1ª Secção – da comarca de Lisboa, e transitou em julgado 09-03-2009 – (cfr. certidão judicial integral, com a respectiva nota de trânsito em julgado, junta em anexo).

  4. ) - Com efeito, no Acórdão-fundamento do Supremo Tribunal de Justiça, supra identificado, em oposição absoluta ao decidido pelo acórdão ora recorrido, foi decidido, precisamente, o seguinte: “O veículo seguro na recorrente despistou-se na sequência de desvio efectuado pelo respectivo condutor ao aperceber-se do surgimento inesperado do canídeo é de concluir que o despiste constitui no caso evento que se integra na esfera dos riscos normais dos veículos de circulação terrestre. Assim, e ao invés do alegado, o despiste e subsequente acidente que vitimou a passageira do veículo não assume as características de acontecimento imprevisível, inevitável e estranho ao funcionamento do mesmo, pelo que o caso dos autos não é subsumível à previsão normativa do art. 505°, como de força maior.

    Enquadra-se, sim, no disposto no art. 503°, n° 1, ou seja, no domínio da responsabilidade objectiva. E tendo o veículo sido factor produtor do risco do acidente verificado, recai sobre a recorrente seguradora a obrigação de indemnizar a recorrida pelos danos ocasionados (art. 8°,n°1, do Dec-Lei n°522/85, de 31.12”.

  5. ) - Assim, verifica-se, no presente caso, como acima mencionado, uma manifesta e directa contradição entre o decidido pelo Acórdão recorrido, proferido pela Relação de Guimarães e o decidido pelo citado Acórdão-fundamento, deste Supremo Tribunal, em dois casos em tudo idênticos, ou seja, em que os respectivos sinistros ocorreram na sequência do atravessamento repentino de um cão na via na qual seguiam os veículos sinistrados, o qual provocou o despiste dos veículos em causa, com consequentes danos para os transportados nos mesmos, incluindo a aqui recorrente.

  6. ) - Sucedendo, pois, que, sendo entendimento da recorrente, que a decisão mais adequada e justa em tais casos é a de se entender que, efectivamente, se trata de casos em que deve operar a responsabilidade civil objectiva, derivada dos riscos próprios de utilização do veículo, em conformidade com o que previsto se encontra expressamente no art. 503°, n° 1, do Código Civil, e, por outro lado, encontrando-se preenchidos, in casu, os demais requisitos ou pressupostos legais para a admissibilidade da revista excepcional, como tal previstos no art. 721°-A, n°1, al. c) e n° 2, al. c), do Código de Processo Civil, devidamente conjugado com o previsto no art. 721°, n° 3, do mesmo diploma legal, pretende a recorrente, precisamente, que seja o presente recurso admitido e julgado por este Venerando Tribunal, de acordo com o sufragado anteriormente pelo Supremo Tribunal de Justiça, por via do aludido Acórdão-fundamento.

  7. ) - Como visto supra, no entender da recorrente AA, os danos que lhe advieram do sinistro dos autos, foram os directamente resultantes do despiste e capotamento do veículo em que era transportada ou, dito de outro modo, o despiste foi a condição da lesão, mas, também, a causa adequada do dano em questão, revestindo específica idoneidade para a produção do resultado lesivo, segundo a...

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