Acórdão nº 08A3322 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução11 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, intentou em 7.6.1999, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira de Azeméis - 3º Juízo - acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra: - BB e mulher CC.

- DD, - EE, casado com FF, - GG, casado com HH, Invocando os seguintes fundamentos, aqui em síntese: Por o primeiro Réu e um tal II se terem desinteressado de um negócio pelo qual o Autor entraria como sócio para uma sociedade da qual aqueles eram sócios, a "A. C. G... C..., Ldª", estes assumiram a obrigação de restituir ao Autor a quantia de 27.500.000$00 que por ele fora disponibilizada a favor da sociedade como condição daquela entrada.

No cumprimento parcial dessa obrigação, em 20.10.1997, o primeiro Réu entregou ao Autor um cheque titulando o valor de 10.000.000$00, como sendo esta a quantia de que o dito Réu tinha beneficiado e feito sua, daqueles 27.500.000$00.

Até ao momento e apesar das várias interpelações judiciais e extrajudiciais, os 1°s. R.R. não procederam ao pagamento da quantia em dívida.

Em 20 de Maio de 1998, os primeiros declararam em escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de S. João da Madeira, vender e o 2° Réu (filho dos 1°s RR.) comprar a fracção autónoma que constitui casa de morada de família daqueles, pelo valor de 9.000.000$00.

E, em 25 de Maio do mesmo ano, os 1°s. R.R. declararam vender e o 2° R. comprar todo o mobiliário, recheio, equipamentos, maquinarias e adornos existentes na sua mencionada residência e que descreveram em documento escrito.

Os 3°s e 4°s RR., filhos, nora e genro dos 1°s RR., deram o consentimento ao negócio de compra e venda da fracção, mas todos os RR. conheciam o crédito do Autor e participaram no plano engendrado, em conluio, de modo a evitar que o Autor obtivesse legalmente a satisfação plena do seu crédito e com tais actos prejudicaram-no deliberadamente, sabendo da inexistência de outros bens susceptíveis de penhora.

Os dois 1°s R.R. colocaram-se numa situação de impossibilidade de satisfazer o crédito do Autor, com o fim manifesto de impedir essa satisfação.

Conclui o Autor que se verificam todos os requisitos legais da impugnação pauliana.

É de presumir que os proventos obtidos em tais actos foram aplicados em proveito comum do casal, já que o 1° Réu marido é comerciante, a dívida em causa foi contraída no exercício do seu comércio e a Ré mulher é doméstica, sendo o regime de casamento o da comunhão geral de bens.

E terminou formulando o pedido de procedência da acção, decretando-se nos seguintes termos: "I - A ineficácia das referidas alienações, isto é, do bem imóvel identificado no art. 22º desta petição inicial e dos bens móveis também identificados no art. 26º da mesma.

Tendo o Autor direito: II - À restituição dos bens objecto das referidas alienações, na medida do seu interesse que se cifra em 12.301.370$00 acrescido dos juros de mora vincendos à taxa legal em vigor.

- A poder executar tais bens no património do 2° Réu, e praticar todos os actos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei.

IV - A haver do Réu adquirente desses bens o valor dos que porventura tenha entretanto alienado." Os primeiros RR. e os demandados seus filhos contestaram conjuntamente a acção negando o crédito do Autor; - os montantes respeitam a uma firma que tem entidade jurídica autónoma e o cheque serviu de simples forma de garantia, tendo sido abusivamente utilizado; - o objectivo da venda do imóvel foi o de os primeiros réus darem satisfação a obrigações vencidas e inadiáveis e à sua sobrevivência; - o segundo réu limitou-se a comprar o imóvel que os pais - primeiros réus - tiveram de vender para satisfazer compromissos, servindo-se para concretizar tal negócio de um financiamento com bonificação obtido na banca; - os terceiros e quartos réus deram a sua anuência a uma venda que seria a única saída para a situação dos pais.

Concluíram pela improcedência da acção.

Requerida a intervenção principal provocada de JJ e mulher, LL, foram os mesmos admitidos a intervir (cfr. despacho de fls. 102) e contestaram a acção impugnando a generalidade dos factos alegados, designadamente que, além de terem comprado a fracção em causa, deram-na de hipoteca à Caixa Geral de Depósitos, para garantia do empréstimo contraído para a respectiva aquisição; - são alheios às relações entre o Autor e os 1°, 2°, 3° e 4° RR. e as eventuais obrigações ou dívidas destes para com aquele; - tomaram conhecimento dos processos de execução com a citação da presente acção; e compraram a fracção autónoma com a única intenção e finalidade de nela instalarem a sua habitação e da sua família, ocupando-a efectivamente e nela fazendo obras, adaptando-a ao seu gosto pessoal, no que gastaram centenas de contos, sendo seus verdadeiros donos (invocam a usucapião).

Concluíram pedindo pela absolvição do pedido.

Deduzido incidente de intervenção provocada da Caixa Geral de Depósitos, foi esta intervenção admitida e esta interveniente alegou desconhecer as relações jurídicas que precederam a constituição do seu crédito e da garantia hipotecária sobre a fracção autónoma; não tem, nem nunca teve, a consciência de qualquer eventual prejuízo que a venda financiada tenha causado seja a quem for, concluindo pela improcedência da acção.

Por despacho de fls. 413, foi ordenada a suspensão da instância "até que seja proferida decisão com trânsito em julgado nos autos de embargo de executado opostos à Execução Ordinária nº 118/98 a correr termos em Arouca".

Tendo falecido a Ré CC, foram habilitados os seus herdeiros BB, DD, HH e GG.

Foi junta certidão de sentença proferida na Execução Ordinária nº 118/98 de Arouca, com nota de trânsito, após confirmação na Relação e no Supremo Tribunal de Justiça.

Elaborado despacho saneador e seleccionados os factos assentes e os da base instrutória, realizou-se julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Desta sentença interpôs recurso o Autor que veio a ser decidido no Tribunal da Relação do Porto, que anulou o julgamento e determinou a sua repetição.

*** Procedeu-se a novo julgamento e, proferida nova sentença, veio o Tribunal a quo a julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os R.R. e os Intervenientes de todos os pedidos contra eles deduzidos.

*** Inconformado, o Autor recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 27.3.2008 - fls. 1559 a 1600 - negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

*** De novo inconformado recorreu o Autor para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

  1. Entende o ora recorrente que, salvo sempre o devido respeito por melhor opinião e diferente entendimento, não terá sido efectuada uma correcta aplicação do Direito.

  2. Como bem se anota na sentença de 1ª instância, o crédito do recorrente é anterior ao acto de alienação e os bens alienados constituíam a única garantia do crédito do ora recorrente, pelo que resulta da transmissão da sua propriedade a impossibilidade do Autor obter a satisfação do seu crédito.

  3. Entende o ora recorrente que houve má fé dos devedores e do 3° adquirente, DD, nos actos (escritura pública, datada de 20 de Maio de 1998, da alegada compra e venda da fracção autónoma e a compra e venda de todo o mobiliário, recheio, equipamentos e adornos existentes nesta fracção e que descreveram em documento escrito datado de 25 de Maio de 1998), porém, tal requisito só é exigido para os actos onerosos, como estabelece a 2ª parte do n°1 do art. 612º do Código de Processo Civil.

  4. O negócio dos autos, apesar do seu nomen iuris de "compra e venda" tratou-se de um negócio gratuito porque celebrado com animus donandi ou beneficiandi, não existindo qualquer nexo de correspectividade jurídica entre o preço declarado e a transferência do imóvel para o Réu DD.

  5. Numa análise atenta e pormenorizada, constata-se que houve uma tese habilmente engendrada por todos os RR., a do alegado distanciamento dos filhos em relação aos pais, para assim tentarem justificar o injustificável, que como familiares directos que eram alegadamente não tinham conhecimento efectivo da situação económica dos 1. °s RR.

    Nem os 1°s RR. alegadamente falavam nem os restantes RR. alegadamente perguntavam.

  6. Não é crível tal situação, por muito distante que estes filhos estivessem dos pais, o que não se concede, pois, o distanciamento mais não é do que a forma que os RR. arranjaram de responderem a perguntas que são do seu conhecimento pessoal e assim impedir o A. de produzir prova por confissão dos factos que alega.

  7. A tese do 1ª Réu e do 2.° Réu é que mesmo vivendo na mesma casa com a partilha do quotidiano e de tudo o que isso implica em termos de relações interpessoais, funcionavam como verdadeiros estranhos relativamente aos negócios do 1º Réu, o que, de forma alguma, se aceita. Não é curial que assim seja, como efectivamente não foi, o 2° Réu tinha perfeito conhecimento das dívidas do seu pai em geral, e da dívida do seu pai para com o recorrente, em particular, por isso, aceitou figurar como adquirente do apartamento dos seus pais.

  8. Os restantes RR. já dão uma versão ligeiramente diferente. A justificação que invocam para o alegado desconhecimento é o facto de terem casado e fazerem uma vida separada dos seus pais desconhecendo, por isso, as dificuldades económicas concretas do 1º Réu o que também não se aceita, uma vez que à luz da experiência comum, o facto de terem casado não impede ou afasta o relacionamento paternal, ainda mais que os RR. vivem todos perto uns dos outros.

  9. A demonstração dos requisitos da impugnação pauliana e da simulação dos negócios jurídicos outorgados pode fazer-se mediante qualquer meio de prova admissível em Direito, através de factos que, segundo a experiência comum, são considerados indícios seguros do respectivo acto ou contrato. Ac. RL. De 22.03.1968: JR, 14 - 268.

  10. É vox populi e resulta das regras da experiência comum que quer familiares quer amigos de...

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