Acórdão nº 4498/04.0TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelAZEVEDO RAMOS
Data da Resolução05 de Novembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 16-9-2004, AA - …, S.A., sociedade com sede na Rua …, n.º …, ….º andar, Lisboa, intentou acção ordinária contra os réus BB - ..., Ld.ª, sociedade com sede na Av. …., n.º …, sala …, Porto, entretanto dissolvida e passando a ser representada pelos respectivos sócios BB e CC, DD, Ld.ª, sociedade com sede na Rua …, Porto, e EE, Ldª, sociedade com sede em ..., ..., pedindo a sua condenação a pagarem-lhe a quantia total de € 552 351,26, acrescida de juros de mora a contar da correspondente citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que é dona do prédio urbano situado na Rua …, n.ºs … a …, no Porto, tendo contratado a 1.ª R., em Janeiro de 2002, para elaborar o projecto geral de remodelação, adaptação e reconstrução do prédio a um único estabelecimento comercial e que a incumbiu do acompanhamento e fiscalização da obra, bem como da elaboração e apresentação dos projectos de arquitectura e de especialidade junto da Câmara Municipal do Porto.

Por sugestão e indicação da 1.ª R., a autora adjudicou a obra à 2.ª R., tendo esta subcontratado a 3.ª R. para que ambas elaborassem e executassem as estruturas metálicas que se destinavam a dividir o imóvel em cinco pisos independentes.

A obra foi concluída e recepcionada por si em Maio de 2002, tendo sido pago às RR. a quantia de € 467 669,81 (€ 26 563,26 à 1.ª R. e € 441 106,55 à 2.ª R.).

Em Dezembro de 2002, na sequência de um período de chuvas, detectou várias infiltrações e entradas de água no interior do mencionado prédio.

Efectuada vistoria e inspecção exaustiva ao estado de todo o prédio, verificou a existência de várias deficiências na estrutura projectada e executada pelas RR.

A obra, conforme foi projectada e executada, põe em causa toda a segurança estrutural do prédio, que tem sérias probabilidades de ruir.

Em sede de danos, alega que, com os trabalhos urgentes realizados na cobertura, tendo por finalidade a estabilização e reparação do telhado, despendeu, em Fevereiro de 2003, a quantia de € 28 635,00.

Pelos honorários com gestão, fiscalização e acompanhamento dos trabalhos de estabilização e reparação, pagou, em Março de 2003, a quantia de € 28.635,00.

Com os relatórios periciais, tendo em vista diagnosticar e avaliar o real estado da obra executada pelas RR., despendeu a quantia de € 24 596,00, bem como a quantia de € 1 256,76 com a deslocação a Madrid do Eng. FF e Prof. GG e respectivos honorários, tendo em vista a avaliação e discussão do relatório pericial.

Pelo Projecto de Reforço e Correcção da Estrutura suportou, entre Abril e Julho de 2003, a quantia de € 25 000,00, a que acresce a quantia de € 20 000,00 pelos honorários técnicos, acompanhamento, coordenação e fiscalização dos trabalhos de correcção levados a efeito, pagos, entre Junho e Julho de 2003.

Finalmente, afirma ter suportado os custos com as obras propriamente ditas de correcção e reparação dos defeitos e deficiências e dos trabalhos de consolidação de toda a estrutura, no montante global de € 450 000,00.

Contestaram todos os réus, excepcionando a caducidade do direito da A. e impugnando a generalidade da factualidade invocada.

Replicou a A., pugnando pela improcedência das excepções., dizendo que a responsabilidade imputada à 1.ª R. não decorre de qualquer contrato de empreitada, mas antes de uma fiscalização deficiente por si levada a cabo e reconduzida às regras gerais da responsabilidade civil contratual.

Só em Maio de 2003 é que teve um conhecimento total e aprofundado dos problemas de que padecia o imóvel, para além de que as RR. reconheceram expressamente o seu direito, praticando actos que interromperam o suposto prazo de caducidade.

Sustenta que os danos sequenciais dos defeitos da obra estão sujeitos ao regime legal da responsabilidade contratual, nomeadamente no que concerne aos prazos de caducidade.

* Por despacho proferido em sede de audiência preliminar, após convite de aperfeiçoamento da petição inicial, as RR. foram absolvidas da instância, por ilegitimidade, decisão revogada em recurso apresentado pela A., determinando-se o prosseguimento dos autos.

* Entretanto, a 1.ª R. veio informar, a fls. 1509, ter sido registado na Conservatória do Registo Comercial do Porto a sua dissolução e encerramento da liquidação, com cancelamento da matrícula.

* Por despacho de fls. 1612, foi ordenada a citação dos sócios da R. dissolvida, como representantes da mesma, respondendo pelo passivo superveniente.

* Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que, declarando a acção parcialmente procedente, decidiu: - Condenar os sócios da 1.ª R., entretanto dissolvida, BB e CC, e a 3.ª R. “EE, Ld.ª ”, a pagarem à A. “AA - …, S.A.”, a quantia total de € 552 351,26, acrescida de juros de mora comerciais, vencidos desde a data de citação das RR., às sucessivas taxas legais divulgadas semestralmente por Aviso da Direcção-Geral do Tesouro na 2.ª Série do Diário da República, e até efectivo e integral pagamento, e - Absolver a 2.ª R. DD, Ld.ª, do pedido.

* Inconformados, apelaram os réus BB e CC e ainda a ré A. EE, L.da.

A Relação do Porto, através do seu Acórdão de 30-4-2013, julgou improcedente a apelação dos réus BB e CC e procedente a apelação da ré A. EE, L.da, absolvendo-a do pedido e confirmando em tudo mais a sentença recorrida.

* Agora, pedem revista a autora e os réus BB e CC, em cujas alegações resumidamente concluem: Conclusões da autora: 1 – Não foi celebrado qualquer contrato de empreitada entre a autora e a recorrida A. EE, L.da.

2 – Por isso, não pode julgar-se procedente a excepção da caducidade, por aplicação dos arts 1224, nº1 e 1225, nº2, do C.C., como foi feito no Acórdão recorrido.

3 – A conduta processual da recorrida A. EE, L.da, ao invocar a caducidade do direito que a autora pretende fazer valer pela presente acção, depois de ter assumido a responsabilidade pelos cálculos e pela execução da estrutura metálica, traduz um manifesto abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

4 – O Acórdão recorrido, ao ter decidido que a invocação da excepção da caducidade, na sequência da subscrição da declaração de fls 327, não constituía um abuso do direito, violou o art. 334 do C.C.

5 – Em consequência sempre deveria ter sido julgado abusiva, inadmissível e improcedente, a invocação da caducidade por parte da recorrida A. EE, L.da.

6 – A fonte da responsabilidade da recorrida A. EE, L.da, perante a autora, ora recorrente, não é um qualquer contrato de empreitada, mas antes a declaração de fls 327 que a mesma subscreveu.

7 – O teor desta declaração contraria frontalmente a conclusão a que chegou o Acórdão impugnado, uma vez que o seu conteúdo útil é precisamente o de assunção de responsabilidade pelos cálculos e pela estrutura metálica que executou para a autora, como a ré A. EE, L.da reconhece no art. 21 da sua contestação.

8 – Recorrendo aos critérios fixados no art. 236 do C.C. para a interpretação da declaração negocial, é evidente que um declaratário normal, colocado na posição da autora, sempre entenderia na declaração de fls 327 como constituindo a assunção de responsabilidade por parte da sua subscritora, embora condicionada à efectiva demonstração da existência de defeitos, como veio a suceder. 9 – O esforço interpretativo feito no Acórdão recorrido de que a declaração de fls 237 não teria por conteúdo qualquer assunção de responsabilidade, além de manifestamente contraditório, viola o art. 236 do C.C.

10 – A declaração de fls 327 traduz um negócio jurídico unilateral, pelo que constitui fonte bastante de responsabilização da A. EE, L.da.

11 – Ainda que se adopte uma diferente perspectiva sobre a natureza e a susceptibilidade de os negócios jurídicos unilaterais constituírem fonte de obrigações, a declaração de fls 327 sempre constituirá uma promessa de cumprimento ou reconhecimento de dívida, nos termos e para os efeitos previstos no art. 458 do C. C., o que implica a presunção da existência de fundamento bastante para a condenação da ré A. EE, L.da, até prova em contrário.

12 – A ré A. EE, L.da, não alegou, nem provou factos que demonstrassem a inexistência de relação subjacente ou a sua extinção.

13 – Ainda que assim se não entenda, a declaração de fls 327 consubstancia uma promessa de cumprimento ou reconhecimento de dívida causal, uma vez que na mesma é indicada a respectiva fonte, que é a realização dos “cálculos e execução da estrutura metálica para a obra de Santa Catarina, no Porto”.

14 - Este tipo de promessa de cumprimento ou reconhecimento de dívida não está abrangida pelo art. 458 do C.C., pois estamos perante um negócio celebrado com o fim de pacificação, que não terá apenas carácter declaratório, mas constitutivo, na medida em que a parte renuncia a discutir a verificação de pressupostos ou a oponibilidade e de excepções ao vínculo obrigacional, que reconhece ter sido constituído por aquela via.

15 – Nesta perspectiva, a declaração de fls 327 constitui um contrato análogo à transacção (art. 1248 do C.C.), o qual, por isso, nem deverá admitir que a parte faça prova da inexistência da obrigação.

16 – Os factos provados permitem concluir que os cálculos e a estrutura que a ré A. EE, L.da, executou padeciam de graves vícios, tendo os mesmo tido por consequência que o imóvel dos autos tivesse ficado em estado de ruína iminente.

17 – O Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que condene a recorrida A. EE, L.da, no pagamento à recorrente de uma indemnização no montante de 552.351,26 euros, acrescidos de juros de mora. Conclusões dos réus BB e CC: 1 – O Acórdão recorrido não apreciou o alegado pelos recorrentes, no seu recurso de apelação, quando afirmaram: “ a sentença não contempla nenhum facto que identifique objectivamente quaisquer deficiências imputadas ao projecto de arquitectura nem deficiências imputáveis à fiscalização, pelo que teriam sido condenados para além da prova produzida.

2 – O Acórdão recorrido enferma de erro e...

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