Acórdão nº 110/2000.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelBETTENCOURT DE FARIA
Data da Resolução02 de Dezembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - EDA – Electricidade dos Açores, S.A., intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra AA e mulher, BB, pedindo que lhe seja reconhecido o direito de entrar no prédio dos réus situado na freguesia de Pico da Pedra (Açores), com aviso prévio e da forma que menor prejuízo lhes cause, para realização das manutenções e beneficiações que se computarem necessárias ao cumprimento do serviço público que lhe está acometido relacionados com o transporte e distribuição de electricidade e com a segurança e bom estado de conservação das instalações.

Em resumo, alegou o seguinte: Os réus são proprietários de um prédio rústico no qual a autora – a quem está acometido o serviço público de concessão, produção, aquisição, transporte, distribuição e venda de energia elétrica – tem implantadas duas linhas de transporte de energia de alta tensão (60 KV.

Os réus, após a aquisição do aludido prédio, opuseram-se à presença daquelas instalações no dito prédio.

Contestaram os réus, defendendo-se por impugnação e formulando reconvenção.

Por impugnação invocaram a inexistência de qualquer direito da autora, designadamente o direito de passagem sobre o terreno de que são proprietários, pois esta, além do mais, não obteve prévia autorização para ocupação do prédio com vista ao licenciamento das linhas em causa, encontrando-se a violar o direito de propriedade sobre o imóvel, o que impede a procedência da acção.

Além do mais, invocam, vivem na incerteza dos efeitos nefastos decorrentes de se encontrarem a habitar uma casa onde, por cima, passam, a uma distância de 4 metros, as linhas de alta tensão (morte, caso a linha possa cair em cima do imóvel, dado estar em causa zona altamente sísmica, com chuvas torrenciais e ventos fortes, ou mesmo o embate de uma ave provocando curto-circuito e a queda da linha; efeitos magnéticos na saúde e nos equipamentos de natureza electrónica; ruído audível no interior da habitação semelhante a curto-circuito quando chove e ocorram ventos fortes; impossibilidade dos filhos poderem brincar com objectos, nomeadamente papagaios que possam tocar nas linhas).

Em reconvenção, pedem que a autora seja condenada: - a remover as linhas em causa (bem como a torre que as apoia), alterando o seu trajecto ou fazendo-as passar subterraneamente, - a pagar-lhe uma quantia mensal não inferior a 60.000$00 (desde a implantação e até à remoção das linhas), pela ocupação ilícita que vem fazendo do imóvel; - no pagamento de uma indemnização, a título de danos morais, num total de 1.000.000$00 e juros de mora.

Replicou a autora, mantendo a sua posição e concluindo como na petição inicial.

O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida sentença na qual: - a acção foi julgada improcedente e os réus foram absolvidos do pedido contra eles formulado; - a autora/reconvinda foi condenada a remover as duas linhas de alta tensão que atravessam a propriedade dos réus/reconvintes, bem como a torre ou poste que as apoia, e absolvida dos restantes pedidos deduzidos em reconvenção.

Interposto recurso por autora e réus, o tribunal da Relação, alterou a matéria de facto[1], e, em consequência, decidiu:

  1. Julgar parcialmente procedente a apelação dos réus, revogando a sentença recorrida na parte em que absolveu a autora do pedido de indemnização pela ocupação ilícita do imóvel, condenando esta a pagar aos mesmos uma indemnização em montante a liquidar em execução de sentença; b) Anular, quanto ao mais, e nos termos do n.º 4 do art. 712.° do CPC, a sentença proferida a fim de se proceder à ampliação da matéria de facto relativamente o campo electromagnético das redes eléctrica em causa, designadamente se o mesmo se estende para além dos 4 metros de distância mínima imposta por lei nas redes de 60 KV relativamente aos edifícios – Decreto-Regulamentar n.

    º 1/92, de 18-02 (ponto assinalado em 4.2.4 no acórdão da Relação).

    Deste acórdão recorreram, em recurso de revista, autora e réus, recurso que não foi admitido quanto ao recurso interposto por estes e que foi julgado improcedente quanto ao recurso da primeira.

    Repetido o julgamento, foi proferida nova decisão em que – ressalvando que a autora foi já definitivamente condenada a pagar indemnização a liquidar em execução de sentença, relativa a ocupação i1ícita do imóvel – se decidiu: - Absolver os réus do pedido contra eles formulado; - Condenar a autora-reconvinda a remover as duas linhas de alta tensão que atravessam a propriedade dos réus-reconvintes, bem como a torre ou poste que as apoia; - Absolver a autora do pedido de indemnização por danos morais, no valor de 500.000$00 a cada um dos réus (a autora foi já definitivamente condenada a pagar indemnização a liquidar em execução de sentença, relativa a ocupação i1fcita do imóvel, por força do acórdão de fls. 478 e segs).

    Apelou a autora, tendo o Tribunal da Relação, decidido: 1. Alterar a resposta ao quesito 22, que passa a ter a seguinte redacção: as linhas eléctricas de 60 KV geram efeitos electromagnéticos; 2. Alterar a resposta ao quesito 220 que passa a ser "não provado".

    1. Não responder ao quesito 22E.

    2. Face ao referido em 2 e 3 ficam sem efeito os factos dados como provados sob os n.

      os 46 a 52.

    3. Julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, embora por diferente fundamento.

      Recorre agora novamente apenas a autora, o qual, nas suas alegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões: A. O acórdão recorrido deve ser revogado na parte em que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida embora por diferente fundamento.

      B. A audiência de julgamento inicial ocorreu em 2002, tendo dado origem às respostas à matéria de facto de fls.

      C. O Tribunal da Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 26/06/2003, confrontado com esta matéria de facto, considerou deficiente a resposta dada ao quesito 22.

      0 e menciona: "Na verdade, sabendo-se que a nossa lei consagra o direito fundamental à integridade física e a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado, manifestado no direito à saúde e à qualidade de vida e ao bem-estar, o conhecimento da pretensão dos Réus impõe que seja concretamente apurada a caracterização do campo electromagnético das linhas eléctricas em causa, pois que, só nessas circunstâncias, se poderá determinar e avaliar que efeitos (nocivos) sobre a saúde, o bem-estar e a tranquilidade dos Réus decorrem da exposição a esse campo, ou seja, a existência e grau de lesão (ou ameaça de lesão) do direito subjectivo dos Réus ao ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado." D. O que significa que o Tribunal da Relação de Lisboa, no mencionado Acórdão, pronunciou-se no sentido de que a matéria de facto constante das alíneas t), u) e respostas aos quesitos 15° a 21° da BI não era suficiente para poder condenar a A reconvinda a remover as linhas eléctricas e os RR. reconvintes a permitir a entrada da A. para execução de acções de manutenção e benfeitorias, razão porque mandou repetir o julgamento para apurar a matéria considerada para esse efeito relevante e indispensável.

      E. O Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que só poderia condenar a A reconvinda caso fossem demonstrados os factos que vieram a dar origem aos quesitos aditados e controvertidos após a prolação do Acórdão.

      F. Tendo o Acórdão do Tribunal da Relação de 26/06/2003 transitado em julgado, para o seu cumprimento, só havia dois caminhos a seguir: ou se demonstrava que os efeitos electromagnéticos gerados pelas linhas eram prejudiciais para a saúde de quem residisse no imóvel identificado na alínea a) dos factos assentes e, nesse caso, a acção seria julgada procedente quanto à remoção das linhas e improceder o pedido da A; ou não se demonstrava tal factualidade e a acção teria de improceder quanto á remoção das linhas e procedente o pedido da A.

      G. Ora, o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão agora recorrido, quanto à matéria aditada apenas dá como provado que "As linhas eléctricas de 60 kV geram efeitos electromagnéticos" H. Nestas circunstâncias, e face ao teor da decisão de 26/06/2003, já transitada em julgado, a acção, quanto à remoção das linhas pedida pelos RR. reconvintes, teria que improceder e proceder quanto ao pedido da A.

      I. Ora, o Acórdão recorrido, com os mesmos factos controvertidos que já haviam sido analisados pelo Tribunal da Relação de Lisboa no primeiro Acórdão, consegue sustentar uma decisão diferente, contrariando o Acórdão anterior.

      J. O pedido da A. está demonstrado por documento autêntico, razão porque devia ser conhecido, incorrendo o Acórdão recorrido em nulidade por falta de pronúncia - art. 668 CPC - tanto mais que está conexionado com o pedido dos RR.

      L. Sustenta o Acórdão recorrido que: "Sucede, porém, que ficou demonstrado que é tecnicamente viável para a A. remover do prédio dos RR a torre e as linhas aéreas que suporta, quer alterando o seu trajecto, quer inserindo-as subterraneamente. E os senhores peritos informam que existem soluções técnicas para redução exposição pública aos CEM gerados por linhas aéreas de alta tensão, que passam pela elevação da altura das linhas, pela modificação da geometria dos condutores nos apoios, pela blindagem magnética das linhas, pelo desdobramento de linhas e também, no caso da média tensão, pela utilização de linhas cabladas, as quais, permitem assegurar uma redução bastante significativa dos CEM gerados." M. Como é bem de ver, os Srs. Peritos reportam-se a acções de beneficiação das linhas, que permitem mitigar os efeitos electromagnéticos, sem alteração do seu traçado, evitando a sua remoção ou o seu desvio, obra esta que seria muito mais dispendiosa e nem sempre melhor solução. Na verdade, a elevação em altura das linhas, a modificação da geometria dos condutores nos apoios, a blindagem magnética das linhas, o desdobramento das linhas são intervenções possíveis sem modificação do traçado das linhas.

      N. Existe pois uma...

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