Acórdão nº 08B3227 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução18 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Na comarca de Vila do Porto, Açores, AA, Associação Humanitária de Auxílio Social e Médico, com sede em .... 2, D-0000 Schwarzach, Alemanha, BB e mulher, CC, residentes na Chã de Cima, Azenha de Baixo, Santo Espírito, Vila do Porto, intentaram a presente acção ordinária contra: DD e EE, residentes na Terra Velha, Santa Bárbara, Vila do Porto.

Invocaram, detalhadamente, as ofensas que os visaram em cartas que os réus dirigiram ao Procurador de Bayreuth e mais tarde ao de Hof, e, quanto ao réu EE, em carta dirigida ao Procurador de Vila do Porto e, bem assim, em conversas com particulares, e referiram, também com pormenor, as consequências das mesmas.

Pediram, em conformidade, a condenação destes a pagarem a cada um deles, respectivamente, 5.000,00 €, 25.000,00 € e 10.000,00 €.

Contestaram os réus, sustentando na parte que agora importa, que a sua conduta não foi ilícita.

II - A acção prosseguiu e, na altura própria, foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor: "Nos termos de tudo o exposto, na procedência parcial da acção, condeno solidariamente os réus DD e EE a pagar a cada um dos autores BB e CC a quantia de 10.000,00 €, acrescida de juros vencidos no montante de 1560,00 € e de juros vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo pagamento, no mais os absolvendo do pedido." III - Apelaram os réus, mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa manteve a sentença.

IV - Ainda inconformados, pedem revista.

Concluem as alegações do seguinte modo: 1 - Não se configuram os fundamentos com base nos quais foi decretada a procedência da presente acção.

2 - O direito de denúncia é uma concretização do acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, enquanto direito fundamental, constitucionalmente consagrado.

3 - Os Réus, ao denunciarem determinados factos às Autoridades, fizeram-no no exercício de um direito consagrado constitucionalmente.

4 - Na falta de consciência da falsidade da imputação a conduta do participante não pode ser considerada ilícita, pois os Réus quando participaram os factos as autoridades Alemãs acreditava na veracidade dos mesmos.

5 - O direito de denunciar determinados factos não foi exercido abusivamente pois não se chegou a provar que os Réus quando denunciaram a conduta dos Autores agissem com consciência da falsidade das imputações e visando exclusivamente humilhar os Autores mediante a uma provável sujeição a um procedimento criminal. 6 - Isto é, nada tendo ficado provado a este respeito, não pode pois considerar-se ilícita a conduta dos RR., de molde a dar verificados os pressupostos de responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, nem por conseguinte, condenar os RR. a ressarcir os Autores.

7 - Assim sendo não se pode dar por provados os requisitos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos estabelecidos nos artigos 483.º e 484.º ambos do C.C. por inexistência dos seus pressupostos: a ilicitude e a culpa.

8 - Ao ter decidido de forma diversa, entende o Recorrente que foi violado o correcto entendimento dos artigos 483.º e 484.º do Código Civil.

Não houve contra-alegações.

V - A questão que se nos depara consiste em saber se o teor das denúncias e demais referências se situa no campo da ilicitude ou da licitude.

VI - Vem provada a seguinte matéria de facto: Os RR. enviaram ao Procurador do Ministério Público alemão de Bayreuth, datada de 18 de Janeiro de 2001, ali recebida em 25 de Janeiro seguinte e de que os AA. tomaram conhecimento em Junho seguinte aquando da detenção da A. CC, uma carta, escrita em alemão e traduzida a folhas 17 a 19, com o seguinte teor: "Assunto: Desfalque Provável de Meios Financeiros que foram doados para fins de Utilidade Pública Exmas Sras, Exmos. Srs.: Em conjunto com umas discussões jurídicas que tivemos com a Sra. CC e o Sr. BB , ficamos cientes de alguns factos que, provavelmente, indicam que essas pessoas, ou seja, a assim chamada Organização de Assistência "AA" deles, tenham defraudado meios financeiros doados e coleccionados para fins de utilidade pública, utilizando-os porém, para fins particulares. Por isso nós comunicamo-lhes esses factos pedindo o obséquio de verificarem, se realmente poderá ser assumido o tal fraude(1). Caso assim seja, há de se admitir com elevada probabilidade, de que os factos aqui relatados representam apenas aquela, tão afamada "Ponta dum Monte ainda indiscoberto", isto quer dizer, que podem existir logros numa escala ainda muito maior, como pode se deduzir, também, do ponto 5°.

  1. ) Todas as notícias que nos recebemos via telefax por parte da Sra. CC por ocasião da aquisição particular de uma casa, e referente à modernização da casa - e foram realmente muitos - tinham sido despachados por um aparelho de fax da tal "AA". Isto também se refere a um fax do dia 01/10/1999 mediante o qual foi tentado a extorquir uma quantia de DM 80.000, de nós. É com muito gosto, que colocaremos essas mensagens via fax à V/ disposição.

  2. ) Em conjunto com as discussões jurídicas havidas entre nós e as pessoas de nome BB e CC, diversas facturas do nosso advogado foram pagas, através da conta bancária da "AA". Juntamos, em anexo, as cópias de duas provas de transferências assim efectuadas. Nisto demos conta, que estas transferências foram realizadas através de contas bancárias diferentes, porém, do mesmo banco da, assim chamada, Organização de Assistência Social.

  3. ) As pessoas BB/CC mandaram efectuar diversas vezes transportes da Alemanha para Santa Maria, com objectos destinados para a casa particular deles. Do primeiro destes transportes, que era composto de várias caixas pesadas de origem do exército alemão, possuímos uma cópia da declaração de transporte. Segundo tal documento, o transporte foi executado em nome da "AA". Por isso há-de se perguntar, se essa entidade talvez chegou, também, a pagar a respectiva frete. O Sr BB, pelo menos, não deixou de salientar, aqui na ilha, de que ele não tenha pago praticamente nada por aquele transporte, que, normalmente, deverá ser classificado como sendo muito caro. Juntamos, em anexo, a cópia da respectiva declaração de transporte.

  4. ) A partir do dia 25/06/1999, a data da sua chegada em Santa Maria, até fins de Abril de 2000, portanto, durante dez meses, o Dr. BB conduziu, quase sem interrupção, um carro alugado da firma local "Ilha do Sol". Quando as pessoas o perguntaram porque ele não preferia comprar aqui um carro usado, ele respondia que a sua Organização de Assistência "ia dispensar um carro "of-road" extremamente caro, e, colocá-lo à disposição dele. Em fins de Abril, chegou, então, em Santa Maria um JEEP CHEROKEE, com um aspecto de se tratar de um veículo praticamente novo, equipado com a matricula oficial alemã "KU-00 00", e, continuando a apresentar, até hoje em dia, no capô do motor o emblema da AA. Talvez seria de grande interesse a se averiguar de que maneira é que a transmissão de propriedade tenha sido efectuado, passando da assim chamada organização de assistência às pessoas de nome BB/CC. Mesmo que tenha sido pago uma certa quantia em dinheiro por parte das pessoas de nome BB/CC para aquele veículo, utilizável também fora de pistas, teria que se verificar, se essa importância correspondia ao valor do veiculo, e, que é que estava autorizado a dispor daquele dinheiro, e, de que maneira tenha sido disposto do tal dinheiro.

  5. ) As pessoas de nome BB/CC disseram a nós, no ano de 1999, de que eles possuíam uma quantidade elevada de dinheiro "negro" [não declarado à competente Entidade de Arrecadação de Impostos] que se encontra no Chipre. A respeito disto, a Sra. DD tinha sido intimada de consultar o Banco de Portugal para ficar a saber qual seria a taxa de câmbio para trocar moeda da Chipre [libras chipras] em escudos portugueses.

Das pessoas de nome BB/CC conhecemos dois endereços:....str. 7, em 95352 ...., ou, então, S.... 2, em 95346, Stadtsteinach. Segundo as indicações do nosso advogado, eles para escapar da execução forçada em consequência da acção judicial acima mencionada, tenham...

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