Acórdão nº 1673/07.9TJVNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução24 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e mulher, BB, instauraram uma acção contra a Junta de Freguesia do Louro, representada pelo seu Presidente, pedindo que se declare que são proprietários de uma faixa de terreno que faz parte do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial e que é “nula e de nenhum efeito a «cedência» de tal faixa de terreno a favor da Ré e, consequentemente, que esta seja condenada a devolvê-la aos Autores, assim como a reconstituir a situação originária: demolição do muro actual + reconstrução do muro primitivo + reposição de terras + devolução da quantia paga pelos Autores (1.500 euros) à Ré”.

Para o efeito, e em síntese, alegaram: – que, em finais de 2005, o autor marido acordou com o presidente da Junta de Freguesia ceder uma faixa de terreno à Freguesia, para permitir o alargamento de um caminho vicinal; – que essa cedência, gratuita, foi acordada com certas condições; – que a autora não “interveio em tais negociações”;: – que “a Ré não acabou a obra nos termos convencionados” e se recusa a fazê-lo, não tendo pois cumprido o acordo que celebrou; – que “a Autora nunca fez qualquer «acordo» com a Ré, pelo que não aceita nem autoriza o mesmo”; – que “pretendem dar como nulo e de nenhum efeito o mesmo «acordo» com a Freguesia: (a) para além da Freguesia (o seu Presidente) não ter cumprido o acordado, (b) o mesmo «negócio» está ferido de nulidade” por violação do artigo 1376º do Código Civil e por não ter sido feito por escritura pública, sendo uma doação nula por falta de forma; – e que “o Presidente da Junta de Freguesia veio prestar depoimento (em anterior acção judicial) que o «empreiteiro» accionava os ora Autores e que permitiu que estes fossem condenados a pagar àquele a quantia de 3025 euros e juros, para além da multa de 500 euros e custas. Ora os autores não aceitam a «justiça» desta condenação, não pode causa da sua douta Autora, mas, unicamente, porque assentou no falso depoimento do Presidente da Junta de Freguesia”; – por isso, “não se sentem vinculados a manter a referida doação”; – que não estão a agir em abuso de direito.

A ré contestou. Em síntese, afirmou que, da sua parte, o acordo apenas abrangeu a obrigação de fazer o muro e asfaltar o caminho, o que fez; mas que os autores incumbiram o empreiteiro de realizar outras obras e se negaram a pagá-las, sendo esta acção “uma vingança contra a aqui Ré, por esta se recusar muito legitimamente a pagar o que não era da sua responsabilidade, por não ter sido acordado”; que as obras foram efectuadas na casa de morada dos autores e que a autora as acompanhou; que já passou o prazo em que a autora poderia ter pedido a anulação do acordo; que não é exigível a forma escrita; que “a presente acção é um abuso de direito”.

Em reconvenção, e para a eventualidade de a acção proceder, pediu a condenação dos autores no pagamento dos € 10.000,00 que despendeu com as obras que realizou, “acordadas e consentidas pelos AA”, com juros.

Os autores replicaram.

A acção foi julgada improcedente pela sentença de fls. 256, que absolveu a ré dos pedidos e não conheceu do pedido reconvencional, fundamentalmente por considerar abusiva a invocação da nulidade da cedência: “Sempre tendo na devida conta que, nestes casos de nulidade formal dos negócios, não é qualquer actuação que justifica o impedimento do exercício do direito de requerer a nulidade, antes e porque as regras imperativas de forma visam, por norma, fins de certeza e segurança do comércio em geral, só excepcionalmente é que se pode submeter a invocação da nulidade à invocação do venire contra factum proprium. E ainda, sem qualquer reserva, que o acontecimento futuro, gerado pelo factum proprium seja, em termos de nexo, consequência adequada daquele.

No caso dos autos entendemos estar numa situação de abuso de direito por banda dos autores. Com efeito, e atenta toda a factualidade apurada, verificamos que toda a actuação dos autores foi de molde a criar na ré uma legítima confiança. O autor ao acordar com a ré nos termos em que o fez, e a autora ao acompanhar as obras realizadas, nunca se opondo, criaram na ré a legitima expectativa de que nunca iriam invocar a agora alegada nulidade.

Com efeito, o comportamento dos autores, ao virem agora invocar tal nulidade, por razões relacionadas com a existência de um outro processo em que foram condenados, revela um comportamento desonesto, incorrecto e desleal, defraudando assim a legítima confiança ou expectativa da ré.

Assim, entendemos que os autores actuaram em evidente venire contra factum proprium, pois vieram exercer um direito em manifesta contradição com uma sua conduta anterior, em que fundadamente a ré confiou, pelo que, nos termos dispostos pelo art. 334° do Código Civil, o exercício de tal direito por parte dos autores é ilegítimo.

Face ao que fica exposto, é manifesto que a presente acção terá de improceder.” 2. Esta sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 368, que também teve como abusiva a arguição da nulidade da doação: “Porque celebrada sem escritura pública, a doação é nula; contudo, a sua invocação integra abuso do direito.

Efectivamente, face à factualidade apurada, toda a actuação dos apelantes foi no sentido de criar na apelada a legítima confiança de que não iria invocar a nulidade do negócio decorrente da falta de observação da forma legalmente prescrita.

No que se refere ao apelante marido, ao acordar verbalmente com a apelada a cedência do terreno da forma que o fez, esteve na origem da inobservância da forma legalmente prescrita para o negócio, pelo que, vir depois invocar a nulidade, quando o muro já se encontrava reconstruído, não pode a sua actuação deixar de ser entendida como integrando abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Mas também o comportamento da apelante mulher integra essa modalidade do instituto do abuso do direito.

Na verdade, sendo certo que não interveio no acordo, certo é também, como resultou provado, que acompanhou a realização das obras, sem que tenha manifestado qualquer oposição.

Este comportamento era idóneo a criar na apelada a legítima expectativa de que não iria...

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