Acórdão nº 177/11.0TBPCR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução28 de Novembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA e BB vieram intentar acção, com processo ordinário, contra CC, COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., pedindo a condenação desta a pagar-lhes uma indemnização, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor global de € 263.169,20, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal desde a propositura da acção e até efectivo pagamento Alegando, para tanto, e em suma: No dia 4/07/2011, na Estrada Nacional nº 303, ao Km 22,943, na freguesia de ..., ..., ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula XN-, pertencente a DD, que era o seu condutor, segurado na ré e o peão EE, mãe das autoras.

Nas demais condições de modo descritas na p. i., o dito veículo, por culpa exclusiva do seu condutor, embateu no peão, que seguia pela berma da estrada, causando-lhe vários ferimentos que lhe determinaram a morte.

Citada a Ré, veio a mesma contestar, e, embora aceitando a responsabilidade do seu segurado pela ocorrência do acidente, não aceita, porém, a extensão dos danos invocados pelas autoras, o direito destas a alguns dos que reclamam, bem como o valor dos mesmos, que reputa de exagerados.

Entretanto, por entender que o seu segurado abandonou o local do acidente e a sinistrada, sem prestar a esta o necessário auxílio, como podia e devia, e entendendo que, caso tivessem sido prestados desde logo os primeiros socorros à vítima, esta poderia ter sobrevivido aos ferimentos, por forma a acautelar o direito de regresso que poderá vir a ter, caso se prove esse abandono, suscita o incidente de intervenção acessória provocada do DD, como auxiliar e associado na defesa da ré.

Este incidente, que não foi contestado, veio a ser julgado procedente, e admitida a intervenção acessória do DD, ao abrigo do disposto no artigo 330º, nº 1, do C.P.C.

Citado para os termos da acção, o chamado DD apresentou articulado de contestação próprio, no qual apenas admite que, quando circulava nas circunstâncias acima referidas, ao efectuar uma curva foi encandeado pelo sol. Perdeu momentaneamente a visibilidade, abrandou a sua marcha e apercebeu-se ter embatido em qualquer coisa que ofereceu pouca resistência à viatura que conduzia. Parou mais à frente, olhou atentamente em redor e não se apercebeu da presença de qualquer obstáculo com que tenha colidido. O que o levou a pensar que teria sido num animal, que entretanto se tenha colocado em fuga. Conclusão a que também o terão conduzido a pouca extensão dos danos que apresentava a sua viatura.

Nega terminantemente o abandono da sinistrada, de cuja presença jamais se apercebeu, nem sequer de que tivesse colidido com um peão.

A ré CC veio responder ao articulado apresentado pelo chamado, concluindo como na contestação.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Efectuado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que melhor consta do despacho de fls 172 a 176.

Foi proferida a sentença, na qual, na parcial procedência da acção, foi a ré condenada a pagar: 1. à autora AA, a quantia de € 20 000,00 a título de danos morais, acrescida de juros, à taxa legal em vigor, desde a data da sentença até integral pagamento; 2. à autora BB a quantia de € 15 000,00, a título de danos morais, acrescida de juros, à taxa legal em vigor, desde a data da sentença até integral pagamento; 3. às duas autoras, a título de dano patrimonial, a quantia de € 1 260,00, acrescida de juros, à taxa legal em vigor, contados desde a citação até integral pagamento; 4. às duas autoras, na qualidade de herdeiras da EE, segundo as regras do direito sucessório, a quantia de € 70 000,00, acrescida de juros de mora, à raxa legal em vigor, contados desde a data da sentença até integral pagamento.

Absolvendo a ré do demais peticionado.

Inconformada, veio a ré seguradora interpor, per saltum, a presente revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões que a seguir se transcrevem: 1ª - A compensação pelos danos da perda do direito à vida, do sofrimento da vítima nos momentos que antecederam a morte e do sofrimento de cada uma das AA com a morte da sua mãe mostra-se sobrevalorizada.

2ª - A directiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do[1] veio introduzir na directiva 09/232/CEE normas relativas à regularização de sinistros, tendo em vista, sobretudo, a protecção dos interesses do lesado.

3ª - Um dos contributos preponderantes do legislador nacional para a prossecução desse fim foi a criação da "proposta razoável'; que as seguradoras devem apresentar ao lesado em cumprimento do disposto nos artigos 38° e 39° do DL 291/2007 (e, anteriormente, nos termos previstos no DL 83/2006).

4ª - O sentido e fim útil da adopção dos procedimentos de regularização de sinistro foi, precisamente, o de garantir, mediante regras legalmente estabelecidas, não só os prazos de resposta como também o conteúdo da mesma, definindo o que deve ser indemnizado e de que modo.

5ª - E, neste âmbito, os montantes e critérios definidos para a indemnização nas portarias 377/2008 e 679/2009 foram fixados tendo, precisamente, como fim garantir ao lesado a justa reposição do seu dano, o que resultará da sua adequação às regras respeitantes ao conteúdo da obrigação de indemnização previstas na lei geral.

6ª - Assim, dos critérios fixados nas aludidas portarias e aplicáveis por força do artigo 291/2007, decorre um efeito de grande utilidade para o julgador, que é, precisamente o de densificar e esclarecer os critérios da equidade na determinação da indemnização.

7ª - Aplicando ao caso os critérios das referidas portarias, encontraríamos as seguintes compensações: Pela perda do direito à vida: 30.780,OO€ (cfr artigo 2° alínea a) e 5° da portaria 377/2008); Danos morais pelo sofrimento da vítima nos momentos que antecederam a morte: 2.052,00€ (cfr. artigo 2.º alínea a) e 5° da portaria 377/2008); Danos morais de cada uma das filhas da vítima: 10.260,00€ (cfr. artigo 2° alínea a) e 5° da portaria 377/2008) Total: 53.352,00€ 8ª - Na douta sentença sob censura foi fixada às demandante uma compensação correspondente ao dobro daquela que, com base na experiência judicial e de regularização de sinistros, o legislador consideraria ser a adequada e razoável ao caso vertente.

  1. - Considerando o contributo dado por esta portaria no sentido da densificação do critério de equidade, entende a Recorrente que a compensação devida às demandantes não deveria exorbitar os referidos 53.352,00, acrescidos da importância devida pelas despesas judiciais e os juros fixados e abatida a verba de 5.000,00€ que a Ré já adiantou.

  2. - De todo o modo, caso não fossem seguidos os indicados critérios orientadores fornecidos pelas Portarias 377/2008 e 679/2009, sempre seriam manifestamente excessivos e desproporcionados os montantes fixados na douta sentença.

  3. - Relativamente ao dano da perda do direito à vida, não se poderá esquecer que a vítima contava já 78 anos à data do seu óbito, aproximando-se do limite da esperança de vida previsível.

  4. - Apesar de se dever aceitar que a dignidade humana é igual para todas as pessoas, também é certo que o julgador não pode desprezar o facto de à data do seu óbito a vítima não se encontrar ainda na flor da idade, mas sim na última vertente da sua vida.

  5. - Como vem sendo vincado pela nossa jurisprudência a idade é um dos critérios a considerar na quantificação do dano morte.

  6. - Ademais, não se poderá deixar de considerar que o dano da perda do direito à vida tem uma componente mais sancionatória do que indemnizatório, uma vez que já não será possível compensar a própria vítima; 15ª- No caso concreto, atendendo à idade da vítima à data do seu óbito e as circunstâncias nas quais ocorreu o acidente, a compensação pelo dano morte não deveria exorbitar quantia situada entre os 30.000,00 € e os 40.000,00 €, para a qual se pede que seja reduzida tal indemnização.

  7. - Provou-se que a vítima mortal do sinistro sofreu ferimentos que lhe causaram dores, que se manteve prostrada no solo durante meia-hora até à chegada dos bombeiros, que estes lhe prestaram no local assistência durante 45 minutos e que foi transportada para o Hospital de Ponte de Lima onde entrou em paragem cardio-respiratória e sem responder às manobras de recuperação que lhe vinham sendo efectuadas durante o trajecto para o Hospital.

  8. - Sabe-se, também, que até ser assistida a sinistrada gemia no solo com dores e rezava.

  9. - Da análise dos factos dados como provados resulta que a vítima do acidente terá sofrido dores durante um período que, com segurança, se deve estimar em cerca de uma hora e quinze minutos.

  10. - E depreende-se dos factos provados que na viagem para o Hospital de Ponte de Lima terá ocorrido a paragem cardio-respiratória, evidenciada no facto provado de terem sido efectuadas manobras de recuperação no decurso dela.

  11. - Ainda que deva ser valorizado o dano moral da vítima no período que decorreu entre o acidente a morte, não nos podemos esquecer que o lapso de tempo durante o qual esteve em sofrimento não foi prolongado, antes tendo durado pouco mais de uma hora.

  12. - O facto, sublinhado pelo julgador, de a vítima ter rezado quando prostrada no solo não pode também, salvo melhor opinião, ser fundamento de um agravamento da indemnização.

  13. - Não seria, certamente, diferente o sofrimento de uma pessoa não religiosa colocada na mesma situação.

  14. - O aspecto a relevar para a fixação da indemnização será, apenas, a extensão do sofrimento da vítima, independentemente da forma que esta ao mesmo reagiu.

  15. - Ora, atendendo ao curto espaço de tempo durante o qual se prolongou o sofrimento da vítima, o facto de não ter chegado a ser hospitalizada, antes tendo entrado em paragem cardio-respiratória ao fim de pouco mais de uma hora após o acidente e recorrendo aos critérios jurisprudenciais dominantes, a compensação pelo dano moral...

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