Acórdão nº 420/06.7TVLSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução03 de Outubro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, entretanto falecido e substituído pelos herdeiros habilitados, BB, CC, DD, EE, FF e GG propuseram contra a Sociedade HH, pedindo que se declarasse “como constituído a favor dos AA., com efeitos retroagidos ao dia 18 de Janeiro de 1980, o direito de propriedade sobre um prédio, sito a poente da via férrea, com a área total de 10.55. m² (…), formado a partir do destaque de um prédio sito na ..., nº … (…), em Lisboa, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº … (…)”.

Para o efeito, e em síntese, alegaram: que o prédio (nº ...) foi adquirido pela ré, por compra, em 23 de Janeiro de 1948; que o mesmo prédio é dividido pela via férrea em duas parcelas; que adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade sobre a que se situa a poente daquela via, por terem actuado como seus proprietários desde que, em 18 de Janeiro de 1980, os primeiro, segundo e terceiro autores, juntamente com II (entretanto falecido), celebraram com a ré um contrato-promessa de compra e venda da parcela, a destacar do prédio a que pertencia; que a posse que têm exercido lhes confere “o direito a ver nascer um novo prédio, por destaque a fazer do prédio-mãe”: A ré contestou. Por entre o mais, sustentou que o contrato-promessa só foi assinado em 31 de Janeiro de 1980;que os actos descritos pelos autores são “actos de possuidor em nome de outrem”, não correspondendo “a posse dos proprietários”; que cabia aos autores a marcação da escritura de compra e venda até Abril de 1983, que não marcaram; que a pretenderam marcar em Abril de 1983, assim demonstrando que não se consideravam proprietários; que a escritura não se realizou quando se pretendeu realizá-la, nem em Maio de 1985, porque o notário “considerou impossível o cumprimento do contrato”, tendo em conta as regras relativas à divisão de imóveis em parcelas, fixadas pelo Decreto-Lei nº 400/84, de 31 de Dezembro, nem no final de 1994, quando já vigorava o Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Dezembro.

Disse ainda que, “tendo falhado todas as tentativas dos promitentes compradores para procederem à marcação da escritura de compra e venda, por manifesta impossibilidade legal”, ela, ré, OOlveu o contrato-promessa de compra e venda, por notificação judicial avulsa requerida em 11 de Janeiro de 1995; que, por esta via, teria sido interrompido em 16 de Janeiro de 1985 um eventual prazo de usucapião que estivesse em curso.

Em reconvenção, pediram que os autores fossem condenados a reconhecer que é a única proprietária do prédio a que pertence a parcela em litígio, que se julgasse o contrato-promessa “OOlvido, desde 16 de Janeiro de 1995, por impossibilidade legal superveniente do seu cumprimento” ou, em alternativa, por “incumprimento definitivo imputável aos AA” e, em qualquer caso, que os autores fossem condenados a entregar-lhe o prédio, nos termos que indica, e a indemnizá-la pelos prejuízos decorrentes da falta de entrega desde a data da OOlução do contrato, em montante a liquidar, mas nunca inferior a € 200.000,00.

Os autores replicaram, contestando o fundamento da OOlução e afirmando nada dever à ré.

Pela sentença de fls. 859, que reconheceu o direito de propriedade da ré sobre “a parte do terreno objecto do contrato-promessa” de 18 de Janeiro de 1980, com a área de 10.450 m², declarou “extinto o contrato-promessa” e condenou os autores a entregar a parcela “no estado em que se encontrar”, julgou-se improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção.

Em síntese, a sentença considerou que a prova não permite concluir que alguma vez os autores tivessem a posse da parcela em causa; que, de qualquer modo, não se teria verificado a aquisição por usucapião, porque o prazo teria sido interrompido pela notificação judicial avulsa; que a OOlução foi ilícita, razão pela qual os autores não têm que indemnizar a ré pelos prejuízos resultantes de não terem entregado a parcela, mas pôs termo ao contrato.

Ambas as partes recorreram. Os autores pretenderam que o recurso fosse directamente julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça; mas, pelo despacho de fls. 1019, o relator neste Supremo Tribunal determinou que os autos fossem remetidos à Relação de Lisboa, para apreciação.

No recurso, os autores vieram acrescentar o pedido de que, a ser julgada “relevante a OOlução do contrato-promessa ajuizado, esta [fosse] apreciada à luz da impossibilidade de celebração do contrato prometido, decretando-se, a favor dos recorrentes, a restituição do que por estes foi prestado, com actualização até ao dia da restituição, ao abrigo do disposto no art. 551º do Código Civil, valor esse que, até ao dia 30 de Novembro de 2011, se cifra em 301.316,31 €”.

Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 1031 foi negado provimento ao recurso dos autores e concedido provimento parcial ao da ré, sendo aqueles condenados a entregar a esta as rendas cobradas desde a notificação do pedido reconvencional, em montante a liquidar.

A Relação decidiu ainda ser “inadmissível nos presentes autos, nos termos e forma em que foi deduzido”, o pedido de condenação da ré, deduzido pelos autores.

  1. Os autores recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça; o recurso foi admitido como revista, com efeito devolutivo.

    Nas alegações que apresentaram, os autores formularam as seguintes conclusões: 1.A análise da posse, na nossa Lei, tem sido, sobretudo, realizada, não de jure condito, mas com base em ideias feitas que mais não fazem do que forçar a lei, sobretudo na sua valência literal, em ordem a que os seus elementos permitam extrair dela um sentido que se compagine com a teoria subjectivista.

  2. Todavia, mesmo para quem, como o acórdão recorrido, se firma nessa velhas teorias, não pode deixar de se aceitar que os recorrentes têm a posse da parcela ajuizada, pois, de um preço total estipulado foi 7.500.000$00, considerando a hipótese de o preço não ser pago, como foi o caso, até 6 meses após a celebração do contrato-promessa, os recorrentes pagaram 8.310.600$00, ou seja, mais do que o total.

  3. Aquele estado de coisas, em relação á posse, foi superado pelo Prof. José Alberto C. Vieira (In Direitos Reais, ed. Coimbra Editora, 2008), que propõe uma abordagem completamente inovadora, olhando para a Lei em vez de olhar para a teorias que a precederam.

  4. Na esteira dos ensinamentos deste autor, existirá posse sempre que alguém exerce um poder de facto sobre uma coisa, parecendo, numa observação feita a partir do exterior, que o exercício desse poder de facto corresponde ao exercício de um direito de propriedade ou de outro direito real, ou, dito de outro modo, … sempre que um sujeito tenha a coisa em seu poder, existe posse, a não ser que por força de uma norma legal concreta, a posse lhe seja negada (op. cit., pág. 532).

  5. Este autor vem, ainda, desmistificar a ideia da existência, com carácter de autonomia, do elemento subjectivo, o animus, afirmando uma coisa óbvia, mas que a teoria do subjectivismo, com a ênfase posta naquele elemento, tinha obnubilado: Em todos os casos em que existe uma acção humana livre, existe sempre, implícito, um elemento subjectivo, que é a vontade ou a consciência de a realizar.

  6. Nenhum dos pontos da matéria de facto provada mostra qualquer indício de os actos, praticados pelos recorrentes, no exercício do poder de facto sobre a parcela, terem sido praticados na invocação dos poderes conferidos pela procuração, mostrando, sim, que foram praticados em nome próprio e não em nome de terceiros, designadamente, a recorrida 7.Em suma, pelos factos provados, mostra-se que os recorrentes exerceram, sobre a parcela dos autos, desde o dia 18 de Janeiro de 1980 (cfr. factos 1 e 11), até à actualidade, de forma ininterrupta (cfr. facto 56) um poder de facto — que consistiu na construção de várias edificações (cfr. factos 15, 23, 24, 30, 32, 34 e 51), na implantação de uma baixada de electricidade (cfr. facto 53), na contratação de arrendamentos (cfr. factos 22, 36 e 43), na arrecadação de rendas (cfr. factos 39,45 e 48) —, que corresponde ao exercício do direito de propriedade e que o exercício daquele poder de facto foi feito à vista de toda a gente, sem oposição da recorrida (cfr. factos 16, 25, 31, 33, 38, 40, 46, 52, 54 e 55), sem violência (cfr. facto 58) e com a convicção de que, ao exercitar o referido poder de facto, não estavam a lesar nenhum direito da recorrida (cfr. facto 57), sem terem dado conhecimento ou obtido autorização da recorrida (cfr. factos 61, 62, 63, 64 e 65).

  7. Todos estes factos ocorreram desde a data do contrato-promessa (18 de Janeiro de 1980) até à data de entrada da presente acção em juízo (12 de Janeiro de 2006), sem interrupção, criando uma situação que se prolongou durante 26 anos, período durante o qual os recorrentes praticaram, sobre a parcela ajuizada, todos aqueles actos que foram dados como provados, sem qualquer interferência da recorrida.

  8. Daqui decorre, como consequência, que, ao contrário do entendimento que fez vencimento no acórdão recorrido, os recorrentes têm a posse da parcela, a poente da via-férrea, com a área total de 10.550 m2, a que correspondem os artigos 1035 urbano, com a área de 221 m2, e os artigos rústicos 15 e 16, com as áreas, respectivamente, de 3.400 m2 e 6.929 m2, que faz parte do prédio sito na ..., n.º …, anteriormente …, na freguesia do …, em Lisboa, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º ..., no livro …, a fls. 59, prédio esse que foi inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, sob o artigo … e na matriz predial rústica da mesma freguesia sob os artigos 15, 16, 17 e 18.

  9. Considerando que … o apossamento constitui a tomada de controle material da coisa e concretiza-se … através dos actos físicos necessários à sua apreensão … (José Alberto C. Vieira, op. cit., pág. 579), actos físicos esses que impliquem uma actuação material sobre a coisa, não episódica, mas duradoura (José Alberto C. Vieira, op. cit., pág. 581), e sejam praticados, não às...

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