Acórdão nº 220/10.0TBPNI.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução03 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – RELATÓRIO.

AA, LDA., pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º …, ..., ... ..., intentou acção declarativa de condenação, com forma de processo comum ordinário, contra a ré BB - ..., LDA., pessoa colectiva n.º ..., com sede em Rua da ..., n.º …, ... ..., pedindo a condenação da ré a pagar e restituir à autora a quantia de € 204.000,00 (duzentos e quatro mil euros), acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Em substanciação do pedido que formulou, alegou, em síntese, que emprestou à ré as quantias de € 84.000,00, € 15.000,00, 10.000,00, € 85.000,00 e € 10.000,00, que perfazem o montante total de € 204.000,00, quantias estas que a ré se obrigou a restituir à autora mas que não o fez. Tratando-se de contratos de mútuo, em que não foi respeitada a forma legal (escritura pública e documento assinado pelo mutuário), os acordos contratuais estão feridos de nulidade, pelo que deve a ré restituir tudo o que foi prestado.

Caso assim não se entenda, sempre a ré deverá restituir tal montante legal com base no instituto do enriquecimento sem causa.

Na contestação, a ré pugna pela improcedência da acção, por, em sumula apertada, o empréstimo cujo montante foi referido como sendo de € 84.000,00, o contrato não ter chegado a ser celebrado, não obstante a existência de um documento contendo declarações de vontade que referem a celebração daquele contrato, tanto mais que a autora nunca entregou aquele montante à ré. Relativamente às quantias de € 15.000,00 e 10.000,00 as mesmas foram entregues para pagar prestações de serviço feitas a um sócio da ré e não como empréstimo a esta, e quanto às restantes quantias de € 85.000,00 e € 10.000,00, as mesmas nunca lhe foram entregues, nem tão pouco celebrados acordos nesse sentido.

Culminando a audiência de julgamento foi proferida decisão, em que veio a decidir-se pela total improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

Na apelação impulsada pela demandante, o tribunal de recurso, depois de alterar a resposta a dois enunciados fácticos a que a 1.ª instância tinha fornecido resposta negativa, veio a julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, a condenar a demandada a pagar á autora a quantia de cento e dez mil euros (€ 110.000,00), acrescida dos juros de mora; á taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Desta decisão impulsou a demandada recurso, tendo alentado, no acervo conclusivo, o sequente: I.A. – QUADRO CONCLUSIVO (SÍNTESE).

As incidências recursivas da recorrente condensam-se e precipitam-se nas sequentes questões: a) - Nulidade do acórdão recorrido, por violação do disposto nos artigos 668.º, n.º 1, alínea b) do Código Processo Civil – omissão de fundamentação de facto – e alínea c) do mesmo preceito e livro de leis – oposição entre os fundamentos e a decisão; b) – Divertida qualificação jurídica do negócio concentrado na factualidade adquirida para a decisão; c) – Subsidiariamente, estima a recorrente que, a não serem atendidas as requestas anteriores deve ser deduzido o montante “(…)mencionado no quesito 19.º e no documento que consta como tendo efectivamente sido celebrado entre os sócios gerentes da Autora e da Ré, considerando-se que afinal apenas é devida pela Ré a quantia de 25 OOO€.” Relativamente á primeva questão – omissão de fundamentação da decisão de facto (modificativa da decisão de facto da 1.ª instância) o tribunal recorrido não procedeu “(…) a uma análise crítica de todas as provas por si tidas em conta, não explicando, de forma clara, por que razão se convenceu das conclusões por si apresentadas.” “Nenhuma prova das apresentadas pelo Tribunal, nomeadamente o depoimento de algumas testemunhas, nem o seu conteúdo ou o sentido das conclusões que o Tribunal formula, a partir da análise das mesmas se mostra fundamentadora do sentido da decisão de modificar a resposta aos quesitos em questão (…)”.

No que tange á segunda nulidade com que é acoimado acórdão recorrido – contradição entre os fundamentos e a decisão -, a recorrente, refere que, apesar de ter sido dado como adquirida a transferência de determinadas quantias para a conta da Ré, por parte da Autora, não existe qualquer referência factual de que essas transferências correspondessem a empréstimos desta relativamente àquela.

No atinente á segunda das questões elencadas – divertida qualificação do negócio jurídico - “(…) verifica-se uma errada qualificação jurídica dos factos, na medida em que, o Tribunal a quo confunde "entregar" com "emprestar". “O que se verificou, nos presentes autos, foi que a Autora entregou (sob a forma de transferência e depósito) as quantias em causa na conta da Ré, mas sem acompanhar esta entrega com uma declaração de vontade no sentido de estar a proceder a um empréstimo, nem ter a vontade de ter emprestado, pois, ficou demonstrado e considerado pelo Tribunal que a vontade era outra e o Tribunal a quo qualificou esta realidade como se tratando de um contrato de mútuo.” Na resposta a recorrida pugna pela inexistência das alanceadas nulidades, sendo que se assim, se não entender requer que “(…) seja apreciado recurso no que concerne à questão do enriquecimento sem causa, sendo, assim, com este fundamento a acção julgada procedente.” II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

Da alteração/modificação da decisão de facto a que o tribunal da Relação, resulta adquirida para a decisão, a factualidade que a seguir queda extractada, sendo que os quesitos que agora foram dados como provados vão intercalados entre os números 7. e 8. Da matéria de facto dada como inicialmente provada, tendo-lhe sido aposta a numeração 7.A. e 7.B.. “1) A autora dedica-se à indústria de ..., empreitada de obras públicas, compra e venda de imóveis, materiais de construção e todo o comércio correlativo (A).

2) A ré dedica-se à actividade de ..., compra, venda, revenda e permuta de imóveis e prestação de serviços de ... (B).

3) Mostra-se junto a fls. 9 dos autos documento subscrito pela então gerência da aqui ré, do seguinte teor: «(...) Em nome da firma CC - ... Lda. declaro que já recebemos da firma AA a título de empréstimo o valor de 84.000.00 para as infra-estruturas na urbanização do ... em ....

Por ser verdade assino. (...)» (C).

4) Em 05/03/2007 a aqui autora transferiu da sua conta n.º … -C, do balcão ... do DD, para a conta n.º …-2, titulada pela aqui ré no mesmo balcão e instituição bancária, a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros) (D).

5). Em 11/07/2007 a autora transferiu da sua identificada conta para a também identificada conta titulada pela ré a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) (E).

6). Em 16/05/2008 foi depositado numa conta bancária titulada pela ré no balcão de ... da Caixa EE um cheque que a autora havia recebido de FF no valor de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros) (F).

7. Com a data aposta de 16/05/2008, GG assinou um cheque no valor de € 10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o banco HH, que foi depositado em 19/05/2008 no Banco II, em conta em que não era titular a ré (1.º).

7-A – As quantias mencionadas em D), E)e F) foram entregues à R a titulo de empréstimo (2.º).

7-B – Em razão do qual, a R deveria restituir à A tais quantias (3.º) 8. O documento mencionado em 3 foi elaborado na sequência de pedido feito nesse sentido por JJ a KK (4.º).

9. Uma vez que necessitava do mesmo para justificar contabilisticamente o montante nele inscrito (5.º).

10. Por volta de 2006 ou 2007, KK prestou, no âmbito da actividade profissional de canalizador, que exerce a título individual, diversos serviços à aqui autora (8.º).

11. Nomeadamente numa obra em ..., onde prestou serviços nos cerca de trinta apartamentos ali construídos pela mesma (9.º).

12. Houve facturação dos serviços referidos em 10 e 11 (10.º).

13. Era habitual o então sócio da ré, LL, depositar na conta da ré cheques pessoais a cujo levantamento posteriormente procedia (13.º).

14. KK, MM e LL construíram, em conjunto, um prédio sito em C..., concelho da ..., tendo vendido as respectivas fracções autónomas (14.º).

15. Facto que é do conhecimento da sócia-gerente da autora, NN (15.º).

16. KK, MM e LL distribuíam, entre si, as despesas da construção com o intuito de repartirem os lucros das vendas (16.º).

17. Em 17/09/2007 KK e LL disseram à testemunha OO para esta elaborar, o que ela elaborou, o documento denominado "acordo de pagamento", cuja cópia se mostra junta a fls. 31 e 32, tendo aqueles KK e LL apenas assinado a folha cuja cópia consta a fls. 32, não tendo estes assinado ou rubricado a folha cuja cópia consta a fls. 31 (19.º).

18- Nos termos do qual JJ declarou confessar-se devedor da quantia de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros) a KK (20.º).

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – Nulidade do acórdão por omissão da fundamentação da decisão de facto.

Na óptica da recorrente, o aresto recorrido, padece de nulidade consubstanciada na omissão da fundamentação da decisão de facto que reverteu ou reconsiderou a matéria de facto que havia sido adquirida pela primeira instância para a solução de direito – cfr. al. b) do n.º 1, do artigo 668.º, do Código Processo Civil. Na estabilização fundamental com que substancia a arguição da acoimada nulidade, sustenta que: “(…) das 5 conclusões que o Tribunal apresenta, bem como de todo o sentido do douto Acórdão, no que a esta matéria diz respeito, não se vislumbra e indicação de nenhum fundamento concreto que permita aferir qual a razão que levou o Tribunal da Relação de Lisboa a contrariar os argumentos da primeira Instância e a modificar o sentido da resposta aos quesitos.

A verdade é que, o Tribunal não se pronunciou sobre essa questão, acabando por concluir que, afinal, a resposta aos quesitos deve ser no sentido diferente daquele que a primeira instância decidiu.

(…) Para se poder aceitar uma decisão que modificasse o sentido das respostas da primeira instância, impunha-se que essa decisão fosse acompanhada da devida fundamentação de facto, o que, de todo, não aconteceu.

Não se pode...

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