Acórdão nº 472/10.5TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução30 de Maio de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e BB intentaram esta acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra CC, S.A., com sede em Lisboa, pedindo a condenação do Réu a pagar ao primeiro Autor a quantia de € 18.619,40 e ao segundo Autor a quantia de € 14.481,60, em ambos os casos com acréscimo de juros de mora, à taxa legal, sobre os montantes titulados pelos cheques.

Alegaram, em síntese, que a sociedade comercial “DD, L.

da” por intermédio do seu sócio-gerente, entregou ao primeiro autor o cheque n.º 000000000, no valor de € 18.000, emitido em 29 de Dezembro de 2006 e ao segundo autor os cheques n.

os 000000000, no valor de € 9.000, emitido em 31 de Dezembro de 2006 e 000000000, no valor de € 5.000, com a mesma data.

Todos os cheques foram sacados sobre conta do banco réu titulada em nome daquela sociedade e foram entregues aos autores, em finais de Dezembro de 2006, pela mesma sociedade para pagamento de dívidas dos mencionados montantes e foram depositados pelos autores, em 3 de Janeiro de 2007, nas suas contas bancárias.

Todos estes cheques não foram pagos, tendo sido devolvidos pelos serviços de compensação do Banco de Portugal, com os seguintes dizeres apostos no verso dos mesmos: Extravio – por mandato do Banco sacado (no caso dos cheques entregues ao 2º autor) e cheque revogado - extravio (no caso do cheque entregue ao 1º autor).

O réu contestou, alegando, em síntese, que não efectuou o pagamento aos autores das quantias tituladas pelos cheques no seguimento da ordem de não pagamento que lhe foi dada pela sociedade “DD, L.

da”.

Esta ordem de revogação dos cheques em causa fundou-se em extravio do cheque, segundo a indicação do sacador.

Agiu, assim, o banco réu no cumprimento de uma ordem de não pagamento, motivada por justa causa, que não podia deixar de cumprir, por virtude das obrigações contratuais que tem perante o sacador, decorrentes, nomeadamente, da convenção de cheque.

A recusa do pagamento dos cheques em causa, por parte do banco réu, é, por isso, lícita.

Houve réplica dos demandantes.

Na 1ª Instância, a acção foi julgada improcedente e o réu absolvido do pedido.

Os autores apelaram para a Relação do Porto que, por unanimidade, confirmou o julgado.

Deste acórdão interpuseram os autores recurso de revista excepcional, invocando contradição de julgados com vários arestos mas precisando que o acórdão fundamento é o da Relação do Porto no Processo 120/10.3TBSTJM.P1, de 26 de Outubro de 2010, do qual juntam certidão com nota de trânsito em julgado.

Por douto acórdão de 19/02/2013, a “Formação” considerou verificado o pressuposto da oposição de julgados, admitindo, consequentemente, a revista excepcional, tendo, por isso, os autos sido remetidos à distribuição.

Os recorrentes, nas suas doutas alegações, formularam as seguintes conclusões: 1ª – O acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 483º, 487º, n.º 2, 563º e 1170º, n.º 2, todos do Código Civil e artigo 32º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque.

  1. – Tendo como base os factos dados como provados, resulta que o banco recorrido cometeu um acto ilícito.

  2. – Acto ilícito esse consubstanciado no facto de, á data da comunicação por parte do sacador, o Banco recorrido não ter diligenciado no sentido de obter indícios sérios em como tinha ocorrido uma situação de “extravio” ou “roubo”.

  3. – O banco recorrido, na data em que não pagou os cheques aqui em causa, (em Janeiro de 2007), também não diligenciou no sentido de averiguar se, atentando ao lapso de tempo decorrido desde a comunicação do sacador e até à apresentação a pagamento de tais cheques, com data de emissão posterior à comunicação do sacador, tais cheques haviam sido extraviados ou roubados.

  4. – É que, ao contrário do entendimento do acórdão recorrido, o lapso de tempo de 4 anos entre a comunicação e a apresentação a pagamento de tais cheques e o facto de estes terem uma data de emissão posterior à comunicação para cancelamento, faz presumir que os mesmos continuaram na posse do sacador.

  5. – Conforme se veio a provar (vide 13, 14 e 15 dos factos provados).

  6. – O banco sacado, mesmo que sejam alegados conceitos jurídicos pelo sacador, tais como extravio, roubo, furto, etc, não está eximido de agir com a máxima diligência no sentido de averiguar a existência de indícios sérios em como a situação relatada ocorreu.

  7. – Inclusivamente deve o banco sacado exigir cópia da competente participação – crime.

  8. – Em nome da confiança que deve imperar no giro comercial e bancário, perante situações de revogação por parte do sacador, o sacado deve agir com a diligência que se exige a um profissional qualificado no sentido de averiguar a existência de factos que constituam indícios sérios que justifiquem o cancelamento de um cheque dentro do prazo de pagamento do mesmo.

  9. – O banco sacado deve adoptar uma atitude pró – activa no sentido de averiguar a existência de indícios sérios que suportem o teor da comunicação e não uma atitude simplista, de desrespeito por interesses de terceiros e, pura e simplesmente, recusar o pagamento dos cheques.

  10. – In casu, tal atitude pró – activa ou diligente que se exige ainda era mais acentuada face à natureza dúbia da comunicação do sacador: ordem de cancelamento do “…cheque (livro de 150) referente à conta …”, pelo qual solicito o extravio por roubo de todos os cheques activos”.

  11. – Tal comunicação é susceptível de diferentes interpretações quanto ao facto ocorrido (?) que justifique o cancelamento dos cheques e ainda quanto ao número e quais os cheques abrangidos por tal comunicação.

  12. – Ora, o banco recorrido nada fez perante essa comunicação falsa que nem era acompanhada por qualquer documento ou informação que sustentasse, ainda que sumariamente, a ordem de cancelamento.

  13. – In casu, o sacador não apresentou perante o banco sacado, aqui recorrido, qualquer justificação concreta, séria e plausível, para que os cheques aqui em causa não fossem pagos.

  14. – O banco sacado não dispõe de qualquer indício sério do suposto “extravio” ou “roubo” alegado pelo sacador, seja no momento em que recebeu a comunicação, seja quando não pagou os cheques.

  15. – Fez fé numa comunicação sem qualquer fundamento, ambígua e imprecisa.

  16. – O acto ilícito do réu acarretou directamente prejuízos aos recorrentes.

  17. – Por força da ilegal decisão de não pagamento dos cheques dentro do prazo legal de pagamento dos mesmos, os recorrentes deixaram de receber os respectivos montantes.

  18. – Os recorrentes eram credores da sacadora dos montantes em causa (vide 13, 14 e 15 dos factos provados).

  19. – Os recorrentes intentaram execuções contra a sacadora mas não lograram obter o pagamento das quantias tituladas nos cheques (vide 16 dos factos provados).

  20. – A sacadora não tem bens penhoráveis (vide 17 dos factos provados).

  21. – Face á recusa do pagamento dos cheques pelo Banco recorrido, os Recorrentes não receberam essas quantias.

  22. – Face a esses factos dados como provados, é de concluir que o facto ilícito praticado pelo banco recorrido é causa adequada para que o dano dos Recorrentes se verifique.

  23. – Dano esse que se traduz no não recebimento do seu crédito, ou seja, as quantias tituladas nos cheques em causa.

  24. – As supra citadas disposições legais foram mal interpretadas e aplicadas ao caso em concreto.

  25. – A melhor interpretação das citadas disposições legais é de que será exigível do banco sacado uma diligência especial, no sentido de averiguar a existência de indícios sérios que constituam justa causa de revogação da ordem do pagamento do cheque, dentro do prazo legal da apresentação do cheque a pagamento.

  26. – E quando o banco sacado se abstém desse cuidado, agindo com negligência grosseira, e se limita a aceitar sem reservas uma ordem de cancelamento de cheques baseada em meros conceitos jurídicos e cujo motivo se veio a revelar falso, deve indemnizar o terceiro de boa – fé (apresentante do cheque a pagamento) pelos danos que sofreu e que são constituídos pelas quantias tituladas pelos cheques.

Não houve contra – alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

  1. As Instâncias consideraram provados os seguintes factos: 1º - AA é portador do cheque n.º 000000000, no valor de € 18.000, com data de emissão de 29 de Dezembro de 2006, sacado sobre a conta nº 000000, do Banco réu, da sua agência de Leça da Palmeira, titulada em nome de “DD L.

    da” (alínea A).

    1. - BB é portador dos cheques n.

      os 000000000, no valor de € 9.000, com data de emissão em 31 de Dezembro de 2006 e 000000000, no valor de € 5.000, com a mesma data do anterior cheque. Ambos sacados sobre a conta nº 000000 do Banco réu, agência de Leça da Palmeira, titulada em nome de “DD, L.

      da” (alínea B).

    2. - O cheque referido em 1º) foi depositado pelo 1º Autor, em 3 de Janeiro de 2007, na sua conta bancária sediada no Montepio Geral (alínea C).

    3. - Os cheques referidos em 2º) foram depositados pelo 2º Autor, em 3 de Janeiro de 2007, na sua conta bancária sediada na agência da Caixa Geral de Depósitos da Foz do Douro, na cidade do Porto (alínea D).

    4. - Os cheques referidos em 1º) e 2º) não foram pagos, tendo sido devolvidos pelos serviços de compensação do Banco de Portugal, com os seguintes dizeres apostos no verso dos mesmos: “Extravio – por mandato do Banco sacado” no caso dos cheques identificados em 2º) e “cheque revogado – extravio” no caso do cheque identificado em...

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