Acórdão nº 753/13.6YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Novembro de 2013
Magistrado Responsável | RODRIGUES DA COSTA |
Data da Resolução | 21 de Novembro de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
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O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa promoveu a execução de Mandado de Detenção Europeu (MDE) emitido pelas autoridades judiciárias francesa e italiana contra AA, identificado nos autos, para os seguintes fins: - no caso da França (MDE emitido pela Procuradoria-Geral de Aix-en-Provence em 11/04/2011, inserção no sistema Shengen F185459181112200001), para cumprimento de uma pena de 18 meses de prisão que lhe foi aplicada por decisão do Tribunal de Aix-en-Provence, transitada em julgado em 05/01/2011, com o n.º 10/00313, pela prática de um crime de simulação relativa ao estado civil de uma criança (declaração falsa quanto à maternidade da sua filha), crime previsto e punido pelos artigos 227º/13, 227º/9 e 227.º/30, do Código Penal da República Francesa; - no caso da Itália (MDE emitido em 9/07/2013, pelo Tribunal da Relação de Milão, inserção no sistema Shengen IRMACPNCBFLGBD0001), para cumprimento do remanescente de 18 meses de prisão, de uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão, que lhe foi aplicada por decisão transitada em julgado em 08/07/2011, com a referência n.º 1663/2009 Reg. Gen. – N. 794/2010, SENT., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 110.º, 61.º/2 e 56.º, do Código Penal de Itália e art. 73.º do DPR 309/1990.
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O referido AA (pessoa procurada) foi detido no dia 3 de Julho de 2013, no Estoril, e apresentado no dia seguinte ao Tribunal da Relação de Lisboa, tendo a detenção sido validada e mantendo-se o mesmo na situação de prisão preventiva, até que o seu interrogatório fosse retomado, uma vez que ficara suspenso para continuar no dia 9 de Julho, dado não ter prescindido do seu advogado e de intérprete de língua do seu país (Itália).
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Continuando a audiência no referido dia 9 de Julho, a pessoa procurada opôs-se à entrega em execução de qualquer dos mandados, pelo que foi concedido o prazo de 10 (dez) dias para a dedução de oposição e mantida a medida de coacção de prisão preventiva.
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Tendo sido deduzida oposição, nela colocou uma questão prévia relacionada com o pedido de informações promovido pelo Ministério Público, requerendo a prorrogação do prazo para cabal exercício da defesa, e aduzindo, apesar disso, os seguintes factos: Quanto ao MDE emitido pela autoridade judiciária francesa: 6. O Tribunal de Apelação de Aix en Provence, a 31 de Março de 2010, manteve os efeitos do Mandado de Detenção Europeu, emitido pelo tribunal de Draguignan a 16 de Abril de 2009, por confirmação da Sentença que condenou o Detido por Simulação conduzindo uma violação do estado civil de uma criança, na pena de 18 meses de prisão. .
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Com idêntica Decisão, e no mesmo processo, foi condenada sua companheira BB, com Mandado de Detenção também emitido e que corre termos neste mesmo Tribunal.
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Porém, o Detido não reconhece a existência do crime pelo que foi condenado, pois, a sua companheira de há 20 anos, recorreu à Procriação Medicamente Assistida, mais concretamente à técnica de fertilização in vitro para engravidar de sua filha CC, com óvulos doados.
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Mais, tal recurso à fertilização in vitro, para posterior transferência para o útero de sua companheira BB, foi motivado por questões de saúde, uma vez que na família desta existem graves problemas genéticos.
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Como tal, na Suíça, procederam ao tratamento acima exposto.
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A 26 de Maio de 1998 a menor CC , nasceu em Nice.
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Assim, nos termos do Art. 8.
0, nº. 2 da Lei 32/2006, de 26 de Julho, referente à Procriação Medicamente Assistida, “A mulher que suportar uma gravidez de substituição de outrem é havida, para todos os efeitos legais, como a mãe da criança que vier a nascer', 13. Desta forma, de acordo com a Lei Portuguesa, não estamos perante facto ilícito, praticado pelo Detido, pois este apenas declarou como Mãe de CC quem a deu à luz.
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Sendo natural que a menor CC, não partilhe do mesmo material genético que BB.
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Pelo que, nos termos dos Art. 12.°, n,º. 1, a) e 2.°, n.
o 3 ambos da Lei 65/2003, o Detido se opõe à execução do Mandado de Detenção Europeu.
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Mais, o ora Detido recusa a aplicação do mandado em causa, nos termos do Art. 11.°, e) da Lei 65/2003, isto é, recusa a aplicação por motivos políticos e humanitários, pois, em França, a sua companheira foi alvo de torturas; factos que se encontram descritos no DOC. Nº 1, que atendendo à grande dificuldade na obtenção do mesmo, desde já se protesta juntar a devida tradução em língua portuguesa.
Quanto ao MDE emitido pela autoridade judiciária de Itália: 17. O Tribunal de Apelação de Milão confirmou a Sentença que aplicou pena privativa da liberdade pelo período de 1 ano e 6 meses de reclusão por tentativa para venda em concurso de estupefacientes.
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Porém, o ora Detido recusa a aplicação do mandado em causa, nos termos do Art. 11.°, e) da Lei 65/2003, isto é, recusa a aplicação por motivos políticos e humanitários, porquanto, 19. Desde há sensivelmente 20 anos que o Detido e a sua companheira BB, se encontram a ser perseguidos por grupos organizados de interesses - ilícitos - relacionados com Silvio Berlusconi e Enzo Alberto Tana - ex-marido da sua companheira.
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Tal perseguição ocorre mesmo fora de Itália, havendo ocorrências e Queixas-Crime apresentadas por BB, nomeadamente em Espanha, conforme Doc. Nº. 2 e 3, que atendendo à grande dificuldade na obtenção dos mesmos, desde já se protestam juntar as traduções em língua portuguesa.
21.º Tendo, pessoalmente, conhecimento da identidade de ordenantes e/ou pessoas contratadas para executar, ou seja, matar, quem contra eles actuou.
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Como tal, não pode o Estado português executar o referido mandado de detenção europeu, pois, a ser assim, 23. Estaria a condenar à morte o Detido, bem como à sua família, que há muitos anos procura um refúgio para viver.
Alegou ainda relativamente à recusa facultativa da execução do MDE.
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Para além do invocado especificamente em relação a cada MDE, fundamento comum à oposição à execução dos MDE'S, é a circunstância do Detido se encontrar a residir em Portugal há aproximadamente 4 anos, com a sua companheira de há 20 anos, conforme DOC. N.º 4 e 5, que se juntam e se consideram integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais, sendo estes, o contrato de arrendamento celebrado em nome da companheira do Detido, datado de 17 de Julho de 2009 e Recibos, comprovando pagamento de rendas.
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A sua companheira BB é nacional de Portugal.
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Os seus dois filhos, menores, encontram-se institucionalizados em dois estabelecimentos nacionais, conforme informação que consta no Auto de Notícia por Detenção, a fls. 23, dos presentes Autos, e, 27. Tem como objectivo primordial, manter a maior proximidade possível com os mesmos, sendo que a manutenção dos mesmos em instituições nacionais e, 28. O envio do Detido para França ou Itália, acarretaria maiores danos emocionais aos menores.
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De salientar, ainda que, os Mandados emitidos destinam-se a cumprimento de pena.
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Como tal, de acordo com o Art. 12.°, g), o Detido pretende cumprir, as penas em que foi condenado, em Portugal.
Em síntese final, concluiu, pedindo para: - SER PRORROGADO O PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA DO DETIDO, NOS TERMOS DOS ART. 21.°, N.º 4 DA LEI 65/2003, DE 23 DE AGOSTO; ART. 32." DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA E ALÍNEA D), N." 3 DO ART. 6.° DA CONVENÇÃO PARA A PROTECÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS; CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, - SER ADMITIDA A RECUSA FACULTATIVA DA EXECUÇÃO DO MANDADO EMITIDO POR FRANÇA, NOS TERMOS DOS ART. 12.", N." 1, A) E 2, N.º 3, BEM COMO DO ART. 12.°, G). TODOS DA LEI 65/2003; E - SER ADMITIDA A RECUSA FACULTATIVA DA EXECUÇÃO DO MANDADO EMITIDO POR ITÁLIA, NOS TERMOS DOS ART. 11.°. E) E DO ART. 12.", G), AMBOS DA LEr 65/2003; 5.
Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando a improcedência da recusa de execução dos mandados de detenção formulada pela pessoa procurada, mas não se opondo à concessão do prazo requerido.
6.
Após a concessão do prazo, a pessoa procurada veio complementar a sua defesa, aduzindo, para além do que já antes alegara, relativamente ao MDE emitido pela autoridade judiciária francesa, que apenas lhe restavam para cumprir 4 meses de prisão, visto que esteve detido durante 14 meses, pelo que o MDE só podia ser validamente emitido e admitido para cumprimento daqueles 4 meses; e - relativamente ao MDE emitido pela autoridade judiciária italiana, que a 1 de Julho de 2013, foi aprovado o Decreto Legge n.º 78 – legge suota carceri 2013, relativa à execução da pena, alterando diversos diplomas e que substitui penas privativas de liberdade em estabelecimento prisional por penas alternativas, requerendo, nessa conformidade, que se solicitasse informação sobre tal diploma legal e influência sobre a execução da sua pena, - requerendo ainda que se solicitasse às autoridades francesas informação sobre possíveis medidas de clemência que tivessem aplicação ao seu caso, e ainda várias traduções, - insistindo pela recusa facultativa em ambos os casos.
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Por despacho de 27/08/2013, foi indeferida a requerida prorrogação e, por despacho de 28/08/2013, face à premência dos prazos, foi decidido substituir a medida de coacção de prisão preventiva por apresentações diárias no posto policial da área onde foi detida a pessoa procurada.
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Respondendo á defesa complementar, o Ministério Público voltou a pugnar pela improcedência da recusa de execução do MDE em ambos os pedidos e pela execução prioritária do MDE emitido pela autoridade judiciária francesa.
9.
Por acórdão datado de 26/09/2013, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu não haver qualquer causa de recusa facultativa, nomeadamente que a pessoa procurada tivesse suficiente ligação a Portugal que justificasse ser considerada residente, para efeitos do disposto no art. 12.º, n.º 1, alínea g) da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, reconhecendo não haver qualquer obstáculo à execução de ambos os MDE. Havendo, no entanto, que dar prioridade a um...
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