Acórdão nº 232/09.6TVPRT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2013

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução04 de Julho de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – RELATÓRIO.

    AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinário contra "BB – Banco … (Portugal), S.A.", pedindo a condenação da Ré a: “Devolver à A. o valor dos títulos que encerram em si 10.060 obrigações de valor nominal de 1.000$00, acrescidos à taxa de juros anual de 2,75% desde 1993, o que perfaz um montante total de € 70.877,94; -Apresentar à A. documentos comprovativos de que os juros foram pagos aos "de cujus" desde 1967 até 1993, e que estes procederam ao levantamento dos mesmos.” Para fundamentar tais pretensões, a A. alega, em resumo, que os seus pais depositaram, em 1967, uma carteira de títulos obrigacionais no antecessor do R., a fim de os mesmos serem guardados na casa forte dessa instituição.

    Os pais da A. faleceram em 1985 e 1993, tendo a A. adquirido por sucessão todos os bens na qualidade de única herdeira.

    Acontece que a A. só teve conhecimento da existência do documento suporte dos títulos em causa em 2006, tendo a R. informado a A. que os títulos estariam vencidos desde 1967.

    Entende a A. que o R. devia acautelar o interesse do cliente e, nessa medida, proceder à devolução dos títulos e comprovar o pagamento dos juros até 1993. Ao não proceder à restituição de tal quantia, o R. locupleta-se indevidamente.

    Na contestação, o demandado contramina a pretensão da demandante invocando a excepção de prescrição e, por via de impugnação, por não haver recebido do Estado qualquer montante de capital ou juros decorrente de tais títulos.

    Os títulos em causa foram desmaterializados no final da década de 80 e foram entregues à "CC".

    Acresce que, volvidos mais de quarenta anos sobre a entrega dos títulos e extinta a relação jurídica com o pai da A. em 1993, o R. não tem obrigação de conservar a documentação em causa.

    Na réplica que apresentou, a demandante, mantém, no essencial, o que havia sido a sua posição na petição inicial.

    Após realização da audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida decisão – cfr. fls. 363 a 366 - que julgou:”(…) a acção totalmente improcedente, absolvendo o Réu do pedido. Custas pela Autora.

    ” Do recurso de apelação interposto da decisão, veio o Tribunal da Relação de Lisboa – cfr. fls. 404 a 418 -, que manteve a decisão de primeira instância, interpôs a demandante recurso de revista excepcional, que o colectivo de formação a que alude o artigo 721.º-A, n.º 3 do Código Processo Civil, estimou tratar-se de matéria de relevo jurídico susceptível integrar a alínea b) do citado preceito, justificante da sua admissão como revista excepcional.

    Com as alegações do recurso – cfr. fls. 524 A 554 - veio a ser junto um parecer do Ilustre Professor Almeno Sá – cfr. fls. 556 A 612.

    I.A. – QUADRO CONCLUSIVO.

    ”I. - A argumentação desenvolvida aponta claramente no sentido de considerar que o depósito efectuado pelos pais da Autora se enquadra na previsão do artigo 405.º do Código Comercial.

  2. - Ao entender que "o apelado não ficou incumbido de gerir uma carteira de títulos, apenas se tendo obrigado à sua custódia" o Acórdão recorrido viola frontalmente o disposto nos artigos 405.º do Código Comercial e 1185.º e 1187.º, n.º 1, alínea c) do Código Civil.

  3. - Tal afirmação tem origem numa errada interpretação ou leitura incompleta daquelas normas jurídicas.

  4. - Pelo que se impõe a alteração da decisão, no sentido de que cabia ao Réu diligenciar pelo pagamento dos juros e entrega do capital, estando ainda obrigado a restituir aquilo que lhe foi confiado em depósito.

  5. - Por força da carreta interpretação da lei conclui-se que o recorrido estava obrigado à cobrança de juros e às demais diligências necessárias para a conservação do valor dos títulos e dos seus efeitos legais.

  6. - Tais obrigações decorrem expressamente do preceituado nos artigos 405.º do Código Comercial.

  7. - O recorrido estava ainda obrigado a restituir os títulos quando tal lhe fosse solicitado ou, alternativamente, a entregar o seu valor.

  8. - Estas obrigações decorrem expressamente do preceituado nos artigos 1185.º e 1187.º n.º 1, alínea c) do Código Civil.

  9. - O contrato de depósito de títulos de crédito celebrado entre as partes mantém-se em vigor, sendo certo que nenhuma das partes lhe pôs termo.

  10. - Quanto à eventual prescrição dos juros e dos títulos, constituía estrita obrigação do Banco réu cobrar os juros das obrigações, ao longo de toda a vida da dívida pública em causa, a qual se mantém em vigor.

  11. - Sob pena de incorrer em responsabilidade, expressamente prevista no artigo 405.º do Código Comercial.

  12. - As obrigações do depositário não se esgotam na custódia dos títulos e cobrança dos juros.

  13. - O que tem imediatas repercussões em matéria de prescrição.

  14. - Se os títulos e respectivos juros prescreveram, tal é inteiramente imputável à esfera da responsabilidade do Banco réu.

  15. - O Acórdão recorrido parte do pressuposto errado de que os títulos se venceram em 15 de Junho de 1967.

  16. - Porém, a lei diz que aquilo que se vence aos trimestres de cada ano são os juros, não os títulos.

  17. - O artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 32.769, prevê que o vencimento em 15 de Junho é o primeiro vencimento trimestral de cada ano de vida do empréstimo, seguindo-se o vencimento nos restantes trimestres: 15 de Setembro, 15 de Dezembro e 15 de Março.

  18. - Resulta desta norma que o vencimento em 15 de Junho se refere aos juros, não aos títulos.

  19. - Bastaria atentar na data de conclusão do contrato para se poder concluir que não teria sentido celebrar em 13 de Abril de 1967 um contrato de depósito de títulos que supostamente se venceriam escassíssimos dois meses depois.

  20. - O Acórdão recorrido concluiu erradamente que em 15 de Junho de 1967 se venceram os títulos, quando deveria ter concluído que nessa data apenas se venceram os primeiros juros trimestrais, como decorre do documento contratual (Doc. 1, junto com a Petição Inicial), do artigo 18.º do Decreto-Lei 43453, de 30 de Dezembro de 1960 e do artigo 14.º da Lei n.º 7/98 de 3 de Fevereiro, que regulam a prescrição da dívida pública.

  21. - É com base nesta errada premissa que o acórdão decreta a prescrição das obrigações contratuais que impendiam sobre o Réu.

  22. - O Réu limita-se a afirmar que desconhece onde se encontram os títulos.

  23. - Tal não se coaduna com a sua posição contratual de depositário e com as obrigações decorrentes dos artigos 405.º do Código Comercial e 1185.º e 1187.º, n.º 1, alínea c) do Código Civil.

  24. - O Réu estaria sempre obrigado a restituir os títulos quando tal lhe fosse exigido pelo depositante, sob pena de responsabilidade pessoal, nos termos do artigo 405.º do Código Comercial XXV. - E, naturalmente, as obrigações decorrentes do incumprimento do contrato de depósito de títulos de crédito não tem rigorosamente nada a ver com a prescrição de títulos da dívida pública.

  25. A prescrição das obrigações contratuais só se inicia a partir de um identificado incumprimento contratual – artigo 309.º do Código Civil.

  26. - Para fundamentar a invocada prescrição, o acórdão transcreve o artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 43453, de 30 de Dezembro de 1960.

  27. - Todavia, tal norma refere-se, não à obrigação contratual contemplada no citado artigo 405.º, mas a títulos e juros.

  28. - O Acórdão declara, erradamente, é que prescreveu a obrigação contratual prevista no artigo 405.º do Código Comercial de guardar os títulos em causa e de os restituir com os respectivos juros, bem como de realizar as demais diligências necessárias para a conservação do seu valor.

  29. - Assim, toda a construção do acórdão fica sem suporte jurídico, pois é exclusivamente com base na alegada prescrição que o Tribunal confirma a sentença da Primeira Instância e nega provimento ao recurso interposto pela autora.

  30. - In casu, estamos perante uma típica situação de incumprimento contratual, com as inerentes consequências legais que daí resultam.

  31. - O Réu não cumpriu a obrigação de guarda e restituição dos títulos e correspondentes juros, pelo que continua em situação de incumprimento contratual.

  32. - A obrigação de guarda e de restituição, funcionando como dever que define o próprio contrato (artigos 1185.º e 1187.º, n.º 1, alínea c) do Código Civil), constitui uma obrigação de resultado, não simplesmente de meios. Deste modo, caso o resultado não seja alcançado, presume-se a culpa (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil).

  33. - A presente acção não pretende o Réu tenha ficado incumbido de gerir uma carteira de títulos – a única coisa que se pretende é que a instituição bancária celebrou um contrato de depósito de títulos de crédito, cujas específicas obrigações, fixadas na lei, o Banco não cumpriu.

  34. - Os títulos não se venceram em 15 de Junho de 1967 e, consequentemente, não houve prescrição.

  35. - O Acórdão recorrido violou, por errada interpretação, o disposto nos artigos 405.º do Código Comercial, 309.º, 799.º n.º 1, 1185.º e 1187.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, dos quais decorre directamente que ao Réu incumbia a obrigação de cobrar juros e adoptar todas as medidas necessárias para manter o respectivo valor e efeitos legais, bem como a obrigação de restituir os títulos depositados com os respectivos juros quando tal lhe fosse exigido.

    Das contra-alegações apresentadas pelo demandado, extraem-se as conclusões que a seguir quedam extractadas.

    “I. - O contrato em causa é um contrato de depósito regular de que decorre uma mera obrigação de custódia e não é a natureza do bem depositado que permite concluir em sentido diverso; II. - Da declaração emitida pelo...

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