Acórdão nº 204/11.0TTVRL.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução12 de Setembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Vila Real, a presente acção emergente de contrato de trabalho, sob a forma do processo comum, contra BB, ER, pedindo: (i) o reconhecimento, como contrato de trabalho, da relação jurídica existente entre as partes entre 03 de Janeiro de 2000 e 31 de Maio de 2010, e (ii) a condenação do réu no pagamento, a título de compensação pela caducidade do contrato, da quantia de € 10.609,60, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal aplicável, desde 31 de Maio de 2010.

Alegou, em síntese, que, na sequência de um concurso público, celebrou com o réu – então Região de ... – um contrato individual de trabalho a termo certo, pelo prazo de um ano. Esse contrato foi renovado duas vezes, por períodos de um ano, tendo tido o seu termo, em 31 de Dezembro de 2002.

Por estarem esgotadas as possibilidades de renovação daquele contrato, as partes celebraram um contrato denominado de «prestação de serviço», pelo período de 6 meses, renovável por iguais períodos.

Esse contrato renovou-se, automaticamente, até que, em 31 de Maio de 2005, as partes celebraram um novo contrato individual de trabalho, a termo certo, pelo prazo de um ano. Esse contrato foi renovado duas vezes, por períodos de um e de três anos, respectivamente, tendo cessado em 31 de Maio de 2010.

À data da cessação do vínculo, o autor auferia € 1.407,45, mensais.

A relação mantida entre as partes revestiu sempre, conforme alega o autor, a natureza de trabalho subordinado, sendo certo que a distinta natureza dos vínculos assumidos visou contornar os constrangimentos de ordem legal que impendiam sobre o réu.

O réu, aquando da cessação do contrato, pagou, pela sua caducidade, a quantia de € 5.630,40, quantia que o autor considera manifestamente insuficiente, atenta a duração do vínculo.

O réu contestou a acção, defendendo-se por excepção e por impugnação.

Por excepção, invocou a incompetência material do Tribunal do Trabalho para conhecer do presente litígio, visto ser uma pessoa colectiva de direito público.

Mais referiu que o contrato de trabalho do autor se converteu num contrato de trabalho em funções públicas, nos termos do art. 17.º, n.º 2, da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, automaticamente e independentemente de qualquer formalismo, tendo estas alterações entrado em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009.

Nos termos do art. 83.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, os Tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público, pelo que tendo esta disposição legal entrado em vigor, em 1 de Janeiro de 2009, nos termos do n.º 7 do art. 118.º da invocada Lei, resulta que a presente acção deveria ter sido proposta junto dos tribunais administrativos.

Por impugnação, defendeu a improcedência da acção, bem como o cumprimento da obrigação de pagamento da compensação devida pela caducidade do contrato de trabalho.

Findos os articulados, a Mm.ª Juíza a quo, conhecendo da excepção, julgou o tribunal do trabalho incompetente em razão da matéria, absolvendo o réu da instância.

  1. Inconformado com tal decisão, dela recorreu o autor para o Tribunal da Relação do Porto que julgou procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e ordenando a sua substituição por outra que determinasse a normal tramitação do processo.

  2. É contra esta decisão que o réu agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões que se passam a transcrever: «I. É unanimemente aceite pela doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores que a competência do tribunal é aferida, independentemente do julgamento de mérito, pela causa de pedir e o pedido formulado pelo Autor na sua P.I.

    1. O Autor configurou expressamente na sua P.I. a relação laboral objecto de litígio e existente entre este e a Recorrente como uma relação laboral sujeita às disposições legais que regulam os contratos de trabalho em funções públicas.

    2. E formulou expressamente na sua P.I., quer no tocante aos factos, quer no tocante ao direito aplicável, toda a sua pretensão enquanto trabalhador, com um contrato de trabalho em funções públicas.

    3. Cita na sua douta P.I., como legislação aplicável à relação laboral que existia entre este e a ora Recorrente, a Lei n.º 59/2008 (RCTFP).

    4. Recorre às disposições contidas na citada Lei n.º 59/2008 (RCTFP) para contestar o modo de cálculo da compensação devida pela cessação do seu contrato de trabalho em funções públicas.

    5. O próprio Autor expressamente qualifica a relação jurídica que o vinculava à Recorrente como uma relação de trabalho em funções públicas a que se aplica o respetivo regime legal de direito público.

    6. Foi face ao alegado pelo Autor na sua P.I. que a Mma. Juiz do Tribunal de Trabalho de Vila Real julgou procedente, por provada, a exceção de incompetência absoluta, em razão da matéria, do referido Tribunal.

    7. O douto parecer do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, fundamentado em diversas citações da P.I. do Autor, também considerou que o Tribunal de Trabalho de Vila Real não é competente, em razão da matéria.

    8. O Acórdão recorrido quiçá não se apercebeu da inversão da versão da lide apresentada pelo Autor nas suas alegações de recurso e apreciou a situação sub judice como se o Autor na P.I. da ação tivesse configurado a relação jurídica de trabalho como uma relação jurídica de trabalho regulada pelo Código de Trabalho de direito privado.

    9. Quando, na verdade, o Autor modelou a causa de pedir e o pedido na P.I. à relação jurídica de trabalho em funções públicas.

      Assim, XI. O Acórdão recorrido não faz uma correta aplicação dos ensinamentos contidos no citado Acórdão de 08 de março de 2010, do Tribunal da Relação do Porto (“Acórdão fundamento”).

      Efetivamente, XII. No referido “Acórdão fundamento” o então Autor invocou e fundamentou a existência de uma relação jurídica de trabalho regulada pelo Código de Trabalho de direito privado, o que fez com que este Tribunal da Relação do Porto tenha determinado a competência do Tribunal de Trabalho, por força da natureza da relação jurídica material segundo a versão apresentada pelo Autor.

    10. Na situação sub judice, pelo contrário, resulta expressamente da versão apresentada pelo Autor a existência de uma relação de trabalho em funções públicas a que se aplica a legislação que regula o contrato de trabalho em funções públicas.

    11. Pelo que, é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais a apreciação de litígios emergentes de relações jurídicas de emprego ou de litígios emergentes de contrato de trabalho em funções públicas nos termos do disposto no nº 1 do art. 83º, nº 1 da Lei nº 12-A/2008 e do art. 4º, n.º 3, al. d) do ETAF, especialmente enfatizado após a alteração legislativa da Lei n.º 59/2008 (RCTFP).

    12. Sendo o Tribunal de Trabalho de Vila Real incompetente em razão de matéria para apreciar tal litígio.

    13. Foi com base na materialidade administrativa em que o Autor formulou a sua pretensão na sua P.I., que o douto Tribunal de Trabalho de Vila Real julgou correctamente procedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal de Trabalho de Vila Real.

    14. Devendo o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que mantenha a decisão proferida pelo Tribunal de Trabalho de Vila Real».

      Conclui pela procedência do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
9 temas prácticos
  • Acórdão nº 444/13.8TBAVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Maio de 2014
    • Portugal
    • 29 de maio de 2014
    ...Civil, Coimbra Editora, 1993, página 91. Fundamentalmente no mesmo sentido, vide o Acórdão do STJ de 12.09.2013 proferido no processo 204/11.0TTVRL.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt: “É pacífico que esse pressuposto se afere pela forma como o autor configura a acção, sendo esta definida pel......
  • Acórdão nº 89/14.5TTMAI-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Abril de 2015
    • Portugal
    • 13 de abril de 2015
    ...contrato se haver convolado em contrato de trabalho em funções públicas. Por sua vez, o STJ, no seu Acórdão de 12.09.2013, Processo 204/11.0TTVRL.P1.S1[4], considerou-se, conforme ponto III do respetivo sumário que “Por aplicação do critério de extensão da competência dos tribunais de traba......
  • Acórdão nº 020/15 de Tribunal dos Conflitos, 17 de Setembro de 2015
    • Portugal
    • 17 de setembro de 2015
    ...também no caso presente será de seguir a orientação jurisprudencial que emana, entre outros, dos acórdãos do STJ de 12-09-2013, proc. 204/11.0TTVRL.P1.S1, e de 30-03-2011, proc. 492109.2TTPRT.P1.S1, bem como dos acórdãos deste Tribunal dos Conflitos, de 27-02-2014, proc. 055/13, de 03-03-20......
  • Acórdão nº 255/14.3T8AGD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Junho de 2015
    • Portugal
    • 15 de junho de 2015
    ...contrato se haver convolado em contrato de trabalho em funções públicas. Por sua vez, o STJ, no seu Acórdão de 12.09.2013, Processo 204/11.0TTVRL.P1.S1, considerou-se, conforme ponto III do respetivo sumário que “Por aplicação do critério de extensão da competência dos tribunais de trabalho......
  • Peça sua avaliação para resultados completos
9 sentencias
  • Acórdão nº 444/13.8TBAVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Maio de 2014
    • Portugal
    • 29 de maio de 2014
    ...Civil, Coimbra Editora, 1993, página 91. Fundamentalmente no mesmo sentido, vide o Acórdão do STJ de 12.09.2013 proferido no processo 204/11.0TTVRL.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt: “É pacífico que esse pressuposto se afere pela forma como o autor configura a acção, sendo esta definida pel......
  • Acórdão nº 89/14.5TTMAI-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Abril de 2015
    • Portugal
    • 13 de abril de 2015
    ...contrato se haver convolado em contrato de trabalho em funções públicas. Por sua vez, o STJ, no seu Acórdão de 12.09.2013, Processo 204/11.0TTVRL.P1.S1[4], considerou-se, conforme ponto III do respetivo sumário que “Por aplicação do critério de extensão da competência dos tribunais de traba......
  • Acórdão nº 020/15 de Tribunal dos Conflitos, 17 de Setembro de 2015
    • Portugal
    • 17 de setembro de 2015
    ...também no caso presente será de seguir a orientação jurisprudencial que emana, entre outros, dos acórdãos do STJ de 12-09-2013, proc. 204/11.0TTVRL.P1.S1, e de 30-03-2011, proc. 492109.2TTPRT.P1.S1, bem como dos acórdãos deste Tribunal dos Conflitos, de 27-02-2014, proc. 055/13, de 03-03-20......
  • Acórdão nº 255/14.3T8AGD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Junho de 2015
    • Portugal
    • 15 de junho de 2015
    ...contrato se haver convolado em contrato de trabalho em funções públicas. Por sua vez, o STJ, no seu Acórdão de 12.09.2013, Processo 204/11.0TTVRL.P1.S1, considerou-se, conforme ponto III do respetivo sumário que “Por aplicação do critério de extensão da competência dos tribunais de trabalho......
  • Peça sua avaliação para resultados completos

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT