Acórdão nº 73/12.3TTVNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelMÁRIO BELO MORGADO
Data da Resolução13 de Novembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. AA instaurou a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento (ocorrido em 10.01.2012) contra BB, S.A.

    , ambos com os sinais nos autos.

  2. A R. apresentou articulado motivador do despedimento, invocando ter procedido ao mesmo com justa causa, para o que alegou, em síntese, que o trabalhador efetuou diversos desvios à rota de transporte de combustíveis que devia observar, assim lhe causando prejuízos, o que torna impossível a subsistência da relação de trabalho.

  3. O A. contestou, impugnando os factos alegados e sustentando que a R. veio invocar factos que não se encontram insertos na nota de culpa, nem na decisão de despedimento, factos que não podem ser agora atendidos, para efeitos de justa causa de despedimento.

    Para além disso, pugna pela impossibilidade de utilização, como meio de prova, dos registos de GPS do veículo por si conduzido, por se tratar de meios de controlo à distância da atividade do trabalhador.

    Também deduziu reconvenção, peticionando a condenação da R. a pagar-lhe: i. A quantia de € 2 500,00, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor com a conduta da Ré; ii. A indemnização por antiguidade correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção computada até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, a qual na data da propositura da ação ascende a € 26 622,18; iii. A retribuição referente aos 30 dias anteriores à propositura da presente ação no montante de € 656,94; iv. O subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2012, no montante de € 656,94; v. A retribuição das férias vencidas em 1 de Janeiro de 2012, no valor de € 656,94; vi. O subsídio de Natal, férias e subsídio de férias proporcionais ao tempo de trabalho prestado até à data da cessação do contrato de trabalho, no montante de € 82,13; vii. As ajudas de custo e horas extraordinárias relativas ao mês de Novembro de 2011, bem como os vencimentos de Dezembro de 2011 e de Janeiro de 2012, num total de € 1.133,17; viii. O montante das retribuições vincendas desde a data da propositura da presente ação e até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal; ix. As retribuições referentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal que se vencerem desde a data da propositura da presente ação e até trânsito em julgado da decisão do Tribunal; x. Os juros vencidos e vincendos sobre tais quantias.

  4. Foi proferida sentença, a decidir:

    1. Declarar lícito o despedimento, por existência de justa causa; b) Julgar parcialmente procedente a reconvenção e, assim, condenar a R. a pagar ao A., a título de créditos salariais, a quantia de € 2.243,80, acrescida de juros de mora, desde a data da citação da R. e até integral pagamento.

  5. Interposto recurso de apelação pelo A., o Tribunal da Relação do Porto (TRP), julgando parcialmente procedente o recurso, decidiu:

    1. Julgar totalmente improcedente a impugnação da decisão de facto.

    2. Julgar ilícito o despedimento e, em consequência, condenar a R. a pagar ao A.: - Uma indemnização correspondente a 25 dias de retribuição base e diuturnidades (€ 547,45) por cada ano completo ou fracção de antiguidade, desde a admissão ao seu serviço (27 de Janeiro de 1987) até ao trânsito em julgado deste acórdão, acrescida de juros de mora à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

      - A quantia que vier a ser liquidada, a título de retribuições (incluindo a retribuição base e os subsídios de férias e de Natal) que deixou de auferir desde 10 de Janeiro de 2012 até ao trânsito em julgado deste Acórdão, acrescida de juros de mora à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, devendo-se subtrair a este montante o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período que mediou entre o despedimento e o trânsito em julgado deste acórdão.

    3. Manter o mais decidido.

  6. Deste acórdão recorre agora, de revista, a R., sustentando essencialmente, e em síntese, nas conclusões das suas alegações: - O GPS não é um meio de vigilância à distância no local de trabalho, enquadrável nos arts. 20.° e 21.° do C.T.

    - Este meio tecnológico permite uma vigilância genérica, destinado a detetar factos, situações ou acontecimentos incidentais, e não uma vigilância diretamente dirigida aos postos ou ao campo de ação dos trabalhadores, destinando-se a proteger a segurança de pessoas e bens.

    - Enquanto instrumento que permite a localização e gestão em tempo real das viaturas, assegura que as mesmas não façam desvios de rota.

    - Esta funcionalidade do GPS justifica que a recorrente, por força das particulares exigências inerentes à natureza da atividade desenvolvida pelas viaturas (transporte de combustíveis e matérias altamente inflamáveis), tivesse que as equipar com aquele dispositivo.

    - O GPS foi instalado no camião atribuído ao recorrente, por imposição da CC (entidade que contratou à recorrida a prestação de serviços de transporte de combustíveis), com a finalidade de proteger a segurança de pessoas e bens, atendendo às particulares exigências inerentes à natureza da atividade.

    - A doutrina em que o acórdão recorrido apoia a sua decisão trata dos meios de vigilância à distância no local do trabalho que captam imagens e dados violadores do direito de reserva da vida privada do trabalhador, o que não é o caso do GPS .

    - A instalação do GPS não estava dependente de autorização ou notificação à Comissão Nacional de Proteção de Dados.

    - A legislação comunitária e nacional impõem ainda mais apertados controlos à atividade do motorista profissional, obrigando a que este se faça sempre acompanhar do seu cartão de condutor, composto por um chip electrónico, que regista todos os quilómetros e minutos que o condutor dedica à condução propriamente dita, ao repouso e ao trabalho que não envolve diretamente a condução.

  7. O A. não contra-alegou.

  8. A Ex.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista, com a consequente manutenção da decisão de 1ª instância, em parecer a que as partes não responderam.

  9. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, in fine, do CPC[1]), em face das conclusões das alegações, as questões a decidir são as seguintes:[2] A. - Se o GPS é um meio de vigilância à distância, sujeito ao regime dos arts. 20.º e 21.º, do Código do Trabalho (CT) de 2009.

    1. - Se a utilização do GPS pela R. viola os direitos de personalidade do trabalhador.

    2. - Se a utilização pela R.

      , no âmbito disciplinar, dos dados provenientes dos registos do GPS é ilícita.

    3. - Se os factos provados integram justa causa de despedimento.

  10. Cumpre decidir, sendo aplicável à revista o regime introduzido no CPC pela Lei 41/2013, de 26/6, nos termos das disposições conjugadas dos seus arts. 5º, nº 1, e 7º, nº 1, bem como, quanto ao Código de Processo do Trabalho, o decorrente do DL 295/2009, de 13/10 (a ação foi proposta em 2 de Fevereiro de 2012).

    E decidindo.

    II.

  11. A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte: A - O trabalhador possuía um telemóvel fornecido pela entidade patronal, que devia permanecer ligado para se manter em contacto com a entidade patronal e a CC e para poder receber destas chamadas e instruções para o desempenho das suas tarefas, bem como para comunicar as ocorrências derivadas do desempenho das suas tarefas.

    B - Ao trabalhador foi distribuído há mais de 12 meses o veículo -AG-.

    C - O trabalhador tem já precedentes disciplinares, tendo-lhe sido aplicada em 29/11/2004 uma pena disciplinar de 10 dias de suspensão sem vencimento que cumpriu, nos termos da decisão de fls. 96, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido D - A empregadora elaborou a nota de culpa de fls. 110 e segs., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida.

    E - A nota de culpa referida foi enviada ao Autor em 20/12/2011 e recepcionada por este a 22/12/2011.

    F - O trabalhador respondeu à nota de culpa nos termos de fls. 100 e segs., cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, não tendo sido apresentado ou requerido qualquer meio de prova.

    G - A empregadora elaborou a decisão de fls. 124 e segs., datada de 10/01/2012, concluindo pelo despedimento do trabalhador com justa causa, nos termos que constam da mesma e que aqui se consideram integralmente reproduzidos.

    H - Em 10/01/2012, o trabalhador auferia a quantia mensal de € 656,94, sendo € 582,06 de retribuição base e € 74,88 de diuturnidades.

    I - O trabalhador foi admitido para trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da empregadora para exercer as funções de motorista em 27/01/1987.

    J - O trabalhador encontrava-se afecto ao serviço de transporte de combustível da CC, tendo-se obrigado através das respectivas ações formativas, normas internas e Manual do Motorista, a cumprir todos os procedimentos contratualizados com esta empresa.

    L - Todos os dias carregava a mercadoria nas instalações da CC, e recebia instruções precisas para descarregar a mesma nos clientes daquela previamente anunciados.

    M - O trabalhador sempre esteve obrigado a cumprir as instruções da CC, utilizando os equipamentos fornecidos por esta ou os fornecidos pela entidade patronal, e cumprindo as instruções do Manual do Motorista que conhece.

    N - A atividade de cada motorista da empregadora é espelhada no relatório diário detalhado (equipamento Masternaut/GPS) e escala de serviço, folha de cálculo de ajudas de custo e horas extraordinárias.

    O - A escala de serviço determina as tarefas a cumprir em cada dia e o equipamento Masternault/GPS regista, através de equipamento instalado no veículo, os trajetos percorridos, distâncias, tempos de paragem e horários.

    P - Por vezes a escala de serviço era alterada por iniciativa da CC e comunicada ao...

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