Acórdão nº 738/08.4TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução19 de Setembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - BSL e BSI, intentaram acção declarativa com processo ordinário contra A...C... of SOUTH AFRICA, Ltd., pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 192.180.622,82, em via principal, a título de comissão de 10%, por força do contrato de mandato comercial celebrado entre as partes, que foi exercido pelas AA., em nome e por conta da referida R., acrescido dos juros de mora contados desde a data da citação, sem prejuízo dos demais juros vincendos até integral e efectivo pagamento e do mais que se determinar em sede de execução de sentença; ou, a título subsidiário, pela vantagem patrimonial com que injustamente se locupletou à custa da conduta daquelas, correspondente à comissão de 10% sobre o valor total dos bens e prestações que integraram o Projecto Adenia, acrescido dos juros de mora contados desde a data da citação, sem prejuízo dos demais juros vincendos até integral e efectivo pagamento, sem prejuízo do que se determinar em sede de execução de sentença; ou, ainda, a título subsidiário, como remuneração correspondente à sua actuação comercial como gestoras de negócios da referida R. no Projecto Adenia, acrescido dos juros de mora contados desde a data da citação, sem prejuízo dos demais juros vincendos até integral e efectivo pagamento, sem prejuízo do que se determinar em sede de execução de sentença.

Alegam as AA. que celebraram com a R. um contrato de mandato comercial, no âmbito do qual se comprometeram a realizar diligências tendo em vista a abertura de um “Canal Português”, junto de autoridades e entidades portuguesas, para o fornecimento e aquisição de equipamento de aeronáutica entre uma empresa sedeada em França, como fabricante, e a R. sedeada na África do Sul, como adquirente, servindo entidades portuguesas de entreposto para o escoamento de tal material.

Foi acordado com a R. que pagaria às AA. uma comissão correspondente a 10% sobre todo o material que fosse fornecido à R. por essa via, o que a R. incumpriu.

A R. alegou, além de outras excepções e questões que ainda não foram objecto de qualquer apreciação, a excepção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses, considerando que não se verifica nenhum dos factores atributivos da competência enunciados no art. 65º do CPC, na redacção vigente na data da interposição da acção.

Replicaram as AA. defendendo a competência dos tribunais portugueses, uma vez que era em Portugal que a comissão deveria ser paga e que uma parte dos factos que constituem a causa de pedir ocorreram em Portugal, já que foi aqui que se realizaram as diligências que terão permitido a efectiva implantação do “Canal Português”, o que passou, além do mais, por acordos estabelecidos entre a R. e a empresa fabricante, por um lado, e a Força Aérea Portuguesa e, pelo outro, a empresa OGMA.

Foi proferida decisão que julgou os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para a acção e, consequentemente, absolveu a R. da instância.

Apelaram as AA., tendo a Relação revogado a decisão de 1ª instância, considerando os tribunais portugueses internacionalmente competentes, ao abrigo do art. 65º, al. c), do CPC, tendo em conta que alguns dos factos que integram a causa de pedir foram praticados em Portugal. Considerou a Relação insubsistente o outro fundamento da competência internacional ligado ao local de cumprimento da obrigação de natureza pecuniária.

A R. interpôs recurso de revista em que concluiu:

  1. O presente recurso circunscreve-se à análise da competência internacional dos Tribunais Portugueses por via do art. 65.°, n.° 1, al. c), do CPC, nos termos do qual são internacionalmente competentes nos casos em que for "praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou alguns dos factos que a integram." b) O despacho saneador considerou que o facto jurídico de onde emerge o direito que as AA. se arrogam é o alegado contrato de mediação, tendo o mesmo sido celebrado na embaixada da África do Sul, em Paris. E considerou que os actos alegadamente praticados pelas AA. - e que se corporizariam na suposta intermediação de contactos e favores com as autoridades portuguesas com vista ao estabelecimento de um Canal Português destinado à circulação de peças e equipamentos de aeronaves de combate militar entre França e África do Sul -, sendo meros actos de execução do contrato de mediação alegado, não constituiriam qualquer facto essencial ou principal que integrasse a causa de pedir da acção, pelo que não seriam suficientes para atribuir competência internacional aos Tribunais Portugueses.

  2. Contrariando esse entendimento, considerou a Relação que os actos de execução do contrato de mediação alegadamente incumprido pela R. são elemento suficiente para atribuir a competência internacional aos Tribunais Portugueses, concluindo que são internacionalmente competentes, desde que os factos alegados nos autos - sejam eles essenciais ou complementares - integrem a causa de pedir.

  3. Têm sido ensaiadas diversas construções no que toca à delimitação da causa de pedir, resultando das mesmas duas grandes posições divergentes: a defesa de uma causa de pedir fundamentadora e a defesa de uma causa de pedir individualizadora. A primeira integra todos os factos necessários à procedência da acção, enquanto a segunda é constituída apenas pelos factos necessários à individualização da situação jurídica alegada pelo Autor. Neste raciocínio, a adopção de um ou de outro entendimento terá consequências profundas, entre outros, ao nível dos institutos do caso julgado, da litispendência, da ineptidão da petição inicial, da rectificação da causa de pedir, da alteração conjunta do pedido e da causa de pedir ou da atribuição de competência internacional.

  4. A causa de pedir da acção declarativa é apenas constituída pelos factos essenciais alegados na petição inicial, o que decorre com clareza, entre outras, das normas previstas nos arts. 65.°, 193.°, 234.°-A, 264.°, 273.° ou 498.° do CPC. A adopção de um conceito unitário de causa de pedir em sentido mais restrito limita o seu âmbito ao conjunto dos factos que permitem individualizar a pretensão do autor de uma outra deduzida posteriormente.

  5. Os factos que permitem individualizar a pretensão das AA. - (os únicos) que integram a causa de pedir - não ocorreram no território nacional.

  6. Quanto à atribuição de competência internacional, nos termos do art. 65.°, n.° 1, al. c), do CPC, não existirá qualquer especificidade do conceito de causa de pedir, face aos demais institutos analisados.

  7. A Relação de Lisboa considerou que a causa de pedir dos presentes autos consiste não apenas no contrato celebrado entre as partes, mas, igualmente, no seu cumprimento ou execução, no seu incumprimento e, a título final, no dano contratual sofrido pelas recorridas e cujo ressarcimento é peticionado. Ou seja, considerou que o princípio da causalidade, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 65.°, n° 1, al. c), se satisfaz com a ocorrência em Portugal de um dos factos considerados individualizadores ou meramente complementares da pretensão do A., o que contraria todos os demais institutos da acção declarativa que chamam à colação o conceito de causa de pedir.

  8. Não lhe assiste razão, uma vez que também em relação a este instituto se verifica que a causa de pedir é constituída apenas pelos factos essenciais - individualizadores do direito que o A. se arroga.

  9. A revogação do critério da causalidade pela Lei n.° 52/08 implica que o mesmo se aplique cautelosamente, não havendo qualquer interpretação restritiva quando o preceito não for aplicado a casos - como o dos presentes autos - que não cabem na sua letra, nem no seu espírito. Entende-se, assim, por maioria de razão, que a cautela exigida na aplicação do preceito tem obrigatoriamente de significar a exclusão dos factos complementares do conceito de causa de pedir nele vertido.

  10. Nesta medida, os factos que integram a causa de pedir para efeitos do disposto no art. 65.°, n.° 1, al. c), têm que ser os factos essenciais, não podendo ser factos meramente complementares ou concretizadores de outros factos essenciais, sob pena de se adulterar o conceito de causa de pedir e, mais grave do que isso, se atribuir uma competência internacional exorbitante aos Tribunais Portugueses. Por isso, tal é por demais demonstrativo que tais elementos não constituem a causa de pedir, enquanto conjunto de factos individualizadores da pretensão material do A.

  11. O facto de a execução do contrato de mediação em causa implicar a prática de actos em Portugal, em ordem a assegurar o convencimento das FAP para a criação de um esquema de recebimento, montagem e reexpedição de material aeronáutico militar provindo de França e com destino à África do Sul, não basta para que se entenda que o facto jurídico de onde emerge a causa de pedir ocorreu, ainda que parcialmente, em Portugal.

  12. De facto, a sucessão dos alegados actos de entrega e prestação pelas AA. de serviços de mediação e de promoção de negociações junto das autoridades militares portuguesas têm a natureza de factos acessórios ou complementares, porquanto os factos jurídicos que permitem a individualização do pedido, qual seja, a previsão normativa do art. 232.°, §1, do Cód. Com., são tão-somente o contrato de mediação e, quanto muito, a remuneração.

  13. Assim, parece cristalino que o facto que serve de causa de pedir na presente acção não foi praticado em Portugal, não se verificando o factor de atribuição de competência internacional vertido na al. c) do n.° 1 do art. 65°.

  14. Caso se venha a eventualmente a entender que todos os factos alegados pelas AA. compõem a causa de pedir, independentemente de serem factos principais ou complementares, o que não se admite, ainda assim não seria aplicável o art. 65.°, n.° 1, al. c), do CPC, por tal conduzir à atribuição de uma competência exorbitante aos Tribunais Portugueses.

  15. Neste sentido, o princípio da causalidade não pode...

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