Acórdão nº 294/07.0TBETZ.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelMÁRIO MENDES
Data da Resolução24 de Setembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I.

AA e mulher, BB, intentaram acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC e FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, pedindo a condenação solidária dos RR no pagamento da quantia de € 25.000, para cada um, a título de danos não patrimoniais, da quantia de € 50.000 a titulo de danos não patrimoniais decorrentes da perda do respectivo direito à vida, € 10.000 pelo sofrimento sofrido pelo filho entre a data do acidente e a data do óbito 5 dias depois, as despesas de funeral no valor de € 800, tudo no total de € 110.800, acrescido de juros vencidos desde a data de citação até efectivo pagamento.

Alegaram, em síntese, que pelas 7h00 do dia 4 de Setembro de 2004, na EN245 que liga S... a F…, e nesse sentido, circulava o motociclo de matrícula LX ..., propriedade do R CC e por este conduzido e como passageiro nesse motociclo seguia DD, filho dos AA.

Ao km 49,500 daquela estrada, após uma recta, o 1º R entrou numa curva que se seguia e não conseguiu desfazê-la e despistando-se e percorrendo uma distância de 65,40 m até se imobilizar. Alegam que tal despiste se ficou a dever ao facto de o 1° R seguir a uma velocidade superior a 90 km/hora, sem atenção ao tempo que fazia, uma vez que chovia, tornando o solo escorregadio.

Em consequência do despiste, o DD foi projectado no solo e sofreu lesões que foram a causa da sua morte.

O DD tinha 20 anos de idade e era um jovem alegre e trabalhador, trabalhava como servente de pedreiro auferindo de cerca de € 374,10 mensais, vivia com os seus pais e outros dois irmãos, mantendo todos, entre eles, grande afecto e carinho, sendo uma família harmoniosa e feliz, tendo sofrido de grande desgosto.

O motociclo em causa tinha sido do DD que o vendera a outra pessoa que, entretanto, o revendeu ao 1° R o qual não cumpriu a obrigação legal de contratar um seguro, pelo que, nos termos do disposto no art. 21°, n° 2, al. a) do DL n° 522/85, demanda igualmente como 2° R., o Fundo de Garantia Automóvel.

Contestou, apenas, o 2° R. alegando que na data do acidente o motociclo em causa encontrava-se registado em nome da vítima, filho dos AA, pelo que impugnada a matéria alegada e não se fazendo a respectiva prova prevalecerá a presunção registral e, consequentemente, a existência da figura da confusão, nos termos do disposto no art. 868° do C.P.C., que tem como consequência a extinção do crédito. Por outro lado alegam a ilegitimidade dos AA., por falta de documento que demonstre que são pais da vítima.

Conclui pela improcedência da acção devendo o 2° R. ser absolvido do pedido.

Replicaram os AA., pronunciando-se pela improcedência da matéria de excepção alegada, concluindo, no essencial, como na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pelo 2° R., tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e quesitada na base instrutória a matéria controvertida.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença julgando a acção improcedente.

Inconformados, interpuseram os AA recurso, tendo esta Relação anulado a sentença e determinado a ampliação da matéria de facto.

Cumprido e realizado novo julgamento para apuramento da matéria aditada, foi proferida nova sentença julgando, mais uma vez, a acção improcedente e absolvendo os RR.

Mais uma vez inconformados interpuseram os AA recurso de apelação, na sequência do qual foi proferido acórdão que, concedendo parcial provimento ao recurso, condenou o R CC no pagamento aos AA da indemnização de € 108.800 acrescida de juros de mora desde a citação.

II.

Deste acórdão interpuseram os AA o presente recurso de revista.

Apresentaram alegações que aqui se dão por reproduzidas concluindo pela apresentação de conclusões através das quais pugnam pela condenação do Fundo de Garantia Automóvel (argumentam que, ao contrário do que defende o acórdão recorrido, exercem na acção um direito próprio que lhes é reconhecido pelos artigos 495º e 496º nº 2 CC[1]), arguindo, ainda, a nulidade do acórdão por alegado excesso de pronúncia.

Contra-alegou o FGA defendendo a solução jurídica consagrada no acórdão recorrido.

Da posição assumida pelos recorrentes resultam colocadas as seguintes questões: a) é o acórdão nulo por excesso de pronuncia (artigo 668º nº 1 alínea d) como sustentam os recorrentes?; b) existe para o FGA a obrigação legal de garantir o pagamento da indemnização fixada aos AA na situação (configurada nos autos) em que a vitima mortal (seu filho) era proprietário do veículo e violou a obrigação de segurar? III. Fundamentos de facto: 1) DD, filho de AA e de BB, nascido a …/…/19…, faleceu em ../…/20…, pelas 19h30, no estado de solteiro.

2) Em 08/05/2001, a propriedade sobre o motociclo com a matrícula LX..., da marca …, foi registada em nome de DD.

3) No dia 4 de Setembro de 2004, pelas 7h00, na Estrada Nacional nº 245, que liga S... a F…, circulava, nesse sentido, o motociclo com a matricula LX..., tripulado por CC, onde seguia ainda, como passageiro, DD.

4) Imediatamente antes do km 49,900 (no sentido S.../F…) aquela estrada é constituída por uma recta de cerca de 300 metros, a qual tem uma inclinação acentuada e à qual se segue uma curva para a direita.

5) Naquele local, a estrada mede 6,50 metros de largura.

6) Naquele dia e hora chovia.

7) Quando o motociclo entrou na curva referida em 4) CC não conseguiu manter o mesmo na faixa de rodagem e, tendo atravessado da faixa da direita, onde seguia, para a esquerda, despistou-se.

8) O motociclo só se veio a imobilizar a cerca de 65,40 metros do local do despiste (em comprimento) e a cerca de 15,60 metros da berma da esquerda (em largura), já fora da estrada, em pleno campo.

9) Como consequência directa e necessária do despiste o condutor e o passageiro daquele motociclo foram projectados para o solo e caíram.

10) Em consequência de tal queda veio DD a sofrer lesões na cabeça, tórax, coluna dorsal e hemorragias internas, as quais foram causa directa e necessária da sua morte.

11) DD foi transportado daquele local para o Hospital de Portalegre e, seguidamente, para o Hospital de S. José, de helicóptero, onde foi submetido a intervenções médico-cirúrgicas.

12) DD era um jovem alegre, trabalhava como servente de pedreiro por conta de EE, auferindo 347,10 euros mensais e contribuía para as despesas do lar e do agregado familiar.

13) Vivia em comunhão de habitação e mesa com os seus pais e dois irmãos, os quais sentiam grande afecto uns pelos outros, formando uma família harmoniosa e feliz.

14) A morte de DD, e nas circunstâncias em que ocorreu, causou sofrimento aos AA, especialmente nos 5 dias subsequentes ao acidente, em que perceberam o desespero e a agonia daquele, sentindo-se · impotentes para aliviar a sua dor.

15) Os AA. gastaram 800 euros com o funeral do filho.

16) CC não celebrou qualquer contrato de seguro de responsabilidade civil relativamente ao motociclo em causa.

17) À data do acidente o CC não era titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir tal veículo.

IV. O DIREITO.

Salvo o devido respeito pela posição assumida pelos recorrentes não vislumbramos qualquer fundamento para a arguição de nulidade do acórdão recorrido por alegado excesso de pronúncia.

Com efeito relativamente à questão da inexistência de seguro válido e eficaz que cobrisse a responsabilidade civil relativamente ao veículo em causa (condição sine qua non da (eventual) responsabilidade do FGA nos termos em que os próprios AA a colocam nos autos) o acórdão recorrido conhece objectivamente de uma questão que lhe vem colocada (existência ou não do primeiro pressuposto para a responsabilidade do Fundo) servindo-se dos meios de prova e das presunções que legitimamente podiam ser utilizadas para sustentação da posição que foi assumida.

Saliente-se, por outro lado e para devido esclarecimento, que no âmbito...

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