Acórdão nº 157/07.0TBOER.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução02 de Dezembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA instaurou uma acção contra BB, Lda., pedindo: –que se declare “resolvido o contrato-promessa (…) celebrado entre A. e Ré em 10.12.2004 e relativo à fracção autónoma” que identifica; – que se condene “a Ré a restituir e, assim, entregar à A. as quantias recebidas a título de sinal e seus reforços, em dobro, no valor de Eur. 123 500,00 (…); – Ou, se assim não for entendido face à traditio rei”, – que se condene “a R. a pagar ao A. a quantia de € 63.000,00 relativa ao valor do andar e suas partes integrantes na data do incumprimento, abatido do preço convencionado para o mesmo e a restituir ao A. o sinal e respectivos reforços de sinal no valor de € 61.750,00, no total de € 124.750,00 (…)”; – e ainda que se condene “a R. a pagar ao A. as quantias dispendidas por este em consequência necessária e directa do negócio contratualizado e não executado por culpa exclusiva daquela, no valor de € 5.142,10 (…); – e “a reconhecer ao A. o direito de retenção sobre o imóvel e sua partes integrantes por força do crédito deste sobre aquela (artº 755º, nº 1, f) doCCivil), até pagamento das quantias peticionadas”; – e ainda “a publicar em órgão de informação e âmbito nacional a sentença proferida nestes autos, a expensas suas”.

Para o efeito, e em síntese, alegou que o contrato-promessa foi celebrado quando o prédio ainda estava em construção, pelo preço de € 247.000,00; que pagou o sinal e sucessivos reforços; que a Ré não cumpriu o prazo acordado para a celebração da escritura de compra e venda (“até 31 de Dezembro de 2005”); que foram decisivas para a compra várias características que teria o apartamento, e que veio a verificar não existirem; que a Ré veio a marcar a escritura para 29 de Maio de 2006 mas não compareceu no cartório; que a fracção lhe foi entregue em 26 de Maio de 2006, tendo assinado um “termo de entrega” sem ter tido a oportunidade de verificar a existência de vícios ou deficiências que existissem; que detectou diversos vícios e desconformidades com o acordado; que os denunciou, mas não foram corrigidos, sendo certo que alguns são de correcção impossível; que, após diversas vicissitudes e avisos, resolveu o contrato em 5 de Dezembro de 2006 e não compareceu à escritura marcada pela ré, depois da resolução; que tem direito de retenção sobre a fracção, como garantia do crédito que detém sobre a ré; que realizou despesas com IMT (€ 9.046,00), registos (€ 400,00), avaliação e demais despesas junto do banco, para o financiamento (€ 419,75), no total de € 5.142.10 (sic), para além do pagamento do sinal e seus reforços (€ 61.750,00).

A ré contestou e deduziu reconvenção. Afirmou manter-se interessada na realização da escritura de compra e venda e atribuiu ao autor a responsabilidade pela sua não realização, sustentando ter direito a reter o sinal prestado, nos termos do nº 2 do artigo 442º do Código Civil. Pediu a condenação do autor no pagamento de € 1.000,00 por cada mês que mantivesse a fracção em seu poder, computando em € 8.000,00 as prestações já então vencidas.

O autor replicou.

A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 525, que declarou “resolvido o contrato-promessa”, condenou a ré “a pagar ao A. a quantia global de € 71.007, 75 (…), acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde a citação, bem como a reconhecer ao A. o direito de retenção sobre a referida fracção até pagamento da referida quantia” e absolveu o autor do pedido reconvencional.

Em resumo, a sentença entendeu: – que não estavam verificados os pressupostos de conversão da mora da ré em incumprimento definitivo do contrato-promessa, “para efeitos de aplicação das sanções previstas no artº 442º do C.C., improcedendo desde logo a restituição do sinal em dobro” (“A R. não omitiu pura e simplesmente a sua obrigação, tendo procedido à marcação, em prazo que se pode considerar razoável. Por outro lado, no período que mediou o termo do prazo estipulado – 30/12/2005 –- até à notificação efectuada pela R. da marcação da escritura para 29 de Maio de 2006, não efectuou qualquer interpelação à R. no sentido de lhe fixar um prazo para a marcação da escritura. Nem posteriormente. Com efeito, as missivas aludidas no item 13 dos factos provados não se destinam à referida interpelação.

)” e a prova não permite concluir no sentido da perda de interesse no cumprimento, por parte do autor; – que, todavia, resulta das cartas referidas em 13 que o autor comunicou à ré vários defeitos da fracção. Ora, “Estando em causa obrigações que não se integram no sinalagma específico do contrato-promessa, mas que autonomamente constituam fundamento de acção de cumprimento, de incumprimento ou cumprimento defeituoso, aplica-se o regime próprio do contrato prometido (art° 410°, n° 1 do C.C.) ou o regime geral – mas é-lhe inaplicável o regime do cumprimento ou incumprimento do contrato-promessa, maxime o art° 442° do C.C..”; – que “o cumprimento defeituoso da prestação, nos termos” que a sentença descreve, “a não eliminação das desconformidades apontadas nos prazos concedidos pelo A., nas suas missivas, à luz do homem médio que celebra um contrato-promessa com vista a adquirir uma fracção, da qual fazem parte integrante dois lugares de estacionamento, cujo acesso se mostra de tal forma dificultado, que afecta a finalidade dos mesmos, constitui motivo razoável e aceitável para a invocada perda de interesse na celebração do contrato prometido”; – que, nestas circunstâncias, se deve entender que houve incumprimento definitivo da ré: “assim, nos termos do disposto no artº 808º do C.C. a resolução do contrato-promessa comunicada pela carta datada de 05/12/2006 é válida e eficaz”; – que, “Ao optar pela não subsistência do contrato a tutela do seu direito indemnizatório resume-se (…) ao interesse contratual negativo”; o que significa, no caso, que o autor tem “direito a ser indemnizado pelas quantias que despendeu em virtude da celebração do contrato-promessa: o valor das quantias entregues a título de sinal, no montante global de € 61.750,00, bem como as referentes ao pagamento do IMT ( € 9.046,00) e custo de avaliação e constituição de dossier para financiamento da aquisição (€211,75)” – e que goza do direito de retenção, que não “advém do artº 442º do C.C.”, mas da circunstância de o seu crédito resultar “de despesas feitas por causa da coisa objecto do contrato-promessa”, nos termos do artigo 754º do Código Civil; – que a ré não tem direito a “fazer seu o sinal entregue” , porque o autor tinha invocado fundadamente a excepção de não cumprimento, recusando-se a celebrar o contrato definitivo “enquanto os defeitos não fossem corrigidos”; – que “a ocupação do imóvel está (…) legitimada pelo direito de retenção, pelo que carece de fundamento a condenação pelo pagamento da quantia peticionada” pela ré (€ 1.000,00 por mês, desde Junho de 2006 até à entrega”.

A publicação da sentença foi negada por não ter suporte legal.

  1. Ambas as partes recorreram.

    Pelo acórdão de fls. 717 do Tribunal da Relação de Lisboa, foi negado provimento ao recurso interposto pelo autor, insistindo no direito ao pagamento em dobro do sinal, e concedido provimento parcial ao recurso da ré, que pretendia que lhe fosse reconhecido o direito de fazer seu o sinal e que fosse negado ao autor o direito de retenção, com a sua condenação nos termos que tinha indicado.

    A Relação considerou: – que “Não merece (…) acolhimento a pretensão do A. de reconduzir o caso a uma situação de incumprimento do contrato promessa, por parte da ré vendedora, com a inerente sanção do pagamento do sinal em dobro, pois que esta não se apresenta como incumpridora, na economia do contrato de promessa. Aliás, a R sempre se manteve interessada em cumpri-lo, sendo antes o A. que resolveu esse contrato (…)”; – que a ré não tem direito a reter o sinal, pois não houve incumprimento do autor, que tem direito a ser ressarcido pelas despesas que efectuou; – mas que o autor não goza de direito de retenção da fracção: “não se inserindo nos ‘casos especiais’ previstos no artº 755º, ou seja, na sua alínea f), como logo ficou definido na decisão recorrida, também não se pode englobar no preceito geral, sendo certo que analogias não se admitem. E não se engloba no preceito geral porque a devolução do sinal e das despesas feitas com registos, IMT e empréstimo bancário não são, de forma alguma, despesas feitas "por causa da coisa" (as feitas por danos estão desde logo afastadas), como se exige no citado preceito. São antes despesas feitas, uma no âmbito do contrato promessa: o sinal, e as demais, na perspectiva de se vir a celebrar do contrato definitivo, o que não veio a ocorrer, sendo que ao A. se reconheceu o direito a recebê-las da R., como decorrência da resolução do contrato e indemnização pelo interesse contratual negativo, respectivamente”; – Consequentemente, condenou o réu no pagamento de € 1.000,00 mensais, “desde Janeiro de 2007 (considerando que a notificação para entrega foi feita em meados de Dezembro) até efectiva entrega”.

    A Relação esclareceu ainda que a ré deveria pagar juros de mora contados desde a citação, tal como pedido pelo autor 3. O autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso foi admitido como revista, com efeito devolutivo.

    Nas alegações que apresentou, o recorrente veio discordar do acórdão recorrido relativamente a duas questões: quanto à “tese da 1ª instância no que ao incumprimento contratual concerne” e quanto ao não reconhecimento do “direito de retenção invocado...

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