Acórdão nº 2209/08.0TBTVD.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Maio de 2013
Magistrado Responsável | GRANJA DA FONSECA |
Data da Resolução | 30 de Maio de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
Na sequência de procedimento cautelar que correu termos no 3o Juízo do Tribunal Judicial de ..., AA, BB, CC e DD, todos devidamente identificados nos autos, intentaram a presente acção ordinária, distribuída agora ao 2º Juízo do mesmo Tribunal, contra EE L.
da, igualmente, com os sinais completos nos autos, pedindo: a) – O fim do funcionamento e a remoção dos quatro aerogeradores; b) - A condenação da mesma Ré a pagar, a título de danos não patrimoniais, respectivamente, € 250.000, € 150.000, € 150.000 e € 150.000 ao 1º, 2º, 3º e 4º Autores; c) - A condenação da Ré a pagar ao 1º e 2º Autores uma verba correspondente à diferença entre o valor da Quinta antes da colocação dos aerogeradores e o seu valor depois da colocação dos ditos e ainda no pagamento de € 200.000 ao 1º Autor, a título de danos patrimoniais; d) - Bem como, o pagamento de todas as custas judiciais e encargos, quer judiciais, quer extrajudiciais, que os Autores hajam incorrido com vista a intentar a acção assim como as despesas de realojamento de pessoas e bens durante o período de funcionamento dos aerogeradores.
Fundamentando a sua pretensão, alegam em síntese, que os dois primeiros Autores são casados entre si, e têm dois filhos, precisamente, o 3º e 4º Autores.
Os dois primeiros Autores são proprietários de uma Quinta, com 17,8 hectares, composta, por duas moradias de habitação, picadeiro e estábulos, sita em ..., ..., ..., ..., ficando adjacente a tal propriedade o Parque Eólico de ..., o qual é constituído por 13 aerogeradores assíncronos com a potência unitária de 2000 kW (2.150 KVA); 13 postos de transformação e seccionamento, equipados com transformadores de potência unitária de 2.500 KVA, 0,69/20 KV; subestação equipada com um transformador de potência de 26.000 KVA, 20/60 KV; rede de cabos subterrâneos de 20 KV que interliga os postos de transformação e a subestação; um transformador para os serviços auxiliares de 25 KVA, 400/230V; e, respectivo equipamento de comando, corte, protecção e medição.
Acontece que tal equipamento produz ruído, o qual se situa para além do permitido pelo Regulamento Geral do Ruído em vigor, doravante RGR, e que, desde a implantação do parque, tem tido efeitos nefastos na saúde dos Autores, designadamente na dos dois primeiros, tendo vindo a contrair doença vibro – acústica e no rendimento escolar do 3º e 4º Autores, o qual diminuiu, bem como efeitos perversos na saúde dos animais da quinta, a ponto dos cavalos andarem sonolentos por estarem cansados e não darem rendimento, sendo de acrescentar que as hélices dos aerogeradores da Ré projectam sombras na propriedade dos Autores, assim, assustando os animais.
Ademais, a colocação dos aerogeradores no local fez com que a propriedade do 1o e 2º Autores diminuísse de valor, pois que o impacto visual deixou de tornar o local apetecível.
Os Autores levaram a cabo estudos com vista a determinar o nível de ruído tendo concluído que quatro dos geradores, precisamente os mais perto da sua propriedade, são os responsáveis pelo sucedido e que a Ré, não obstante informada do caso, nada fez para eliminar o impacto negativo.
A Ré contestou, alegando que explora o parque do ..., parque eólico devidamente aprovado e licenciado perante as autoridades competentes e que produziu, desde a sua entrada em funcionamento, 145.000 MWH de energia eléctrica, a qual é suficiente para abastecer o concelho de ... durante vários meses e que evitou a emissão de 54.000 toneladas de C02 para a atmosfera.
A Ré encomendou à FF L.
da um estudo que concluiu pela conformidade do parque com a Lei do Ruído, salientando que é este o estudo a considerar e não aquele outro a que se reportam os Autores, já que este último, produzido pela D.., não se ateve aos critérios legais, designadamente, não subtraiu o ruído dos aerogeradores ao ruído ambiente mas sim subtraiu-o a uma situação com todos os ruídos associados, sendo que efectuou medições e comparações entre situações de ruído ocorridos em dias diferentes.
Já quanto à doença vibro - acústica refere que a mesma não constitui doença e que os sintomas de que os Autores (1º e 3º) alegam padecer, podem ser imputáveis a um sem número de patologias e nenhuma relacionada com o ruído dos aerogeradores.
Conclui pela improcedência do pedido, nada havendo a ressarcir e, em sede reconvencional, alega que o comportamento dos Autores lhe tem causado prejuízos na medida em que a obrigou a manter parado o aerogerador 2 durante um período de tempo excessivo, o que lhe causou, entre Março de 2008 e a data da contestação, um prejuízo de € 372.000, referentes a perda de receitas.
Acresce que o presente litígio provocou uma diminuição do valor patrimonial da Ré, sendo que as instituições financeiras passaram a requerer garantias adicionais à Ré para financiarem a construção de um novo parque eólico em 2008.
Assim, e por danos à sua imagem, reclama € 250.000.
Replicaram os Autores, mantendo o antes alegado na petição inicial e sustentando desconhecerem os danos alegados mas que estes, a terem existido, resultam da conduta da Ré.
Elaborado o despacho saneador, prosseguiram os autos, tendo sido proferida sentença que, julgando a acção e a reconvenção improcedentes, absolveu, respectivamente, a Ré e os Autores dos pedidos formulados.
Inconformados, apelaram os Autores e a Ré, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por douto acórdão de 11/09/2012, julgado improcedente o recurso interposto pela Ré e parcialmente procedente o recurso dos Autores e, consequentemente, condenou a Ré: a) – A suspender o total funcionamento do aerogerador n.º 2 instalado no respectivo Parque Eólico, bem como a suspender o funcionamento dos aerogeradores n.
os 1, 3 e 4 do mesmo Parque Eólico, no período nocturno e no entardecer; b) – A pagar aos mesmos autores a título de indemnização, (pelos danos por estes sofridos até ao decretamento da providência cautelar prévia a estes autos), a quantia de € 20.000 (vinte mil euros).
De novo inconformados, recorreram de revista os Autores e a Ré, finalizando as respectivas alegações, com as seguintes conclusões: AUTORES 1ª - O douto acórdão recorrido veio considerar parcialmente procedente o recurso interposto pelos autores, suspendendo, nomeadamente, o funcionamento dos aerogeradores n.
os 1, 3 e 4 no período do entardecer e no período nocturno e o aerogerador n.º 2 a todo o tempo, mais condenando a ré a pagar a quantia de € 20.000 por danos sofridos pelos autores até ao decretamento da providência cautelar.
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- Vindo assim confirmar o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de providência cautelar, o qual já havia determinado a suspensão do funcionamento dos aerogeradores n.
os 1, 3 e 4 nos períodos do entardecer e nocturno e o aerogerador n.º 2 a todo o tempo.
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- Com isto, o acórdão recorrido vem reconhecer a violação dos direitos de personalidade dos autores, a conduta ilícita da Ré e a existência de danos que devem merecer a atribuição de uma indemnização, em cujo pagamento aquela deve ser condenada.
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- No entanto, há dois pontos em que os autores discordam do teor do douto acórdão e que justificam a apresentação deste recurso.
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- Em primeiro lugar, não se conformam os autores com o facto dos aerogeradores n.
os 1, 3 e 4 continuarem a funcionar durante o dia, só suspendendo tal funcionamento ao entardecer e no período nocturno, como foi decidido pelo acórdão recorrido.
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- Na verdade, salvo o devido respeito, a decisão ora recorrida seria aceitável se, por exemplo, o agregado familiar apenas utilizasse a Quinta à noite, para fazer as refeições e descansar.
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- Ora, não é isso que se passa, face aos factos provados nos quesitos 6º; 8º; 35º; 58º; 59º e 75º.
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- Não sendo aceitável que a protecção legal devida aos autores contra a emissão de ruídos (descrita de forma abundante e rigorosa pelo acórdão recorrido) exista durante metade do dia e seja negligenciada na outra metade.
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- Ainda para mais, quando ficou provado que o 1º autor vive e trabalha a tempo inteiro na Quinta, que a 2ª autora é doméstica (ou seja trabalha em casa), que a vida social da família é passada na Quinta (que não tem lugar apenas à noite e ao entardecer) e que os dois filhos menores estudam na Quinta (o que não se verifica só ao entardecer e à noite).
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- Refira-se ainda que a própria figura da colisão de direitos só faria sentido ser aplicada a partir de Janeiro de 2009, quando foi concedido o alvará à ré, ou seja, entre 2006 (data de início da actividade dos aerogeradores) e 2009, nunca a ré teve direito ao funcionamento dos aerogeradores, logo, não há qualquer colisão de direitos.
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- Assim, a consequência lógica face à demonstração da violação dos direitos de personalidade dos autores e face aos factos dados como provados, é a remoção dos 4 aerogeradores, como foi pedido pelos autores, na sua petição inicial, porque só assim é garantida a total protecção dos direitos de personalidade dos autores.
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- Quanto ao segundo ponto deste recurso de revista, os autores não se conformam com a atribuição de uma indemnização de € 20.000.
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- Recorde-se, e antes de mais, que estamos perante quatro autores, ou seja, a vingar o decidido no acórdão recorrido, teríamos, presumivelmente, um valor indemnizatório não superior a € 5.000 atribuído a cada um.
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- Ficaram provados diversos factos que demonstram uma clara alteração na vida diária dos autores e o sofrimento psicológico e físico que passaram a padecer (vide os factos constantes da base instrutória dados como provados n.
os 16º, 21º, 31º, 35º, 53º e 54º).
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- Sendo toda uma vida pessoal, familiar, profissional e académica, dos quatro autores, que foi afectada profundamente.
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- Os autores manifestamente sofreram emocional e fisicamente com o intenso ruído causado pelos aerogeradores, o que prejudicou a sua vida e rotinas, tendo consequências na sua vida pessoal, social e profissional.
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- A somar a estas situações, temos o desgaste emocional derivado do litígio...
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