Acórdão nº 306/10.0TCGMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução02 de Dezembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., n.º ..., freguesia de ..., Guimarães, instauraram acção declarativa sob a forma de processo ordinário, contra Companhia de Seguros CC, S. A., com sede no ..., nº ..., Lisboa, alegando, no essencial, que, tendo contraído um empréstimo junto de uma instituição bancária, celebraram com a ré, por imposição da Caixa DD, um seguro do ramo vida, tendo como coberturas morte, invalidez total e permanente por doença e invalidez total e permanente por acidente ocorrido com as pessoas seguras, sendo tomadora aquela instituição.

O autor marido veio a padecer de doença, tendo-lhe sido diagnosticada, em ... de Janeiro de 2007, “neoplasia cólon descendente”, que o tornou total e permanentemente incapaz para o trabalho, com atribuição de uma IPG de 72%. Na sequência deste diagnóstico, exerceu o autor o direito de accionar o contrato de seguro para, assim, obter o pagamento do capital em dívida referente ao mútuo, responsabilidade que a ré recusa assumir, invocando que “à data do sinistro a cobertura que se pretende accionar já se encontrava excluída do contrato pelo facto da Pessoa Segura ter atingido o limite de idade previsto nas Condições da Apólice”.

Alegam, ainda, os autores, que, aquando da outorga do contrato de seguro, limitaram-se a assinar e a aceitar o clausulado que a ré lhes apresentou, aderindo a esse modelo, não o tendo discutido nem estipulado qualquer conteúdo. O autor alega que, na data da celebração do contrato estava em boas condições físicas, perto de celebrar 60 anos de idade, e que celebraria os 70 anos antes do terminus do contrato de mútuo. Não obstante, não lhe foi comunicada e explicada a exclusão contratual, em violação do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro. Atendendo à proximidade etária do autor em relação aos limites da exclusão contratual, se tal lhes tivesse sido comunicado e explicado, os autores não teriam celebrado o contrato de seguro.

Entendem os autores que tal facto determina a exclusão da referida cláusula contratual, ao abrigo do art. 8.º, al. a), do mesmo diploma legal, devendo a ré responder pelo pagamento do capital em dívida à Caixa DD, no valor de € 153.370,90.

Terminam, deduzindo o seguinte pedido, no articulado: «Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, consequentemente: a) Ser a cláusula referente ao art.º 2º, parágrafo 2º das Condições particulares do Seguro do Ramo Vida, apólice nº …, certificado ......, considerada excluída do respectivo contrato singular de seguro; b) Ser declarada a invalidez total e permanente do A. por doença; c) Ser a R. condenada a liquidar à Caixa DD a quantia de € 153.370,90; d) Ser a R. condenada a pagar aos A.A. as prestações já pagas desde a data da declaração da invalidez total e permanente do A. e até assunção por parte daquela do pagamento da quantia mutuada pela Caixa DD; e) Todas aquelas quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a citação e até efectivo e integral pagamento; f) E, ainda, ser a R. condenada nas custas e demais encargos legais.» (sic) Citada, a ré contestou a acção, impugnando parcialmente os factos.

Alegou que, quando, em 22 de Agosto de 2001, o autor marido aderiu ao seguro em causa tinha 57 anos de idade e foi informado, verbalmente e por escrito, de todas as cláusulas essenciais daquele seguro de grupo do ramo vida, e em especial, daquela que prevê que, independentemente da duração do contrato, as respectivas coberturas cessem quando a pessoa segura atinge os 60 anos de idade para o caso da cobertura de Invalidez Total e Permanente por Doença, ou quando atinge a idade de 70 anos para as demais coberturas.

Alegam que foi entregue aos autores, à altura da adesão, uma “nota informativa” igual ao documento junto a fls. 103.

Mais referiu a ré que, para além disso, foi também entregue ao autor cópia das “Condições Gerais, Especiais e Particulares” do contrato de seguro. Concluiu que a acção deve ser julgada improcedente.

Os autores replicaram, impugnando parte da matéria da contestação, reafirmando que a ré não cumpriu o dever de informação e que nem sequer entregou cópia das condições gerais e particulares da apólice. Dispensada a audiência preliminar foi proferido despacho saneador tabelar e seleccionada a matéria de facto, com factos assentes e base instrutória, de que as partes não reclamaram.

Na instrução, foi junto documento comprovativo da idade do autor marido, de onde resulta que nasceu no dia 9 de Janeiro de 1944.

Teve lugar a audiência de julgamento, que culminou com respostas fundamentadas em matéria de facto, a que se seguiu a prolação da sentença, cujo segmento decisório tem o seguinte teor: «Em face do exposto, decido: - julgar procedente a presente acção, e em consequência: - excluir a cláusula referente ao art.º 2º, parágrafo 2º das Condições particulares do Seguro do Ramo Vida, apólice nº …, certificado ......, do respectivo contrato singular de seguro; - declarar a invalidez total e permanente do A. por doença, para efeitos do referido contrato; - condenar a ré a liquidar à Caixa DD a quantia que, com referência ao contrato referido na alínea a) dos factos provados, se encontrar atualmente em dívida; - condenar a R. a pagar aos A.A. as prestações já pagas desde a data da declaração da invalidez total e permanente do A. e até assunção por parte daquela do pagamento da quantia mutuada pela Caixa DD, acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a citação e até efectivo e integral pagamento.» (sic) Inconformada, a ré recorre para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, após ter notificado as partes para que se pronunciassem sobre a questão nova do abuso do direito para prevenir eventual decisão-surpresa, decidiu, através de acórdão datado de 4 de Março de 2013, considerar a apelação procedente, revogando a sentença do tribunal de 1.ª instância e absolvendo a ré seguradora do pedido. Inconformados com esta decisão, interpõem os autores recurso de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações de recurso apresentadas, as seguintes conclusões: «1 – O tribunal de 1.ª instância deu por não provado o quesito 1.º e atribui uma redacção diferente aos quesitos 2.º e 3.º da Base Instrutória, por considerar que a prova produzida não foi suficiente e porque contraria as regras de experiência.

2 – Da sentença proferida pela primeira instância apenas foi interposto recurso de apelação pela Seguradora/recorrida para o Tribunal da Relação de Guimarães para controlo da matéria de direito.

3 – Daí que a Relação ao socorrer-se, ainda que não expressamente, de presunções judiciais para concluir que “o que houve, quando muito, foi um incumprimento imperfeito (não absoluto) do dever de comunicação, mas sem que se justificasse uma especial informação, por não haver necessidade objectiva de aclaração da cláusula”, violou o estatuído pelo art. 351.º C. Civil, uma vez que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.

4 – Para além disso, no processo civil, vigoram regras fundamentais sobre os requisitos de alegação e prova de factos para que uma determinada pretensão ou oposição que seja deduzida obtenha vencimento.

5 – E, se a um determinado quesito o Julgador da primeira instância responde “não provado”, por considerar que a prova produzida pela Ré não foi suficiente, não pode vir depois a segunda instância suprir por via da presunção judicial a carência de prova dum facto sujeito a julgamento, pois tal constitui a violação do princípio do dispositivo e do princípio geral do ónus da prova.

6 – Nessa medida, ao socorrer-se de presunções judiciais, a Relação violou frontalmente a lei substantiva por erro de interpretação ou aplicação, não só por aquelas não serem aqui admissíveis, como também por “in casu” não poder suprir-se por via da presunção judicial a carência de prova de um facto sujeito a julgamento.

7 – Porém, e sem prescindir, sempre se dirá que, analisado o teor das cláusulas contratuais gerais, especiais e particulares do contrato, quando conjugadas entre si, somos levados a concluir que não andou bem o tribunal “a quo” ao afirmar que as cláusulas ínsitas no contrato de seguro sub judice são explícitas e de fácil compreensão.

8 – Em primeiro lugar, porque qualquer homem médio não distingue condições especiais das condições particulares, e o certo é que, nas condições especiais, a extinção da cobertura complementar de invalidez total e permanente, quer por acidente quer por doença, verifica-se aos 65 anos de idade, enquanto nas condições particulares, a cobertura de invalidez total e permanente por doença termina quando a pessoa segura atingir os 60 anos de idade e por acidente quando atingir os 65 anos, não obstante tal seguro poder ser contratado por cliente até aos 65 anos de idade!!! 9 – Também do doc. 2 junto com a contestação, resulta que o seguro acompanha o prazo de empréstimo no máximo até os clientes atingirem os 70 anos de idade, estipulando, porém, prazos diferentes para as coberturas por acidente, 65 anos, e por doença, 60 anos, não obstante, e mais uma vez, estarem autorizados a contratar tal seguro as pessoas com idade até aos 65 anos! 10 – Pelo que, sabendo-se que quando o A. contratou o seguro em causa, ou seja, em 22 de Agosto de 2001, tinha 57 anos de idade, sempre a Ré tinha a responsabilidade acrescida de explicar devidamente que, apesar de o prazo de amortização do contrato de crédito subjacente ao contrato de seguro ser de 25 anos, os recorrentes só teriam direito ao seguro até aos 70 anos de idade; que em caso de acidente e/ou doença, este não teria a cobertura de seguro até aos 70 anos de idade; que, em caso de acidente o A. só teria direito à cobertura do seguro até aos 65 anos de idade; que, em caso de doença, ao contrário do previsto nas cláusulas especiais, o A. só teria a cobertura do seguro até aos 60 anos...

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