Acórdão nº 319/06.7SMPRT.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Setembro de 2013
Magistrado Responsável | ARMINDO MONTEIRO |
Data da Resolução | 18 de Setembro de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam em conferência no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça : I. AA , interpõs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da Relação do Porto proferido no P.º n.º 319/06.7SMPRT.P1 , da 1.ª Sec., em 6.6.2012 , e que revogou o despacho da M.ª Juiz do 3.º Juízo Criminal do Porto , determinando a cessação da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente, pelo pagamento da multa resultante da substituição da pena de prisão antes imposta .
Nesse acórdão da Relação revogou-se por via de recurso do M.º P.º , essa decisão da 1.ª instância , nos termos do art.º 43.º n.º 2 , do CP , devendo ser substituída , por outra que determine o cumprimento pelo arguido do remanescente da pena de prisão imposta , e que é de 87 dias, ordenando-se a restituição ao arguido da quantia entretanto liquidada , com o fundamento de que só após a detenção e trânsito em julgado do despacho ordenando o cumprimento da prisão substituída por multa veio alegar estar desempregado e sem rendimentos .
O citado acórdão , alega o recorrente , está em oposição com outro proferido pela mesma Relação , em 4.3.2009 , no P.º n.º CS690/05 .8GBMTS-A.S1, em que o aí arguido foi condenado no 4.º Juízo Criminal de Matosinhos numa pena de 10 meses de prisão , substituída por igual tempo de multa , à taxa diária de 5 € , pela prática de crime de denúncia caluniosa , multa que não pagou no prazo legal e cujo incumprimento não justificou.
Nesse processo foi , em 1.ª instância , proferida decisão de exequibilidade da pena de prisão , ao abrigo do art.º 43.º , n.º 2 , do CP , e ordenado , após trânsito , o cumprimento da pena de prisão substituída , em consequência do não pagamento da multa .
A Relação , pelo seu citado acórdão de 4.3.2009 , revogou a decisão recorrida , do Tribunal de Matosinhos , e no reconhecimento da extinção da pena de multa , pelo seu pagamento , que teve lugar um dia depois de preso , em 18.12 .2008 e ordenou a imediata restituição do recorrente à liberdade, invocando a aplicabilidade do art.º 49.º n.º 2 , do CP .
Alega , ainda , o recorrente que os mesmos preceitos da lei foram interpretados e aplicados diversamente a factos idênticos em ambos os acórdãos , respeitando a oposição à decisão e seus fundamentos .
E porque pagando o recorrente AA a multa em substituição da pena de prisão a que foi condenado , o que pode fazer a todo o tempo , dada a natureza material da pena de substituição , cessa a execução da pena de prisão .
Deve ser fixada jurisprudência no sentido de que à pena de multa em substituição da prisão prevista no art.º 43.º , do CP , seja aplicável o disposto no art.º 49.º n.º 2 , do CP , por essa ser a intenção do legislador que , não tendo remetido explicitamente para tal preceito , pressupôs a aplicação desse regime à luz da coerência interna do sistema que encara a pena curta de prisão como última e extrema “ ratio “ , em respeito dos princípios constitucionais da necessidade e proporcionalidade –art.ºs 18.º e 32 .º , da CRP .
Neste STJ , por seu Acórdão de 6.3.2013 , reconheceu-se estarem reunidos os pressupostos formais e materiais do recurso extraordinário para fixação jurisprudência , tal como os art.ºs 437.º e 438.º , do CPP configuram , a partir da constatação de oposição de julgados entre o acórdão recorrido e fundamento , que , a respeito da mesma questão de facto , emitiram solução de direito em sentido inconciliável , porém na vigência da mesma regulamentação legal .
II . O recurso prosseguiu seus termos e os sujeitos processuais interessados , notificados que foram para o efeito , produziram as suas alegações e nas conclusões indicam o sentido em que deve fixar –se jurisprudência , nos termos do art.º 442.º n.ºs 1 e 2 , do CPP: III . Neste STJ , o Exm.º Procurador Geral –Adjunto , como já do antecedente se pronunciara , reiterando a oposição de julgados , a legitimar a intervenção uniformizante de jurisprudência , da competência deste Supremo Tribunal , fez incorporar parecer em que doutamente conclui : I - As penas de substituição inserem-se no movimento contra as penas curtas de prisão sendo apenas finalidades preventivas (de prevenção geral e especial), e não de compensação de culpa, que as justificam; II – Desde que verificados os pressupostos da aplicação de uma pena de substituição, o tribunal terá sempre que ponderar se esta se revela adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.
III - Os pressupostos para substituição da pena de prisão por multa tal como o regime de incumprimento da multa de substituição estão previstos no artigo 43.º do Código Penal.
IV - Considerando que o artº 43º do CP remete apenas para o artº 49º nº 2 do CP e sendo certo que, em relação ao artº 47º, aquele, remete globalmente para este último, considerando ainda que, no artº 47º, é usada a mesma técnica legislativa (por remissão) e ainda que a regra é a de que o intérprete deve presumir que o legislador consagra as soluções mais acertadas e que sabe exprimir o seu pensamento, temos de concluir que se o legislador não remeteu para o nº 2 do artº 49º do CP, foi porque não o quis fazer.
V - Apesar de a questão ora suscitada já vir a ser levantada nos tribunais superiores desde a revisão de 95, momento em que foi introduzido o nº 2 do artº 49º do CP, certo é que o legislador, sabendo disso, com as revisões de 2007 e 2010 ao Código Penal, continua a manter a remissão do artº 47º apenas para o nº 3 do artº 49º, daqui se retirando a sua vontade em não aplicar o nº 2 do artº 49º aos casos de incumprimento da multa de substituição.
VI - A multa de substituição e a multa principal são diferentes tanto do ponto de vista dogmático como do ponto de vista político-criminal, diferença esta que traz diferentes consequências prático-juridicas ao nível do seu incumprimento.
7) O que justifica que a pena de multa principal possa, a todo o tempo, ser paga e a, desse modo, evitar-se a prisão é a natureza subsidiária da prisão na medida em que esta existe só para o caso daquela não ser cumprida.
8) A pena de prisão que é substituída por multa não tem natureza subsidiária mas sim principal tendo, no entanto, sido substituída por multa por o julgador ter considerado que razões de prevenção geral (tutela do ordenamento jurídico) e especial (de socialização do agente e prevenção da reincidência) não exigem a exequibilidade da prisão aplicada.
9) Se o arguido foi condenado em pena de prisão substituída por multa e, apesar de saber que tinha de cumprir essa pena de multa de substituição, não o faz, este incumprimento voluntário revela uma postura de menosprezo em relação à condenação sofrida demonstrativa de que as finalidades preventivas que se pretendiam alcançar com a multa de substituição estão comprometidas.
10) Como o pagamento da multa de substituição não é um mero cumprimento de um ónus processual, pelo arguido, mas, sim, a aceitação e interiorização da pena, aceitar que o arguido possa pagar a multa de substituição apenas depois de o tribunal determinar o cumprimento da prisão, por decisão transitada, ou seja, aceitar que ele pague a multa apenas e tão só para evitar uma prisão eminente, é esquecer as finalidades de prevenção (não alcançadas) que foram decisivas para o juiz ter substituído a pena curta de prisão.
11- Tendo o arguido sido condenado a pena de prisão, que foi substituída por multa nos termos do artº 43º nº 1 do CP, havendo decisão transitada em julgado que, com fundamento no não pagamento culposo da multa, declare exequível o cumprimento da prisão, não pode o arguido vir, a todo o tempo, nos termos do artº 49º nº 2 do CP, efectuar o pagamento da multa e evitar, desse modo, o cumprimento da prisão.
Propõe pois, que o Conflito de Jurisprudência existente entre os acórdãos Relação do Porto, de 6 de Junho de 2012 (recorrido), e de 4 de Março de 2009 , (fundamento), seja resolvido nos seguintes termos: “ O arguido , condenado em pena de prisão , substituída por multa nos termos do artigo 43.º n.º 1 do Código Penal , não pode , nos termos do art.º 49.º n.º 2 , do Código Penal , efectuar o pagamento da multa para evitar , desse modo , a aquela execução , desde que haja decisão transitada em julgado que , com fundamento no não pagamento culposo de multa , determine a execução da prisão . “ Por seu turno, o recorrente apresentou as seguintes conclusões : Pagando o recorrente a multa em substituição da pena de prisão a que foi condenado , o que pode fazer a todo o tempo dada a natureza material da pena de substituição , cessa a execução da pena de prisão que entretanto havia sido iniciada , extinguindo-se a mesma .
Deve ser fixada jurisprudência no sentido de que à pena de multa em substituição da prisão prevista no artigo 43.º , do Código Penal , seja aplicável o disposto no artigo 49.º n.º 2 , do Código Penal , por ter sido essa a intenção do legislador , que não tendo remetido explicitamente para tal preceito , pressupõe esse regime à luz da coerência interna do sistema que encara a prisão como última “ ratio “ em respeito aos princípios constitucionais da proporcionalidade da necessidade quanto à privação da liberdade –artigos 18.º e 32.º , da CRP .
Assim iniciado o cumprimento da prisão por não pagamento da multa de substituição pode o condenado por termo à sua execução através do pagamento da multa.
IV . O acórdão recorrido e a sua fundamentação : Por sentença transitada de 5.6.2008 , proferida em processo comum, com intervenção do tribunal singular , no P.º n.º 319/06 .7 SMP RT.P1 , da 3.ª Sec., 3.º Juízo Criminal , da comarca do Porto , o recorrente AA foi condenado como autor material de um crime de condução ilegal de viatura , p. e p . pelo art.º 3.º , do Dec.º -Lei n.º 2/98 , de 3/1, na pena de 90 dias de prisão , substituídos por igual tempo de multa à taxa diária de 5€ .
Por despacho de 9.3.2010 , notificado ao arguido , verificado o não pagamento da multa foi a prisão declarada exequível e o arguido , segundo os termos do despacho recorrido , “ não...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO